segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Eu ganho, tu perdes

Com a Nova Previdência, a perda das gerações futuras será geral. A proposta apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro é ampla e dura. Isso significa que a reforma é um erro? Não, Sem ela, o país entrará novamente em colapso e, aí sim, haverá inexoravelmente a perda de direitos adquiridos dos aposentados e pensionistas. Como não mexe no passado nem no presente, tem chances de ser aprovada. Quem pagará a conta dos privilégios e do rombo fiscal são as gerações futuras. Os privilégios, historicamente, aqui no Brasil, fazem parte dos “direitos adquiridos”. Mas essa é a última oportunidade de uma reforma da previdência que não mexa nesses direitos. Se não for feita agora, a solução será à grega ou à lusitana.

Estamos transferindo essa conta aos nossos filhos e netos. Todo mundo perderá igual? Não, perderão mais os trabalhadores do setor privado, que estão sujeitos ao regime geral; porém, a reforma reduz bastante os privilégios dos servidores públicos da União, estados e municípios. Militares manterão a aposentadoria pelo último salário e os inativos, os aumentos da ativa, mas também perderão: terão que servir por mais tempo e as pensionistas passarão a pagar contribuição, da qual eram isentas. Professores vão se aposentar com 60 anos. Policiais civis, federais e agentes penitenciários terão idade mínima de 55 anos, com tempo de contribuição de 30 e 25 anos. Anistiados da ditadura militar terão que pagar a Previdência, além de terem suas pensões revistas.


O servidor que ingressou no serviço público antes de 2013 e não fez opção pela aposentadoria complementar paga 11% sobre o salário. Com a reforma, as alíquotas serão diferentes para cada faixa de remuneração, como o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Além da alíquotas progressivas, a reforma permite à União, aos Estados e aos municípios criarem contribuições extraordinárias para enfrentarem o rombo nas contas estaduais e municipais.

A contribuição ordinária passará a ser de 14%, mas será qualificada de acordo com a faixa de salários. Será reduzida em 6,5 pontos percentuais para a faixa da remuneração de até um salário mínimo; para a faixa de um salário mínimo a R$ 2 mil, em cinco pontos percentuais (9%); de R$ 2 mil a R$ 3 mil, dois pontos percentuais (12%); de R$ 3 mil a R$ 5.839,45, não haverá redução. Para a faixa da remuneração de R$ 5.839,46 até R$ 10 mil, a alíquota de 14% será aumentada em 0,5 ponto percentual (14,5%); de R$ 10 mil até R$ 20 mil, em 2,5 pontos percentuais (16,5%); de R$ 20 mil a R$ 39 mil, 5 pontos percentuais (19%). Acima de R$ 39 mil, o acréscimo será de 8 pontos percentuais ( 22%).

Quem ganha mais continuará ganhando: os servidores públicos; já no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) do setor privado, as alíquotas atuais variam de 8% a 11% sobre o salário de contribuição; com a incidência progressiva, variarão de 7,5% a 14%, dependendo da faixa de renda. O teto continuará muito abaixo da aposentadoria média dos servidores. A reforma busca reduzir essas desigualdades, mas elas sobreviverão. A prioridade do governo não é nivelar por baixo, é garantir uma arrecadação extra de R$ 33,6 bilhões nos próximos quatro anos e de R$ 173,5 bilhões, em dez anos.

Entretanto, os mais pobres, principalmente idosos e deficientes, perderão mais. A pessoa, ao chegar aos 65 anos, poderia receber o benefício de um salário mínimo. Agora, esse valor será atingido só com 70 anos. Para compensar, haverá um auxílio de R$ 400. Com o fim do abono para quem ganha dois salários mínimos, ao adotar essa medida, o governo economizará R$ 41,4 bilhões em quatro anos. No caso do RGPS, isso compensará a mudança de alíquotas, que reduzirá a arrecadação em R$ 10,3 bilhões nos próximos quatro anos e em R$ 27,6 bilhões, em dez anos.

Tudo isso, porém, pode ser mitigado pelo Congresso. Os trabalhadores do setor privado, com sindicatos falidos e desemprego em massa, têm muito pouco poder de pressão contra a reforma, porque perderam a capacidade de mobilização. Já o lobby das corporações, principalmente das carreiras de Estado, policiais federais, policiais militares, auditores fiscais, promotores e magistrados, e, em especial, os militares das Forças Armadas, têm enorme poder de barganha. É aí que a reforma enfrentará mais dificuldades e pode sofrer reveses, mas isso, aparentemente, está “precificado” pelo mercado: nesse caso, o resultado será mais um ciclo de crescimento com aumento de desigualdades.

Nada de novo sob o sol

O presidente Jair Bolsonaro prometeu enfaticamente, durante a campanha eleitoral, acabar com o chamado “toma lá dá cá” na relação entre o governo e o Congresso. E, de fato, suas nomeações para a formação do Ministério indicaram disposição de cumprir essa promessa, abandonando aquela prática tão nociva para a democracia, base do chamado “presidencialismo de coalizão”. No entanto, assim que começou a temporada de negociações para a aprovação dos projetos de maior interesse do governo, especialmente a reforma da Previdência, duas coisas ficaram claras: que o Palácio do Planalto não tem articulação política capaz de arregimentar votos em quantidade suficiente sem recorrer ao fisiologismo; e que os parlamentares, cientes das limitações do governo, não apoiarão as reformas sem alguma forma de compensação.


Como resultado, Jair Bolsonaro parece empenhado agora em encontrar maneiras de ressuscitar o “toma lá dá cá” sem dar a entender que aderiu àquela nefasta prática. Em reunião recente com a bancada de seu partido, o PSL, o presidente anunciou a criação de um “banco de talentos”, no qual os parlamentares governistas poderão indicar nomes, com seus respectivos currículos, para ocupar vagas nos escalões inferiores da administração federal. Com base nessas indicações, os ministros escolherão os funcionários. Tudo, dizem, de acordo com critérios absolutamente técnicos.

Na prática, ao criar o tal “banco de talentos”, o governo Bolsonaro tenta dar ares de modernidade administrativa ao que não passa de um eufemismo para o conhecido “balcão de negócios”, em que os governos anteriores costumavam pagar pelo apoio de parlamentares e de caciques partidários – seja com cargos, seja com emendas ao Orçamento.

Nem os governistas se deixaram iludir pelo palavrório de Bolsonaro. “Banco de talentos é um nome bonito, né?”, disse o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), eleito presidente do Senado sob o patrocínio do Palácio do Planalto. Para o senador, a iniciativa do governo é uma forma de aceitar indicações políticas, “só que com outro nome”. E questionou: “Será que no outro modelo as pessoas não tinham talento? Não tinham talento, mas tinham voto”. Para o deputado Jhonatan de Jesus (RR), líder do PRB na Câmara, “isso vai virar um show de calouros”.

O fato, a esta altura negado apenas pela exaltada militância bolsonarista, é que o governo não se preparou para a árdua tarefa de formar uma base consistente no Congresso. As queixas pela falta de interlocução começam pelo próprio partido do presidente, o PSL. “Nem cheguei a tomar um café”, reclamou um parlamentar sobre a falta de contato com Bolsonaro ou algum de seus representantes. Consta que na reunião da bancada com o presidente Bolsonaro, o senador Major Olímpio (SP), líder da legenda no Senado, reclamou que o PSL estava sendo preterido na distribuição de cargos.

Tudo isso vai se refletir na tramitação da reforma da Previdência. Com sua desorganização política, o governo está com dificuldades até para assegurar mais votos do que a esquálida oposição, formada hoje por cerca de 130 deputados. Considerando que o governo precisa obter pelo menos 308 votos na Câmara para aprovar a reforma, tem-se a dimensão do desafio à frente.

Esse cenário, contudo, não pode servir de pretexto para que o presidente descumpra sua promessa de acabar com o “toma lá dá cá”. Os brasileiros demandaram nas urnas uma nova forma de fazer política, centrada em princípios e programas, e não em promiscuidade. Ao contrário do que fazem parecer alguns políticos, a atividade parlamentar pode ser limpa e praticada no melhor interesse dos cidadãos.

