A gente anda de luto há muito tempo, e parece que esse processo demorado não tem prazo para acabar. A cada dia surge uma nova perda, envolvendo a morte de um ídolo, de vítimas de catástrofes como quedas de aviões, rompimento de barragens, chacinas em escolas, assassinatos de mulheres, crianças, idosos, incêndios de grandes proporções, enchentes, assaltos, epidemias e demais manchetes da mídia que nos entristecem.
Chega a ser temeroso começar o dia abrindo o jornal ou ligando a tevê, pois tudo parece colaborar para comprometer o humor e aumentar a angústia de quem é apenas espectador de trágicos eventos. Rezamos, pedindo paz no mundo e dias melhores para o país, mas a realidade nos atropela com sua crueldade. Temos, cada vez mais, a certeza de vivermos um período de mutação, em que estranhamos a velocidade com que se sucedem as catástrofes e não nos identificamos com o modo de pensar e agir dos semelhantes.
Paira no ar a insatisfação coletiva. O futuro é uma grande incerteza, em todos os sentidos. Você não sabe, por exemplo, se volta para casa sem sofrer algum tipo de agressão, física ou moral. Não sabe o que esperar de nossos governantes, economia, justiça, educação, saúde. Direitos e deveres foram abalados por novas diretrizes mal esboçadas, divulgadas e canceladas às vezes no mesmo dia.
A mentira ganhou status. Inventam-se currículos logo desmentidos, bravatas e frases de efeito divulgadas rapidamente nas redes sociais e falta transparência nas negociações oficiais, nos três níveis de governo, enquanto nossos ditos representantes não representam anseios e necessidades da população.
Assim, a cidadania também morre um pouco, ignorada ou silenciada. Definham o amor à cultura nacional, a noção do bem coletivo, o estímulo ao conhecimento, os relacionamentos interpessoais, o cuidado com o planeta. E tentamos sobreviver, alguns migrando para outros países, outros, convivendo com o indesejado, numa esperança teimosa de que, um dia, tudo vai mudar.
É tempo de Quaresma, mas antes dela já nos entristecíamos, frente a um obscuro horizonte, frequentemente nublado. Perdemos o costume de ser felizes, desde que alguma coisa com muitos nomes vem nos sugando a autoestima. O número de deprimidos e suicidas cresce a cada dia, assim como os exemplos de desonestidade bem sucedida vindos lá de Brasília, dos Estados, dos Municípios. Parece que, como as estátuas dos santos católicos, fomos cobertos com panos roxos, enlutados por tudo isso. Infelizmente, ainda conseguimos visualizar o que acontece no entorno, através da trama do tecido. Só nos aliviam as quaresmeiras floridas.
Madô Martins
Nenhum comentário:
Postar um comentário