quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Expulsar os vendilhões do templo

O Valor Econômico noticiou na semana passada que a desigualdade de renda no Brasil parou de piorar no 3º trimestre de 2019 após quatro anos de piora continua segundo medição da Escola Brasileira de Economia e Finanças da GV com base nos dados recém divulgados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) do IBGE. A explicação parece estar no re-emprego de 1.533.000 desempregados, ainda que a maioria deles com empregos informais de 2018 para cá.

A concentração da renda é a doença planetária desta transição entre milênios que promete tempos tempestuosos para a democracia em todo o mundo. Nem mesmo a americana, único regime na historia da humanidade que desde a virada do século 19 para o 20 vinha sendo regido pela baliza “antitruste”, a da defesa da concorrência, pressuposto da liberdade que cada ser humano só pode exercer nas suas dimensões de consumidor e trabalhador neste nosso mundo economicamente orientado, escapa ao tsunami mundial de fusões e aquisições de empresas que bate recordes sucessivos ha mais de 30 anos desencadeado pela concorrência predatória dos monopólios sem lei nem limite do “capitalismo de estado” chinês, o novo nome da velha ordem socialista onde ha um só patrão e um só proprietário de todos os meios de produção.

A diferença é que no Brasil, que também não escapou à hecatombe planetária do pequeno empreendimento, o processo de concentração da renda deu-se predominantemente “no tapetão”, em função do avanço avassalador das corporações de “servidores” do estado sobre o PIB na “Era PT” mediante a imposição de aumentos sucessivos de salários e outras formas disfarçadas de remuneração muito acima da inflação. Combinadas a estagnação do investimento publico que custou esse processo maciço de transferência direta de renda das classes pobre e média para a privilegiatura com o consequente sucateamento da infraestrutura, da educação, da saúde e da segurança publicas, foram simplesmente suprimidas as condições essenciais para o resgate dos miseráveis da miséria.

Na China, partindo de abaixo de zero, o processo foi de forte crescimento econômico com reforma geral da infraestrutura física e tecnológica e enorme ganho de poder de concorrência global. Nos EUA e outras economias avançadas as perdas deram-se ao menos concomitantemente com ganhos de produtividade e forte investimento na infraestrutura científica e tecnológica. Mas no Brasil houve perdas por todos os lados que se meça. A única exceção foi o padrão de vida da privilegiatura que hoje desfruta de remuneração 36 vezes maior que a do resto do país computados apenas os ganhos nominais e tem “petrificados” todos os seus outros privilégios, da impunidade às taxas de juros especiais, por cima do maior de todos que é a dispensa de competir por um lugar ao sol e apresentar resultados para manter empregos.

Pobreza – hoje não ha mais espaço para dúvidas quanto a isso – não existe por si, é exclusivamente consequência de instituições políticas dolosamente iníquas. O Japão é uma ilha de pedra que mal tem água que se possa beber por cima e nada de valor por baixo do solo, e está lá como prova do que pode fazer por um povo a adoção de instituições copiadas do mundo que funciona. O Brasil só chegará “lá” quando fizer a mesma coisa, começando por excluir de sua constituição tudo que não diga respeito a todos os brasileiros, sem nenhuma exceção, e por “despetrificá-la” para transformá-la do congelador de privilégios que é hoje num instrumento de facilitação de mudanças dentro de normas democráticas.

Mas para poder partir para isso tem de chegar vivo à altura de fazê-lo, o que requer umas poucas reformas que ficariam melhor descritas como “manobras de ressuscitação” de um organismo econômico em coma. A chamada reforma administrativa é a mais urgente delas. Sem a privilegiatura devolver um pouco do que nos tomou não saímos da UTI. E a que está proposta para o Brasil é até tímida, ainda que inclua um componente proto-revolucionário. Ela não vai longe o bastante para pedir o fim da irrestrita estabilidade no emprego do funcionalismo que está na raiz de todos os vícios que estão matando o Brasil. Propõe apenas “desautomatizá-la”; desliga-la da “relação de sangue”; desatrela-la do simples pertencimento à casta para liga-la remotamente ao mérito e ao desempenho, ao condiciona-la a um período de três anos como trainee do candidato a funcionário estável seguidos de avaliação, ainda que da casta pela casta, e à existência de vaga no serviço público e não apenas da disposição de algum padrinho de aumentar seu rebanho particular.

Nem isso passou da soleira da porta, porém. Como sempre não por interferência de uma oposição formal ao governo, mas por determinação do próprio presidente da República, ele, como todos, um membro da privilegiatura de cujas prerrogativas a mais corrosiva é a de deter o monopólio do acesso à politica. É esta que, nunca é demais lembrar, mantem o divisor de águas do Brasil na barreira vertical do feudalismo – nobreza contra plebeus – e não no da divisão horizontal da democracia à qual nunca ascendemos – esquerda contra direita – como a massa distraída dos otários é levada pela privilegiatura a acreditar.

O estado de direito não é essa (des)ordem institucional que está estabelecida porque nos foi imposta. É um ideal, um devir que se define por tudo que está ausente dela: igualdade perante a lei, um homem um voto, fidelidade da representação do País Real no País Oficial, hegemonia do povo, etc.

Que a privilegiatura use todos os meios para continuar desfrutando seus privilégios compreende-se. Mas ao endossar o critério de “orientação pela proximidade” que faz os políticos deduzirem pela apalpação do “rabo” a figura do elefante da “impopularidade” e invocarem o “estado de direito” como definido pela privilegiatura sempre que alguém tenta empurrar-nos para o verdadeiro, a imprensa nega ao Brasil a chave da libertação dessa servidão. Ja passou da hora da que se pretende democrática expulsar esses vendilhões do templo.

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