Para isso, no entanto, é preciso haver capacidade de diálogo e de convencimento, algo que este governo está longe de demonstrar. Talvez por isso esteja se rendendo ao recurso fácil do fisiologismo, que abastarda a política. Afinal, para usar o eufemismo do governo, não é preciso nenhum “talento” especial, além da impudência, para mercadejar votos.

Gente fora do mapa

Indígenas da reserva Pataxó HãHãHãe à beira do rio Paraopeba com os rejeitos de Brumadinho

O país que importa

Aqui na Praia do Norte, em Nazaré, pensando nos portugueses que se atiraram, como diz o poeta, ao mar absoluto, ao encontro do impossível — aqui sigo surpreso com o que acontece conosco, com o que fizemos de nós no outro lado do Atlântico. São tristes as imagens que chegam do Brasil, a mulher deformada pelo espancamento, a jovem mãe correndo com um bebê no colo do conflito entre torcida e polícia. E Maduro fechando a fronteira para comida e remédio.

Todo cais é uma saudade de pedra, como lembra Fernando Pessoa. É preciso um momento de reflexão à distância. A mais recente crise política no Brasil seria tema de um folhetim, amores enviesados, mentiras, veneno e fel.


Temos de achar uma forma de abstrair esse baixo nível e nos unirmos no principal: tirar o Brasil da crise, votar a reforma da Previdência, reduzir o número de crimes. No caso da Previdência, ela tem a aprovação das pessoas preocupadas com o país e não pode ser nem rejeitada nem mutilada pelo Congresso.

Por mais que o governo considere a imprensa como inimiga, os ambientalistas como obstáculo ao progresso, é preciso ajudá-lo, pois o que está em jogo no momento é muito maior que ele.

O Congresso derrubou o decreto que deformava a Lei de Acesso à Informação. Já havia criticado Mourão por tê-lo lançado. A transparência venceu. Faz parte do jogo ganhar ou perder. Sou catedrático em derrotas e asseguro que não importam tanto. Com uma boa análise, fugimos das inevitáveis; com alguma cintura, transformamos outras em vitória relativa.

Num outro artigo em que divago sobre o tempo na concepção do historiador Fernand Braudel, classifico a vitória de Bolsonaro apenas como uma conjuntura em que vários fatores convergem para alterar o tempo rotineiro.

Guardadas as proporções, uma convergência que também aconteceu nos Estados Unidos. São conjunturas que necessariamente não quebram a longa linha do tempo.

Conheço um pouco do Brasil e de Bolsonaro. Quando se tornou um candidato favorito, sabia que sua experiência ainda era limitada. E que sua vitória exigiria de todos nós uma dose de maturidade para evitar traumas. O resto ficaria por conta dos eleitores em 2022.

Foi essa a escolha majoritária. Diante dela, creio eu, o ideal é mapear os temas essenciais para sairmos do buraco. E criticar o governo sempre que se afaste deles.

Intrigas, vaidades, embriaguez do poder sempre se apossam das pessoas mais simples. Ainda mais no Brasil, onde tudo parece ter um viés novelesco: “Carlos Henrique, nunca pensei que fosses me trair…”

De novo, reafirmo aqui minha defesa do jornalismo preventivo. Não se trata de evitar as coisas feias, mas simplesmente de colocá-las no contexto.

Com todo o respeito pelo seu trabalho, Bebianno não existia na política brasileira até a campanha de Bolsonaro. Por sua vez, Bolsonaro nunca foi um hábil estadista, atenuando arestas, unindo forças divergentes. São, por assim dizer, forças não buriladas, que podem amadurecer ou seguir aos trancos até o fim do mandato.

Bolsonaro sempre foi um homem risonho e brincalhão, embora, é natural, tenha ficado mais sombrio depois do atentado que sofreu. Não me importo com as coisas que diz sobre o meio ambiente, muito menos com seus seguidores fanáticos. Pertenço a um grupo no Brasil que leva porrada dos dois extremos e já se acostumou.

Na hora de fazer a coisa certa, como proibir barragens a montante e dar um prazo para desativar as que existem, ele o fez. Será que está esverdeando? Será que, como todos os outros verdes, ele é uma espécie de melancia, verde por fora, vermelho por dentro?

É um país estranho. Não sei se os portugueses traçariam o mesmo rumo se soubessem do desfecho. Sei apenas que é hora de partir. Saudade e dever me empurram de volta, depois desses dias ao lado de Fernando Pessoa:

“E nada traz tanta religiosidade como olhar muito para gente/ A fraternidade afinal não é uma ideia revolucionária/ É uma coisa que a gente aprende pela vida afora, onde tem que tolerar tudo/ E passa a achar graça ao que tem que tolerar/ E acaba quase a chorar de ternura sobre o que tolerou!”

O poeta me saúda no cais:

“Boa viagem! Boa viagem!/ Boa viagem, meu pobre amigo casual, que me fizeste o favor /De levar contigo a febre e a tristeza dos meus sonhos.”

Sempre pendurados


Eu me assombro apenas pela roda da vida, que gira e gira sem parar, triturando todos os dias os reis e seus súditos
Nagib Mahfuz, "O jogo do destino"

Fantasias nacionais

Vai me dizer que acha que só no Carnaval é que tem fantasia? Passamos o ano inteiro com alguma, seja nossa, ou a forma como parece nos veem. Aproveite, que agora é hora de retrucar. As ruas estão abertas e os blocos vão passar.

Em termos de fantasia original, os brasileiros têm usado muito uma que até seria meio erótica, se não fosse trágica: uma mão na frente, outra atrás. Lembra que fantasiar também é uma capacidade da imaginação do ser humano, sai da nossa cabeça, uma forma até de escapar da realidade seja ela qual for. Cada um tem as suas – tem as eróticas, em busca de prazer, as profissionais, muitas. Capriche, nem que tenha de usar algum nome fantasia para não ser reconhecido depois.

Mas a novidade é a cada dia estamos sendo vistos com elas, sem que queiramos. Não sei se percebeu, mas também há muitas fantasias que sentimos, e sem nem usar a roupa e os detalhes; não são espontâneas, mas impostas: quando você se toca já está nela, os fatos levaram a ela. O exemplo mais atual é fantasia de palhaço ou mesmo a de bobo-da-corte. Uma característica desse tipo é que são coletivas, fica menos mal. Todos ao mesmo tempo são feitos de palhaços/palhaças ou bobas e bobos-da-corte. Alguns, no entanto, não percebem e acabam batendo palmas para maluco dançar. Têm sido, inclusive, fantasias bastante frequentes no País do Carnaval.

Mas é época de festa. E com a proximidade do Carnaval pensei em ajudar – até enquanto ainda dá tempo de confeccionar – relembrando algumas das principais fantasias que grande parte de nós têm conhecido, imaginado, pensado, ou até desejado nos últimos tempos. Treinados nelas somos todos os dias do ano.

Fantasmas – Não precisa nem aparecer, a não ser para receber algo, conforme combinado antes. Essa é legal porque com o dinheiro dá até para sumir antes até mesmo do próprio Carnaval, viajar para onde não tenha nem cheiro de confete ou serpentina, se é que, pensando bem, alguém ainda lembre ou saiba o que é isso, essas coisinhas que faziam parte da festa, coloridas, arremessadas, em círculos ou espirais. Variações: vampiros, que tiram sangue e remédios dos hospitais; irresponsáveis, que deixam barragens, pontes, viadutos, centros de treinamento sem qualquer cuidado, mesmo quando avisados dos perigos.

Laranja – Outra fantasia bastante em voga. Assim como os fantasmas, também costumam sumir para não serem revelados, e quando o são fazem de um tudo para comprovar que foram espremidos para isso. E vejam que nem máscara para cobrir a cara é muito necessário. Há variações: cara-de-pau; rachadinhas de salários de governo; santinhos de eleição.

Melindrosa/ Melindroso – Caso a fantasia de laranja não funcione, pode-se usar a de melindrados, ofendidos. Usar principalmente perto da imprensa, que estará seguindo todos os seus passos atrás de entender qual é o enredo do bloco onde se meteu.

