Hoje, parte de nós, ao comentar o que somos, exerce uma lógica peculiar e muito original do que podemos chamar de “cultura de botequim”, que hoje domina a cultura brasileira em geral, depois de longo silêncio cuidadoso de desvalorização e de vergonha do que podíamos ser. Ou vir a ser.
A conversa de botequim se caracteriza pela irresponsabilidade tóxica de seus praticantes, pela impertinência com que tratam assuntos pertinentes. No botequim, não se pensa duas vezes ao preferir a piada à verdade sem graça. Ninguém vacila em inventar um argumento falso para justificar o que pretende afirmar. Não se dá crédito ao que não serve para impor uma razão pouco razoável. Ganhara discussão é a prioridade, mesmo que não se saiba o que está certo ou errado, que não se dê muita importância à vitória. Mesmo que estejamos a espremer uma barata na sola do sapato, faremos isso porque é assim que se faz no mundo real dos heróis. Com um sorriso nos lábios, ainda que disfarçadamente triste.
No botequim, o valor de quem fala mais alto, de preferência aos gritos, será sempre superior ao de quem é capaz de raciocinar sem muito escândalo. No botequim, o que vale mesmo é o tapa lerdo nas costas e o sucesso junto a um público que busca diversão na absoluta normalidade.
O botequim é, antes de tudo, o lugar de seres normais; dos que serão sempre de um só jeito, os que não querem surpreender e não se surpreenderão. O lugar da paz conquistada pela ignorância.
O julgamento de nós mesmos é o da auto desvalorização, ainda que disfarçada pelo galicismo literário a nos garantir que essa é a arma mais poderosa contra quem não acredita em nós. Há sempre uma versão pejorativa para cada virtude que por ventura se descubra em nós.
Hoje, mais do que nunca, o cara no botequim é um machista que coça o saco e cospe no chão, a cultivar linguagem vagabunda e misógina como suprema demonstração de poder e grandeza. Ele não admite mulheres no botequim, porque elas só existem para serem usadas e injuriadas de diferentes modos. A mulher do outro será sempre mais passada, além de suspeita; enquanto a nossa, uma bênção de perfeição e virtude. A conversa de botequim não admite autocrítica, nem revisão da qualidade de matrimônios desgastados.
A cultura de botequim é o clímax da masculinidade tóxica, o supremo instante de humilhação do outro. O cara no botequim é capaz de considerar a morte de uma esposa querida como a libertação do viúvo para a gandaia. A doença fatal não passa de um pretexto para a traição (“sempre desconfiei desse aneurisma, ele nunca me cheirou bem”). E se a vítima chorar no enterro, o botequim dirá que é apenas mimimi, puro disfarce. O importante é uma fodinha por semana; e, se a mulher do outro for menos apetitosa ou sei lá o quê, dizer simplesmente: “Não humilha cara, kkkkkk”. O botequim pensará que vamos aprender e nos acostumar ao sofrimento.
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