O atual momento brasileiro está de tal ordem contaminado pela insensatez, ignorância, descrença e cinismo que vale a pena recordar uma velha anedota judaica que me foi contada em Nova York por um rabino e amigo querido. Estou, pois, consciente do meu plágio ou roubo, tão comum, aliás, no meio intelectual e jornalístico. Acentuo o ponto porque quando escrevemos não reconhecer a fonte denuncia o plagiário burro engolfado por sua vaidade. Essa turma que infesta, com pompa e circunstância, o curto cenário brasileiro.
Abe, um jovem judeu, foi ver o rabino:
— Rabi — pediu —, eu ficaria muito grato se o senhor me explicasse o Talmude.
— Claro — disse o mestre —, mas primeiro eu preciso fazer uma simples pergunta. Se dois homens saem de dentro de uma chaminé e um sai sujo e o outro limpo, quem é que se lava?
— O sujo! — respondeu Abe prontamente.
— Não, Abe! — disse o rabino debaixo do olhar espantado do jovem — Quem se lava não é o sujo porque ele se acha limpo. É justamente o limpo que pensa que está sujo. Agora, outra pergunta: se dois homens saem de uma chaminé, e um sai sujo e o outro sai limpo, quem se lava?
Abe deu um riso condescendente:
— O senhor acabou de me responder: o homem limpo, porque ele acha que está sujo
— Não, Abe — replicou o rabino — Cada um olha para si: o homem limpo sabe que não tem que se lavar, mas o sujo lava-se...
— Agora, uma pergunta final. Se dois homens saem de uma chaminé e um está sujo e o outro limpo, quem se lava?
Desta vez Abe fez uma careta de protesto. — Eu não sei, rabino. Poderia ser qualquer um, dependendo do seu ponto de vista.
— Não! Abe! — disse o rabino com firmeza — Se dois homens saem de dentro de uma chaminé, como é que um deles pode sair limpo? Ambos, obviamente, saem sujos e ambos se lavam.
Abe estava agora completamente confuso.
— Rabino, você fez exatamente a mesma pergunta três vezes, mas deu três respostas diferentes. Você está brincando comigo?
— Rabino, você fez exatamente a mesma pergunta três vezes, mas deu três respostas diferentes. Você está brincando comigo?
— Não, Abe — disse o Rabino — Eu nunca brinco com você. Isto é Talmude...
O aluno de doutorado que jamais leu um livro pergunta ao professor de Sociologia Política.
— Bebeto, me ensina como o Brasil deu no que deu.
— Primeiro eu tenho que lhe fazer uma ou duas perguntinhas — diz o mestre — Eis a primeira: dois ministros saem de uma chaminé, quem se limpa primeiro? O corrupto ou o honesto?
— Quem tem as costas quentes jamais pensa em se lavar — diz o jovem doutorando.
— O que você entende por “costas quentes”? — replica o professor.
— Eu estou pensando no cargo que aristocratiza e isenta, no modo de usar do cargo e no prestígio de quem o nomeou; em quem são os seus compadres, amigos e companheiros; o partido político a que ele pertence; se foi preso ou perseguido em alguma ditadura...
—É uma lista interminável... — pondera o professor doutor Humberto, interrompendo o aluno.
— E o pior é que eles pensam que esses infinitos recursos de poder podem ser corrigidos com leis, e não com uma honesta crítica dos seus costumes: dos limites de suas relações.
— Então, os dois saem sujos? —experimenta o professor.
— Não — responde o aluno — Ambos, sendo legais e caindo dentro da lei, não querem nem saber onde está a sujeira.
Eu dei uns socos uma vez na minha vida contra flamenguistas. Não eram torcedores, mas uma seita. Neste fim de semana, o Flamengo englobou o meu coração e o Brasil. Há muito mais nas identidades sociais do que pensa a nossa vã ideologia.
Roberto DaMatta
O aluno de doutorado que jamais leu um livro pergunta ao professor de Sociologia Política.
— Bebeto, me ensina como o Brasil deu no que deu.
— Primeiro eu tenho que lhe fazer uma ou duas perguntinhas — diz o mestre — Eis a primeira: dois ministros saem de uma chaminé, quem se limpa primeiro? O corrupto ou o honesto?
— Quem tem as costas quentes jamais pensa em se lavar — diz o jovem doutorando.
— O que você entende por “costas quentes”? — replica o professor.
— Eu estou pensando no cargo que aristocratiza e isenta, no modo de usar do cargo e no prestígio de quem o nomeou; em quem são os seus compadres, amigos e companheiros; o partido político a que ele pertence; se foi preso ou perseguido em alguma ditadura...
—É uma lista interminável... — pondera o professor doutor Humberto, interrompendo o aluno.
— E o pior é que eles pensam que esses infinitos recursos de poder podem ser corrigidos com leis, e não com uma honesta crítica dos seus costumes: dos limites de suas relações.
— Então, os dois saem sujos? —experimenta o professor.
— Não — responde o aluno — Ambos, sendo legais e caindo dentro da lei, não querem nem saber onde está a sujeira.
Eu dei uns socos uma vez na minha vida contra flamenguistas. Não eram torcedores, mas uma seita. Neste fim de semana, o Flamengo englobou o meu coração e o Brasil. Há muito mais nas identidades sociais do que pensa a nossa vã ideologia.
Roberto DaMatta
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