Presidente – Esse ano será muito usada pelo batalhão de gente que se auto nomeou sem ser eleito, mas só porque votou e se acha por isso um Salvador da Pátria. O próprio da vida real já deu uma ideia do modelo a usar: chinelão, camisa pirata de time de futebol, calça usada de agasalho e um paletó largo esquecido por ali por algum barnabé de repartição que, procurado, ou saiu agora mesmo para tomar um café, ou almoçar, não estava se sentindo muito bem e que “já deve estar voltando” assim que acabar o efeito da desculpa. Muito verde e amarelo na composição.

Há também a variação de vice-presidente, que passou a ter um papel na história nem que seja só o de aborrecer a família e os amigos do presidente, esses que inclusive também formam um bloco – todos falam bobagens, tuitam absurdos e acenam com uma bandeirinha. Para ser vice, um bom traje verde com insígnias impõe certo respeito aos foliões, assim como manter sempre um sorriso enigmático na cara, como quem está prestes a dar alguma declaração controversa que vai virar manchete.

Petistas – Nas ruas essa fantasia anda bem escassa. Pelo menos o bloco específico que usava muito aquele adereço de mão com plaquinha, ou mesmo só os dedinhos em “L”, de “Lula livre”, pra cima, levantados. Não têm sido avistados juntos, até porque estão sem direção.

Nova oposição – Torço por essa fantasia e esse bloco. Que se forme, e rápido antes que seja tarde demais. Que seja livre, diversificado, colorido, coerente, capaz de criticar o que é ruim, e aceitar o que poderá ser bom para todos, buscando caminhos de conciliação. Para fazer parte é preciso estar bem atento, acordado, bem informado.

Fantasia? Qualquer, desde que seja real, de paz, convivência, respeito e, claro, com humor e sátira. Afinal é carnaval!

Bolsonaro não precisa de oposição

Pra que oposição? As crises que assombram o governo Bolsonaro têm uma característica peculiar: não precisam da ajuda da oposição.

No discurso de posse, o presidente indicou que manteria o clima de confronto com a esquerda. No entanto, seus adversários na eleição nem lhe fizeram cócegas até aqui.

Todos os fantasmas que rondam o Planalto surgiram no campo governista. A maior parte foi fabricada pelos filhos e pelo partido de Bolsonaro. O resto deve a existência ao próprio presidente, que demonstra dificuldade para se adaptar ao novo papel.


Os herdeiros lideram o ranking das trapalhadas. Mesmo sem cargos no governo, Zero Um, Zero Dois e Zero Três têm criado múltiplos embaraços para a gestão do pai.

Flávio, o primogênito, envolveu o nome da família numa investigação ruidosa no Rio. É suspeito de embolsar salários de assessores e cultivar relações com chefes de milícia.

Carlos, o filho do meio, foi pivô da queda de um ministro com 48 dias de governo. Sua ofensiva contra Gustavo Bebianno ainda pode deixar sequelas. Demitido, ele levou para casa os arquivos da campanha e uma coleção de áudios gravados pelo ex-chefe.

Eduardo, o caçula do trio, começou a fazer barulho antes da posse. Além de ameaçar fechar o Supremo Tribunal Federal com “um soldado e um cabo”, semeou discórdia no PSL ao descrever colegas como “favelados”. Na sexta-feira, usou as redes sociais para criticar o Exército, que tem atuado como fiador do novo regime.

Conhecido como partido nanico até fechar negócio com Bolsonaro, o PSL é outra usina de encrencas. Já está claro que a sigla lançou candidatas laranjas em Minas e Pernambuco. Agora pipocam suspeitas em outros estados.

Na Câmara, o partido paga pela inexperiência e pela desarticulação. Apesar de formarem a maior bancada, ao lado do PT, os deputados do PSL parecem mais interessados em gravar vídeos para as redes sociais. Na terça passada, levaram um baile do centrão e assistiram, atônitos, à primeira derrota do governo.

Bolsonaro já deu sinais de que não precisaria de ajuda para se embananar. Na primeira semana, ele foi desmentido por auxiliares depois de anunciar um decreto inexistente e admitir a instalação de uma base americana no Brasil. No caso Bebianno, seu temperamento elevou a temperatura da crise, em vez de esfriá-la.

Num cenário normal, o novo governo encontraria condições mais favoráveis para se organizar. O presidente venceu a eleição por ampla margem. O novo Congresso é o mais conservador das últimas décadas.

A oposição saiu das urnas desunida. O PT ficou isolado, e outras siglas de esquerda se dispersaram na lógica do “cada um por si”.

O deputado Alessandro Molon, do PSB, assumiu há dez dias o cargo de líder da oposição na Câmara. Ele reconhece que a correlação de forças é desfavorável, mas aposta nos tropeços do bolsonarismo. “Este governo está se enrolando sozinho. Por enquanto, nossa maior tarefa é não atrapalhar”,

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Pensamento do Dia


Yes, nós temos laranja

Plantar laranjas sempre foi bom negócio. É verdade que um pé de laranja plantado hoje pode levar até 15 anos para produzir a primeira laranja. Tempo demais. Há pés com apenas um ano de idade, germinados em viveiros e enxertados com sementes de pés de laranja mais velhos, que chegam lá em muito menos tempo. Um jeito ainda mais rápido é contratar pessoas —“laranjas”— que se façam passar por candidatos a vereador, deputado e até senador, injetar-lhes dinheiro público para suas “campanhas” e embolsar de volta esse dinheiro, já que os ditos não estão ali para disputar de verdade. 


Um litro de suco de laranja puro leva 30 laranjas. Mas quem sabe a diferença entre um suco puro e um que leve água? Com meio litro de água e 15 laranjas, faz-se um litro de suco do mesmo jeito e reservam-se as outras 15 para fazer outro litro. As transações financeiras entre a família Bolsonaro e seu ex-motorista Fabrício Queiroz seguem o mesmo princípio. Só que, em lugar de laranjas, Queiroz compra e vende carros usados, transferindo parte dos lucros para um ou outro Bolsonaro e reservando o resto para comprar mais laranjas.

Um pé de laranja deveria ficar de 3 a 4 metros de distância um do outro. Mas, isso, só idealmente. Na prática, pode-se plantá-los lado a lado e ver no que dá. Foi o que fez o laranjeiro Queiroz ao plantar suas mulheres, ex-mulheres, filhas, enteadas e milicianos de sua confiança no mesmo espaço, a Assembleia Legislativa do Rio. O laranjal era tão atulhado que deu na vista e o suco azedou.

E não se deve usar o fundo partidário, que é uma cortesia oficial, para fazer malabarismos com laranjas bichadas. Vide os candidatos-fantasma do hoje ministro do Turismo, Álvaro Antônio. O Ministério Público, a Polícia Federal e a imprensa descobriram e o governo precisa fazer de conta que o abacaxi não é dele.

A laranja é doce, mas pode ter marimbondo no pé.

Diário do hospício em 2019

Dois problemas concretos afetam a saúde. O primeiro é sermos, no futuro, um país com elevada proporção de idosos pobres e doentes. O segundo ocorre no presente: a falta de recursos para o SUS impede o acesso adequado a inovações tecnológicas que curam e salvam, inclusive crianças e jovens. Garantir direitos à saúde é difícil, mas fica inalcançável se houver importação indevida de abacaxis da área criminal para o SUS e abandono do uso de evidências científicas para a formulação de políticas.

O ministro da Saúde denunciou a atuação de milícias em hospitais do Rio de Janeiro e o uso por traficantes de aviões alocados para assistência médica aos indígenas e aprovou uma nova (na verdade, medieval) política de saúde mental. Práticas ilícitas e punitivas de unidades de saúde foram registradas ao longo da história. Hospitais coloniais estiveram interligados a redes de contrabando, e os hospícios e eletrochoques se eternizaram como símbolos de péssimo atendimento. Mas a versão moderna dos crimes que têm como base operacional estabelecimentos de saúde e atendimentos que mutilam e matam é pior do que a original.


Segundo autoridades governamentais, parte das instituições de saúde está fora de controle da ordem jurídica. O ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência revelou ameaças à equipe do Ministério da Saúde e afirmou não as temer: “Quem vai ter peito de peitar a Presidência da República?” A solicitação de informações sobre os contratos para transporte aéreo de pacientes pelo deputado Eduardo Bolsonaro induziu a semelhante entendimento sobre a continuidade de atividades delituosas.

