Sua excelência borra a manteiga de ódio na torrada das desconfianças e, quando não ofende os profissionais, joga café rancoroso na cara de algum novo inimigo que a noite mal dormida lhe revelou. Sua santidade, o Papa, não perde por esperar. Os jornalistas nada comentam. Nem o excesso de bromato, o leite derramado na toalha da civilização ou o breakfast servido em pé. Seguem os rigores da profissão. Perguntam. Anotam. Publicam.
Viver no Brasil ficou assustador. A floresta queima, os radares saíram das estradas e na semana passada o presidente relinchou orgulhoso, misto de vaqueiro e jegue, na live da rede social. Os jornalistas não reclamam. Basta abrir o microfone e a matéria, como um café solúvel, se faz por si própria. Antes, após alguma pergunta mais contundente, eram processados por "desacato à autoridade". Bolsonaro xinga, humilha, vira as costas. Inventou o "desacato da autoridade".
Por falar em chifradas, ponha-se nesta arena o americano Ernest Hemingway, que tinha como sonho ver todas as touradas e não precisar escrever uma linha sobre elas. O jornalista Joel Silveira encontrou-o num bar de Paris. Sabia que o escritor não estava para entrevista, mas seguiu o instinto de repórter. Joel tinha a esperança de levar pelo menos um soco no meio dos cornos e ganhar o lead. Perguntou ao autor de "Paris é uma festa" se toparia um safari entre os touros da ilha de Marajó. Hemingway sequer bufou. Jogou na mesa o dinheiro do martini e, rápido, picou a mula. Tudo com discrição forçadamente exagerada para não deixar uma linha sequer para a matéria do brasileiro.
Os jornalistas acampados na porta do Alvorada não precisam provocar. Além dos bons princípios da profissão, acrescentaram às qualificações de cada um o exercício quase budista de controlar os instintos primitivos. Respiram fundo, tampam o nariz e a cada espanto que ouvem deixam de gritar de volta que o rei não só está nu, mas doido varrido. Por isso se faz meritório o Prêmio Esso a esses pacientes repórteres nas grades do Alvorada. Eles contam até dez, não topam o chamamento diário à briga. Levam os desaforos para a redação e, como é da espécie, simplesmente publicam. Deixam que o touro presidencial faça o trabalho inédito de se espetar ele próprio com as bandeirolas do ridículo.
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