Uma norma para tratar sofrimentos mentais — publicada em 2019, baseada no preconceito e no isolamento — recusa a mobilização de estratégias de redução de danos e restringe a integração social, tornando-se um libelo anticientífico. A revelação sobre a atuação de milícias na saúde surpreendeu até quem achava que já tinha visto de tudo na gestão de unidades públicas. Filas, falta de médicos e medicamentos, ocorrência de negligências e erros médicos constituem dramas mais que suficientes para ocupar a pauta de um mandato de quatro anos.

Suspense policial em hospitais e o gênero terror do cemitério dos vivos (subtítulo do “Diário do hospício”, de Lima Barreto) estavam fora de cartaz há mais de um século. Quem já havia se acostumado a considerar a saúde como área de melhorias contínuas e incrementais ficou atordoado com a volta do estilo bandido e mocinho. Como voltar a discernir o lado do bem, se há equivalência entre indiciados e detratores?

O ministro Mandetta, filiado ao DEM, na primeira visita surpresa que fez ao Hospital de Bonsucesso estava acompanhado por dois parlamentares de seu partido, um deputado federal acusado de comprar votos e um senador cujo patrimônio teria aumentado exponencialmente após ingresso na carreira política. A diretora do hospital indicada por um deputado suplente do MDB, que nomeou mais de 40 pessoas da órbita de influência do padrinho, foi demitida. Nessa ocasião, o ministro da Saúde declarou que militares iriam ocupar cargos nos hospitais, na presença de dois políticos tradicionais, um deputado do PSD, reeleito e processado por envolvimento nas trapaças do Rei Arthur, e outro do PP, que não obteve votos para um novo mandato.

Veemência nos pronunciamentos sobre violações legais não é garantia de bons resultados para a saúde. O ministro escalado para desmontar, em nome do presidente, o esquema parlamentar-paramilitar foi demitido. Nos últimos dez anos, o Hospital de Bonsucesso perdeu mais de 50 leitos, e o da UFRJ, localizado na mesma região, e que chegou a ter mais de 500 leitos, suspendeu internações até 25 de fevereiro deste ano. Jogar todas as mazelas do país na caixa genérica da corrupção e tratar problemas de saúde com medidas repressivas são elementos de um projeto delirante e perverso. Durante a campanha eleitoral, falou-se em carreira de Estado para médicos e expansão das equipes da atenção básica. Essas ideias não saíram do papel. A atenção básica segue precária e a especializada também. O número de unidades e equipes dos centros de atenção psicossocial diminuiu. Polícia e Forças Armadas não substituem o SUS.

Sabedoria bruzundanga

A Constituição da Bruzundanga era sábia no que tocava às condições para elegibilidade do Mandachuva, isto é, o presidente.
Estabelecia que devia unicamente saber ler e escrever; que nunca tivesse mostrado ou procurado mostrar que tinha alguma inteligência; que não tivesse vontade própria; que fosse, enfim, de uma mediocridade total.
Lima Barreto

A reforma, os pobres e as corporações

Como tenho escrito neste espaço, o ajuste fiscal envolve dois tipos de gasto: itens associados ao contrato social da redemocratização —política de valorização do salário mínimo, ajustes no RGPS (Regime Geral de Previdência Social), no BPC (Benefício de Prestação Continuada) e no abono salarial, entre outros—; e itens associados aos grupos de pressão —ajustes nos RPPS (Regimes Próprios de Previdência Social) e subsídios em geral ao setor privado.

Evidentemente, quanto maiores forem os ajustes sobre as corporações e o setor privado, menores precisam ser os ajustes sobre os mais pobres. 

Sem ajuste, teremos inflação, que é jogar o não ajuste sobre os mais pobres. Quem se lembra da hiperinflação da virada dos anos 1980 para os 1990 e de seus impactos sobre os mais pobres sabe do que estou falando.

Nossa experiência nas últimas décadas é que as corporações são mais fortes do que a população.

Vejamos como será no governo Bolsonaro.
 


No jornal Valor Econômico na terça-feira passada, o futuro líder da bancada ruralista, Alceu Moreira, do MDB do Rio Grande do Sul, argumentou ser necessário haver "proteção racional" aos mercados agropecuários, "diante dos gargalos em infraestrutura e do histórico de juros altos no país".
Aplicando a mesma lógica, o setor deveria pagar impostos elevadíssimos para compensar a vantagem do sol e da água o ano todo e do bom relevo do Centro-Oeste.

O argumento do deputado está errado. As vantagens e as desvantagens que cada atividade tem no Brasil são compensadas pelo câmbio, que é flutuante. O cambio flutuante se ajusta à competitividade média das atividades do país. Os juros mais elevados, os custos tributários e trabalhistas maiores e os maiores custos de logísticas são compensados pelo câmbio.

Não faz sentido a agropecuária ter privilégios sobre a indústria e os serviços. Todos os setores precisam dar a sua contribuição para o ajuste fiscal.

Na semana passada, escrevi que o déficit do RGPS urbano foi de R$ 195 bilhões em 2018. Meu leitor atento Ricardo Knudsen notou que esse valor aplica-se ao RGPS todo. 

Se retirarmos as contribuições e os gastos do RGPS rural, o déficit reduz-se para R$ 95 bilhões. Se consideramos a perda de receita pela desoneração da folha, do Simples nacional, da desoneração das entidades filantrópicas e do programa de microempreendedor individual, o déficit em 2018 foi de R$ 42 bilhões.

O RGPS rural apresentou em 2018 déficit de R$ 114 bilhões. Se descontarmos a renúncia fiscal da exportação de bens rurais, o déficit cai para R$ 107 bilhões.

Como escrevi há duas semanas, discutir déficit é ocioso. Dado que gastamos 14,5% do PIB (Produto Interno Bruto) com benefícios previdenciários e assistenciais para a terceira idade, incluindo pensão por morte, e nossa carga tributária é de 32% do PIB, é sempre possível estabelecer na forma de lei vinculações de receitas que superem o gasto previdenciário e tornam o sistema superavitário.
O tema é se faz sentido uma sociedade com as nossas características destinar 14,5% do PIB a esse tipo de gasto.

Exercício que fiz com meu colega Carlos Eduardo Gonçalves exposto no blog do Ibre  indica que gastamos sete pontos percentuais do PIB a mais com previdência do que a norma internacional.

Adicionalmente, mostramos no mesmo exercício que esse excesso de gasto previdenciário reduz a poupança doméstica em cinco pontos percentuais do PIB. Não por coincidência os juros são elevados por aqui.

Samuel Pessôa

Brasil de mudança


O espectro do populismo

O “bolsonarismo” é, por enquanto, apenas uma caricatura mal-ajambrada de movimento populista, desses que de tempos em tempos assombram o Brasil, mas isso não significa que o País possa tranquilizar-se. Ao contrário: a esclerose precoce do governo de Jair Bolsonaro parece ter despertado no presidente o demagogo que ele sempre foi e que se encontrava apenas anestesiado em razão de conveniências políticas. Caso isso se confirme, a recuperação do País, repleta de obstáculos, será seriamente prejudicada, com consequências graves para a solvência do Estado e para a retomada do desenvolvimento. Nem é preciso enfatizar o perigo que um cenário desses representa para a estabilidade do País e mesmo para a ordem social.


São cada vez mais evidentes os sinais de que Bolsonaro, como governante, toma suas decisões não por razões de Estado ou como parte de alguma estratégia política de longo prazo, e sim estimulado pela perspectiva do aplauso fácil e imediato, este que brota de suas fanáticas hostes nas redes sociais – meio de comunicação caótico e irresponsável que Bolsonaro escolheu para se dirigir à sociedade, a título de estabelecer uma “relação direta entre o eleitor e seus representantes”, como disse em seu discurso ao ser diplomado como presidente. Desse modo, Bolsonaro equipara os atos de governo a tuítes tolos e a “memes” engraçadinhos. Nem é preciso mencionar os riscos institucionais que essa prática acarreta – basta lembrar a recente confusão criada pelo presidente e por um de seus filhos no Twitter a respeito de um dos ministros de Bolsonaro, demitido como consequência do imbróglio.

Para os propósitos de Bolsonaro, no entanto, as redes sociais são o meio ideal para confundir a opinião pública, criando uma realidade paralela na qual a gritante falta de traquejo do presidente para o exercício de tão importante cargo seja convertida em qualidade de “homem simples”. Nesse mundo bolsonarista, a falta de um programa claro de governo, em que haja firme compromisso com o progresso consistente e sadio do País, é compensada pela espetacularização das decisões do presidente e de seus ministros. Foi com esse espírito demagógico, por exemplo, que Bolsonaro anunciou recentemente nas redes sociais uma devassa no Ministério da Educação. “Daremos início à Lava Jato da Educação!”, exclamou o presidente no Twitter, para compreensível delírio dos bolsonaristas mais animados, que acham que todos os problemas do País se resumem à corrupção.

A ninguém, contudo, é dado o direito de surpreender-se. Em 1999, este jornal publicou uma entrevista com Bolsonaro na qual o então deputado federal declarou sua admiração por Hugo Chávez, então recém-eleito presidente da Venezuela, dizendo que “gostaria muito que sua filosofia chegasse ao Brasil”. Chávez conquistara o poder denunciando a hegemonia das oligarquias políticas, a degradação dos partidos, a corrupção desenfreada e a falência das instituições – e sobre essas bases ideológicas construiu uma ditadura populista tão sólida que sobreviveu a ele.

Não se pretende, com esse paralelo, sugerir que Bolsonaro possa reencarnar Chávez, mas é importante observar que o presidente brasileiro se elegeu com um discurso semelhante ao do falecido caudilho venezuelano e apresenta a mesma preocupante falta de compromisso com as liberdades democráticas. Seu histórico de defesa da ditadura militar e de supressão de direitos em nome de uma certa “ordem” fala por si, mas é preciso acrescentar ainda o fato de que Bolsonaro pretende resumir seu governo a uma luta do “bem” contra o “mal” – situação que inviabiliza a democracia. Foi assim que, recentemente – pelo Twitter, é claro –, Bolsonaro avisou que haverá “dificuldade” para “tentar consertar tudo isso”, pois “o sistema não desistirá”. Esse “sistema”, presume-se, engloba todos aqueles que discordam de Bolsonaro.

Assim, contando ainda com formidável concentração de poder político, econômico e cultural, resultado de uma vitória eleitoral acachapante e da ausência de uma oposição digna do nome, Bolsonaro e seu entorno parecem ter decidido acelerar sua marcha populista – receita certa para o desastre.

Como o glitter usado no Carnaval polui os oceanos

O Carnaval está chegando e, com ele, os inúmeros tutoriais e inspirações de maquiagens para se usar nos dias de festa. Em comum, eles têm dois elementos fundamentais: criatividade e muito glitter.

Utilizado em cosméticos e maquiagens, o glitter tem uso intenso durante as comemorações carnavalescas e é fundamental para muitos foliões, pois eleva a cor e o brilho das fantasias. Mas tem um lado negativo: eleva também a poluição dos oceanos com microplásticos.

Feito de alumínio e plástico cortado em milímetros, o glitter é classificado como um microplástico por suas dimensões inferiores a 5mm de diâmetro. Por serem minúsculos, os microplásticos não são filtrados no tratamento de esgoto e, assim, chegam a rios e oceanos, onde são incorporados pela flora e ingeridos pela fauna.

"Quando o folião se lava, esse material vai para a rede de esgoto. Um agravante é que muitas cidades brasileiras não tratam seu esgoto, então isso é lançado diretamente nos corpos de água, o que afeta a biota desde os corpos de água doce até o destino final, que são os oceanos", diz a professora Cassiana Montagner, do Instituto de Química da Unicamp.

No ambiente aquático, o maior problema é a possibilidade de ingestão pelos seres vivos que nele habitam. Além de o microplástico substituir um alimento sem oferecer em troca qualquer valor alimentício, o que gera desnutrição, ele oferece risco de obstrução das vias e alteração das funções do corpo. Quanto menor a partícula, maior a chance de ela ser ingerida por organismos menores, ampliando o alcance do problema.

"No caso do mar, o microplástico é ingerido pelo plâncton, que é ingerido pelos peixes, e acaba indo parar na alimentação humana. É a mesma coisa se considerarmos o microplástico em ambiente terrestre: de alguma maneira vai parar na comida das pessoas", diz o biólogo Cláudio Gonçalves Tiago, do Centro de Biologia Marinha da USP.

Novas linhas de pesquisas estudam também os possíveis riscos químicos associados ao glitter. Para o biólogo, um deles são os produtos químicos usados no glitter assim como os do próprio do plástico, que podem ser liberados na água.

Outra frente investiga o potencial desses plásticos de, ao entrar nos sistemas de água doce e irem parar nos oceanos, funcionarem como vetores de transporte de outros contaminantes, causando um dano químico maior. Segundo Montagner, os estudos existentes não são conclusivos.

Por se espalharem com facilidade e dada a abundância de material plástico, os microplásticos estão amplamente disseminados. Há evidências da presença deles em diversos ambientes naturais e em produtos para o consumo humano, como alimentos e bebidas. Os estudos sobre impactos para a saúde humana ainda são iniciais. No Brasil, sua presença está concentrada nas regiões costeiras do Nordeste e do Sudeste.

Diante dos riscos ambientais, fabricantes de glitter têm investido em versões ambientais, e essa tendência também chegou ao Brasil. É possível encontrar nas redes sociais, em especial no Instagram, uma vasta gama de marcas dedicadas a alternativas biodegradáveis e de cosméticos naturais que expandiram sua linha de produtos.

Em lugar de plástico, o glitter biodegradável tem componentes naturais, como celulose, óleos, ceras, agar agar, materiais alimentícios e corantes naturais.

Com preços e composições variáveis, o bioglitter é feito para deixar rastros mínimos no meio ambiente depois do uso, ao contrário do produto tradicional, que demora centenas de anos para se decompor.

Uma alternativa mais barata, para quem não pode pagar pelo bioglitter, é fazê-lo em casa. Estão disponíveis na internet vídeos no estilo "faça você mesmo" que ensinam a produzir versões caseiras.

Tiago destaca que um glitter biodegradável eficiente deve se dissolver na água sem gerar produtos químicos indesejáveis ou matéria orgânica que, em quantidades exageradas, pode causar prejuízos aos cursos d'água, como o amido. "Tudo tem que ser pensado nos termos da grande população humana que nós temos e que utilizam esses produtos."

Uma outra sugestão que circula pela internet para evitar que o glitter chegue aos oceanos é removê-lo com lenços umedecidos. A eficácia da proposta depende, porém, de os lenços serem descartados corretamente. Na prática, o biólogo é cético. "Tirar com o lenço evita chegar ao oceano amanhã, mas vai chegar daqui a 150 anos", diz.

Na opinião do professor de engenharia oceânica Paulo Cesar Rosman, da UFRJ, jogar um lenço umedecido cheio de glitter no vaso sanitário é o pior dos cenários, diante da precariedade de tratamento de esgoto e saneamento no Brasil.
Deutsche Welle

Sem base aliada, Bolsonaro tem de deixar o palanque ou vai naufragar no Congresso

Desde a redemocratização, nenhum partido conseguiu chegar perto de controlar sozinho a maioria do parlamento. Ainda assim, os ex-presidentes Fernando Henrique, Lula e Dilma Rousseff tiveram durante boa parte de seus governos bases aliadas que lhes asseguraram inclusive a aprovação incontáveis mudanças constitucionais.

Deputados federais e senadores chegaram ao Congresso pelo mesmo voto popular que instalou Jair Bolsonaro no Planalto. A legitimidade de ambos é, portanto, a mesma. O problema é que o partido do presidente saiu das urnas com apenas 10% da Câmara e 5% do Senado – ou seja, quase nada. Ainda assim, o presidente negou-se nos últimos três meses e meio a sentar para conversar com as demais legendas.


Há um motivo aparentemente nobre e outro claramente vulgar para tal escolha: o primeiro, a promessa de não aceitar indicações políticas para evitar que se repitam casos de corrupção; o segundo, a pouca disposição do novo presidente para abrir-se ao diálogo e ceder em posições radicais.

A negociação às claras, inclusive de ministérios, é legítima e ocorre cotidianamente em países desenvolvidos. O princípio é simples: cabe ao governo refletir opiniões da maioria da sociedade, cedendo e dialogando com seus representares legitimamente escolhidos. O problema das coalizões feitas nas últimas décadas no Brasil não foi exatamente a entrega dos nacos de poder, mas o uso que foi feito deles.
Nas três primeiras semanas de funcionamento do Congresso, a atrofia da base presidencial ficou evidente. Na Câmara, um decreto que tratava de sigilo de documentos foi derrubado com mais de 350 votos contra o governo, enquanto no Senado o ex-ministro Gustavo Bebianno acabou convidado a depor.

Ainda que a agenda econômica tenha apoio mesmo entre parlamentares que não cogitam se aproximar do governo, é imperativo que o Planalto monte uma base que permita o andamento de sua pauta congressual. Para tal, será inevitável deixar de lado o palanque eleitoral e abrir-se ao diálogo.
Paulo Celso Pereira

Imagem do Dia


Os 'çábops' uniram os marajás aos miseráveis

Não deu outra. Os “çábios” que conceberam o projeto de reforma da Previdência descobriram um jeito de entregar aos marajás a bandeira da defesa dos miseráveis. Fizeram isso ao propor a tunga do Benefício de Prestação Continuada, que dá um salário mínimo (R$ 998) aos miseráveis que têm mais de 65 anos. O projeto é engenhoso. Dá R$ 400 ao miserável a partir dos 60 anos, o que é um alívio para quem recebe, no máximo, R$ 371 pelo Bolsa Família. Com a outra mão querem tomar pelo menos R$ 598 mensais dos miseráveis que têm mais de 65 anos. Eles só terão direito aos R$ 998 se, e quando, chegarem aos 70 anos.

Se o conserto do rombo da Previdência precisa tungar um benefício pago aos miseráveis que têm entre 65 e 70 anos, então é melhor devolver o Brasil a Portugal. O ministro Paulo Guedes produziu um projeto racional e conseguiu apresentá-lo de forma competente. Na essência, podou privilégios. Essas virtudes levam à estupefação diante da tunga de sexagenários miseráveis. Ela só serve para soldar uma aliança maligna e hipócrita. O marajá que acumula privilégios ganha o direito de combater as reformas apresentando-se como defensor dos pobres e dos oprimidos.

Está entendido que o capitão reconheceu que errou ao combater a reforma proposta por Michel Temer, mas se as pessoas podem mudar de opinião, não podem mudar os fatos. Quando ele estava do outro lado da trincheira, lembrava que a expectativa de vida no Piauí “estava na casa dos 69 anos, quando você bota 65, você convida a oposição a fazer sua proposta e melar esse projeto”. Bingo. Os “çábios” fizeram isso, pois tomando-se a expectativa de vida do Piauí, seus miseráveis, que hoje recebem R$ 998, perderão o benefício aos 65 e irão para o outro mundo antes de terem direito a receber o que recebem hoje.

Tosa

O repórter Ancelmo Gois revelou que, num fim de semana, o ministro Paulo Guedes andou pelo Leblon e cortou o cabelo no salão Care, em Ipanema. Esses salões são os únicos lugares onde a turma do andar de cima paga para ganhar cortes. No Care uma tosa custa de R$ 130 a R$ 250. Não é o mais caro, pois há salão que cobra R$ 320.

Para a turma do regime geral da Previdência, um corte de cabelo vai de uns R$ 15 a R$ 30.

ESTÃO CORROMPENDO A MORALIDADE

Duas operações de combate à corrupção produziram episódios que corrompem a luta pela moralidade. Num, a turma da Lava-Jato do Paraná recorreu a uma gambiarra destinada a contornar a propensão libertadora do ministro Gilmar Mendes e prendeu o notório Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto da caixinha do PSDB paulista. No outro, prenderam e soltaram o presidente da Confederação Nacional da Indústria por causa de espetáculos teatrais mal explicados. O doutor Paulo Preto já foi preso duas vezes. Ameaçou os cúmplices com a possibilidade de romper seu silêncio, e documentos suíços mostram que amealhou milhões de dólares.

Para quem olha o caso de fora, ele não deveria estar solto, mas está.

Com barulho coreografado, o Ministério Público revelou que Paulo Preto tinha um bunker onde guardava R$ 100 milhões. Nas palavras do procurador Roberson Pozzobon, “talvez o bunker de Paulo Preto tivesse o dobro do dinheiro do bunker do Geddel”: “Isso é um escárnio”.

Para quem gosta de espetáculo, seria uma prisão exemplar, investigação primorosa. Teve milhões, bunker ,e até dinheiro no varal para não mofar. Era prato enfeitado, porém requentado.

A acusação veio da delação do doleiro Adir Assad e é de 2017. A cifra de R$ 100 milhões também é de 2017. E o bunker? “Talvez”, pois os endereços dados por Assad há dois anos não foram investigados.

São muitos os escárnios que acompanham o caso de Paulo Preto. Seria ótimo se o Ministério Público encarcerador brigasse publicamente com os magistrados libertadores, mas é péssimo que se faça isso com espetáculos de manipulação do distinto público.

Em outro episódio prenderam Robson Andrade, presidente da CNI, porque acharam o que parece ser uma roubalheira em contratos de eventos teatrais em Pernambuco. Se investigação de malfeitorias praticadas com dinheiro do Sistema S pretende girar em torno de festivais de bonecos é melhor economizar o dinheiro dessas operações espetaculares.

ERRO

Estava errada a informação que saiu aqui, contando que os sapos, quando colocados numa panela com água aquecida lentamente, não percebem o calor e deixam-se ferver. Trata-se de pura lenda.

Quem se deixa ferver ou fritar são os ministros. Muitos sapos são feios, mas nenhum é bobo.

De onde saem as balas que matam na região mais perigosa do planeta?

2 de novembro, cinco da manhã, Santo Domingo, capital de República Dominicana. Um grupo de cidadãos locais começa a discutir com outro composto de venezuelanos em um restaurante de fast food. A discussão sobe de tom, todos os envolvidos carregam armas e começam a disparar. Um dos venezuelanos acaba morto. Um membro do grupo de dominicanos e uma garota cliente do estabelecimento ficam feridos.

Este evento noticiado por jornais locais reflete quase todas as características que cercam um assassinato por bala neste país localizado na região mais violenta do planeta: a posse maciça de armas, balas perdidas, brigas entre homens na madrugada. O pesquisador espanhol Manuel Martínez e o venezuelano Alfredo Malaret ficaram três semanas no laboratório de balística forense da polícia da República Dominicana e analisaram o conteúdo de milhares de envelopes. Neles encontraram cartuchos e relatórios de histórias: desavença no trânsito que terminou em tiroteio, a bala perdida que matou uma criança, a luta que terminou com a morte de um segurança, o conflito que passou do limite num bar.


Eles estudaram 4.123 balas coletadas em cenas de crimes e aduanas no país em uma investigação de Unlirec (Centro Regional das Nações Unidas para a Paz, o Desarmamento e o Desenvolvimento na América Latina e no Caribe). O objetivo era analisar a munição empregada na área com maior número de homicídios no mundo por habitante e responder a várias perguntas: como se limitar o fluxo de balas ilegais? Quais políticas de segurança são mais eficazes? "Até agora, não havia um perfil deste tipo na região, onde há uma alta incidência de violência armada", resume Martínez.

"Uma das conclusões mais significativas foi que o nível de organização dos homicídios era muito baixo. Quando se pensa na violência nesta parte do mundo, vêm à cabeça gangues e tráfico de drogas, mas a verdade é que a maior parte ocorre entre homens de 20 a 34 anos, tarde da noite, com a presença de álcool", explica Martínez, que agora trabalha na Unidir (Instituto das Nações Unidas para Investigação sobre Desarmamento). Segundo este estudo, 98% dos que cometeram o crime eram homens e estes também representam 87% das vítimas. Um total de 63% dos crimes se deram entre sete da noite e sete da manhã.

Martínez e Malaret mencionam a "masculinidade tóxica" como a causa do alto nível de homicídios. "Reduzir o acesso a armas de fogo onde há consumo de álcool deveria ser uma prioridade nacional", enfatizam, e aconselham as autoridades a programarem uma campanha de educação voltada para os homens. Karelia Villa é especialista sênior do Banco Interamericano de Desenvolvimento na Modernização do Estado e da Segurança Pública: "É essencial implementar programas que tenham o respaldo de evidências científicas. No Caribe, vários planos estão sendo desenvolvidos nas escolas e também com jovens fora da escola para promover a resiliência à violência nos jovens. Nós os ajudamos por meio de atividades esportivas ou culturais para que tenham uma rota de fuga, e contamos com grande apoio da comunidade”.

Na América Latina e no Caribe vive 9% da população mundial, mas se acumulam 32% das mortes violentas do planeta, de acordo com o estudo sobre homicídios em geral preparado pela agência da ONU contra o crime e as drogas. Dados do Instituto Igarapé mostram que armas de fogo estavam presentes em 67% dos casos na América Central, 53% na América do Sul e 51% no Caribe. "A luta contra a violência tem sido uma prioridade na região desde os anos 1990 e se intensificou em 2011 quando novos focos de criminalidade foram detectados, especialmente na América Central e em algumas partes da Colômbia", diz Karelia Villa.

Os autores do estudo se concentraram na República Dominicana, porque atende a muitos dos requisitos necessários para a compreensão da questão da munição na região. "Desde 2006, o Governo obriga a marcar as balas, quando entram no país, com o local de origem e o lote, que indica a data. Isso não se aplica àqueles usadas pela polícia e pelos militares, somente aos civis." Graças a esse sistema, os pesquisadores descobriram que apenas 26% dos cartuchos encontrados nos assassinatos estavam registrados corretamente. "Os demais conseguiram entrar ilegalmente, ou antes que a legislação passasse a vigorar. Ou saíram do arsenal das forças de segurança."

Os principais países exportadores de munição foram os Estados Unidos, o Brasil e o México. O caso do primeiro país não surpreendeu muito os investigadores, mas eles ficaram impressionados com a presença constante de balas da mexicana Águila e da brasileira CBC. "Será preciso analisar a que se deve esse grau de penetração. Quando apresentamos os resultados deste estudo na ONU, os representantes da República Dominicana e do México concordaram em cooperar para estudá-los." No total, 96% dos invólucros pertenciam ao calibre de nove milímetros, que os especialistas consideram que, dado o grau de dano que pode causar, "não deveria ser tão acessível à população". Outro grande problema são as balas perdidas, especialmente em uma área onde a má qualidade dos materiais de construção facilita a passagem dos tiros através das paredes.

Esta pesquisa é apresentada como um primeiro passo para acabar com um dos principais problemas na América Latina e no Caribe. Os autores definem as mortes por arma de fogo como "destruição em massa em câmera lenta". "Existe um mundo de possibilidades que impediria um oceano de sofrimento humano desnecessário e começaria a pagar as dívidas àqueles cujas vidas foram roubadas por balas”.

Índio virou latifundiário

Tem muita gente que critica o grande latifundiário, mas hoje o maior latifundiário do País é o índio. Não podemos transformar o índio em mega-latifundiário
Luiz Antonio Nabhan Garcia, secretário especial de Assuntos Fundiários e Presidente licenciado da União Democrática Ruralista (UDR)

Esperando o Brasil progredir

‘ Godot?”

— Não. Esperando o Brasil.

Tem gente que morreu esperando o Brasil progredir. Eu vivi isso quando aconteceu a bossa nova, houve a inauguração de Brasília; Jorge Amado, Guimarães Rosa estavam presentes, e os antropólogos da minha geração iam derrotar os poderosos e salvar os índios e os pobres. Hoje, eu me cansei de esperar.

O Brasil cansa, diz um amigo.

Mas esperar é a esperança que não pode morrer.

Mas como contemplar o “Brasil” como uma coisa se nós somos parte dessa coisa? Se nós contribuímos para o seu atraso ou progresso?


Quando falamos da sociedade, que são organismos vivos em que nascemos e por suposto queremos bem como pátria, nós nos dividimos. Um lado nosso fala como se fosse de fora; um outro se angustia e confunde porque faz o Brasil. Como cuspir no prato que, bem ou mal, se come? Não é fácil discutir uma relação visceral com a terra na qual viemos ao mundo e entramos no palco da vida e, ao mesmo tempo, ficar esperando que uma “casta” fabricada e eleita por nós a “conserte”, remende ou embrulhe?

Quem é mais velho não esperava testemunhar essa trágica onda de roubalheiras, de descasos, de traições, de mistificações, de irresponsabilidades e, hoje, de primitivismo. Temos uma aguda consciência de que o tempo é curto para ver crescimento, otimismo e vigor. Leio que o ajuste da Previdência levará 12 anos. Será que um cara de 80 vai viver mais 12 anos?

Discernir o significado de uma espera é importante. Escravos não esperavam, inferiores esperam muito, inimigos são mal (ou jamais) atendidos, e os estruturalmente fracos e marginais — os “fodidos” ou cidadãos em geral — simplesmente não existem. A casta de senhores engravatados que nos governa, com seus impecáveis criados e carruagens pretas, sabe que o povo deve esperar pelas proclamações e leis feitas nos palácios e palanques pelos mandões ou “supremos”. Só faltamos chamar o próprio Deus para decidir questões que o bom senso resolveria com um sentido hábil de tempo — como a questão fiscal e seus dramáticos penduricalhos que podem levar à insolvência do Brasil como nação.

Parentes e amigos são atendidos na hora. Não entram em fila, como Alberto Junqueira e eu estudamos no livro “Fila e democracia” (Rocco, 2017). Ali demonstramos que a espera, mesmo temporária, demarca inferioridade sociopolítica. O “esperar sentado” revela a distância entre os segmentos que constituem a alma do Brasil.

Nos primeiros anos do Cristianismo, viveu em Roma Lúcio Aneu Sêneca, filósofo e pensador. Foi tutor e conselheiro de Nero, que depois ordenou, tal como ocorreu com Sócrates, o seu suicídio.

Ocupando muitas posições no topo do sistema político-cultural, tinha plena consciência de que todos somos um indivíduo, mas muitas pessoas. Temos muitas máscaras e ocupamos vários papéis cujas matrizes podem ser contraditórias, pois demandam lealdades diversas e decisões diferenciadas.

Num texto célebre, Sêneca ensina uma lição:

“Duas pessoas, diz ele, se combinam num comandante: uma ele compartilha com todos os outros passageiros porque também ele é um passageiro; a outra é peculiar a ele porque ele é o piloto. Uma tempestade o atinge como passageiro, mas não o atinge enquanto piloto”.

Entre ser presidente, médico, prefeito, professor, contador, gerente, vendedor, juiz, motorista, militar e pai, onde ficamos quando sabemos que os interesses e os fins desses papéis são, em certas circunstâncias, antagônicos? Se o aluno merece um zero, mas é meu filho, ele deve ganhar um sete? Qual é o papel que deve englobar o conflito potencial de papéis da casa e da rua nos regimes democráticos?

É uma densa ironia eleger um candidato autoproclamado republicano para vê-lo governando aristocraticamente, sendo persistentemente embaraçado por seus príncipes. Tal como os velhos caciques e raposas que ele se comprometeu solenemente a não imitar.

sábado, 23 de fevereiro de 2019

Pior tipo de solidão para Bolsonaro é a companhia dos filhos com mandato

A banda fardada do governo tem uma grande e genuína preocupação com a "filhocracia" que se estabeleceu sob a Presidência de Jair Bolsonaro. O vice-presidente Hamilton Mourão tem sido o principal porta-voz dos receios dos militares. Na semana passada, o general Mourão disse que, na hora certa, Bolsonaro "vai botar ordem na rapaziada dele." Indagado novamente sobre o tema, Mourão agora diz que os filhos é que terão de providenciar uma autocontenção: "Eles vão entender o tamanho da cadeira de cada um. E vão se limitar a ela", disse Mourão. Será?


Eduardo Bolsonaro, acomodado numa cadeira de deputado federal, ainda não se deu por achado. Numa postagem no Twitter, ele escreveu que seu pai, a despeito de uma hipotética tentativa da mídia de derrubá-lo, saiu "mais forte" da crise que resultou na demissão do ministro palaciano Gustavo Bebianno. Acrescentou que "a moral" do pivô da discórdia, o irmão Carlos Bolsonaro, sentado numa cadeira de vereador no Rio, "está absurdamente alta!". O que Eduardo Bolsonaro declara, com outras palavras, é mais ou menos o seguinte: "Aprontamos porque papai permite. Quem não entender isso, será humilhado e retirado do caminho."

Por qualquer ângulo que se examine, a autocrise que eletrocutou um ministro com 49 dias de governo foi uma grande Operação Tabajara que enfraqueceu o presidente. Os áudios vazados mostraram um Bolsonaro. O vídeo gravado depois da demissão por exigência de Gustavo Bebianno exibiu um Bolsonaro obrigado a mimar o demitido como se temesse a revelação de algum segredo. Nesse contexto, a manifestação de Eduardo Bolsonaro serve apenas para demonstrar que, na "filhocracia", é errando que se aprende .... A errar.

A manifestação do filho-deputado chega num instante em que a situação processual do irmão Flávio Bolsonaro se deteriora. Sentado numa cadeira de senador, o primogênito do presidente expõe os seus pés de barro numa investigação da época em que era deputado estadual. O general Mourão, quem diria, consolida-se como espécie de porta-voz do bom-senso no Planalto. Se o pai não botar "ordem na rapaziada", ou se os rapazes não entenderem que a cadeira de presidente merece respeito, Jair Bolsonaro logo perceberá que, na Presidência, o pior tipo de solidão é a companhia dos filhos com mandato.
Josias de Souza

A reforma dos pobres e miseráveis

Estamos falando aqui de idosos e deficientes muito pobres e trabalhadores rurais. A reforma Bolsonaro-Guedes deve ser podada por aí. Para pensar um pouco no problema, é preciso considerar alguns dados básicos sobre o sistema de assistência social bancado pelo governo federal.

O Bolsa Família paga em média R$ 187,56 por mês a cada uma das 13,9 milhões de famílias miseráveis atendidas pelo programa (quase 50 milhões de pessoas). Na conta para o ano inteiro, custa pouco mais de R$ 31 bilhões. E o INSS paga benefícios a idosos de 65 anos ou mais e a deficientes muito pobres de qualquer idade.


Chamados de BPC (Benefício de Prestação Continuada), atendem cerca de 4,7 milhões de pessoas, 43% delas idosas, que recebem um salário mínimo mensal (R$ 998, em 2019). A conta anual foi de R$ 57 bilhões em 2018.

Na reforma Bolsonaro-Guedes, idosos muito pobres teriam direito a BPC a partir de 60 anos, mas de apenas R$ 400 por mês. A partir dos 70, um salário mínimo. Há grita quase geral.

A disparidade dos valores de BPC e Bolsa Família ajuda a entender a lógica de fundo da reforma, embora não a sua implicação ou justificação prática imediata.

A questão é: como se trata de assistência social para gente quase tão igualmente miserável, por que não equilibrar os sistemas? Por que não pagar benefícios parecidos para idosos e crianças (beneficiárias do Bolsa Família)? No entanto, o Bolsa Família não vai aumentar mais.

PREVIDÊNCIA RURAL – A conversa fica mais complicada quando se trata também da Previdência rural. É na prática um programa de assistência, pois os beneficiários contribuem com quase nada.

Dos aposentados rurais, apenas 0,3% se aposenta por tempo de contribuição, 7,5% por invalidez e o restante por idade. Na reforma Bolsonaro-Guedes, a idade vai aumentar e, ao que parece, vai ser mesmo exigido o muito difícil tempo de contribuição de 20 anos.

Se for para valer, as novas aposentadorias rurais cairiam quase a zero. Elas representam uns três quartos da despesa previdenciária rural total, que foi de mais de R$ 125 bilhões em 2018 (inclui pensões e outros auxílios), pagos a 9,5 milhões de pessoas.

Primeira pergunta: tem cabimento pagar menos de R$ 998 a essas pessoas? Segunda: mas tem cabimento pagar R$ 187,56 para famílias com crianças? Terceira: por que não pagar mais para o Bolsa Família e apenas um pouco menos para o restante da assistência (que em boa teoria e prática deve pagar menos que a Previdência)?

Os BPC representam 10% do valor total dos benefícios pagos e afetados pela reforma (excluído o abono salarial); vão custear uns 8% da economia da reforma. Parece proporcional, mas não é, pois se trata de gente muito pobre.

Como evitar o talho nos mais pobres? Mesmo mais imposto apenas atenuaria de leve o problema.

O sistema de assistência brasileiro foi montado em camadas arqueológicas, de partes incongruentes, e causa iniquidade mesmo entre miseráveis. O sistema de Previdência, por sua vez, privilegia os mais ricos, servidores em particular. O sistema tributário privilegia ricos e muitos ricos.

Está tudo errado, e o país decidiu (ou parece que decidiu) consertar parte do problema em um momento de colapso financeiro dos governo e estagnação econômica de gravidade secular.

A solução disso é quase uma guerra civil por outros meios.

Gente fora do mapa


Modelo tributário brasileiro beneficia os ricos

Somente o Brasil e a Estônia garantem essa benesse tributária: isenção de impostos sobre lucros distribuídos aos sócios. Todos os demais países do mundo tributam os lucros distribuídos pelas empresas aos seus sócios. Será que só esses dois países estão certos e todo o resto do mundo está errado? Ou o contrário?…

Para se ter uma ideia do que representa essa distorção, vale lembrar que em 2017, em plena crise financeira, a parcela do lucro que o Banco Itaú S/A distribuiu aos seus sócios foi de R$ 19,2 bilhões. Os sócios que receberam essa bolada de dinheiro não pagaram um centavo sequer de Imposto de Renda sobre o valor que cada um recebeu! Enquanto isso, um trabalhador assalariado que recebeu acima de R$ 4.664,68 em 2017 ficou sujeito a uma alíquota de 27,5%, segundo a tabela do imposto de renda mensal vigente.


Essa gigante aberração foi criada a partir da edição da Lei nº 9.249 de 26 de dezembro de 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso, sob a justificativa de que isso iria incentivar o investimento maior dos sócios em suas empresas, o que geraria mais empregos…

O texto legal diz que “os lucros e dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficam sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integram a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário.”

Naquela época, logo que editada a referida lei, inúmeros contribuintes que atendíamos no plantão fiscal na Receita Federal chegavam a duvidar de tamanha benesse. Diversas vezes, um contador da empresa chegava ao plantão fiscal e nos perguntava se ele tinha entendido direito, ou seja, questionava se de fato a Lei nº 9.249/95 estava mesmo isentando totalmente os lucros distribuídos aos sócios.

Constrangidos, nós, fiscais, confirmávamos que este era o texto legal. Em inúmeros casos, no dia seguinte recebíamos a visita do próprio sócio da empresa, dizendo que seu contador tinha estado lá, mas que ele estava duvidando do fato de que a totalidade dos lucros distribuídos aos sócios seria mesmo isenta de tributação, tanto na fonte como na declaração do sócio.

Ainda mais constrangidos, pois embora discordássemos dessa aberração, o cargo de auditor-fiscal é estritamente vinculado à lei, a qual somos obrigados a obedecer e aplicar, mais uma vez confirmávamos que isto é o que diz o texto legal.

Entendo que esse relato é relevante, pois mostra que os próprios contribuintes ficaram surpresos com tamanha benesse tributária. Diversos projetos de lei chegaram a ser apresentados para que esse dispositivo legal fosse revogado, mas até hoje, nada!

Essa benesse acirra a concentração de renda no Brasil, que atualmente é considerado o país mais injusto, onde a distância entre ricos e pobres é a mais cruel do mundo. Apenas 5 (cinco) indivíduos detêm a mesma renda que a metade da população mais pobre. Essa situação fica ainda mais agravada porque os direitos humanos não têm sido devidamente respeitados no Brasil, que ocupa vergonhosamente a 79ª posição no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano medido pela ONU).

Esses dados mostram que as injustiças tributárias afetam apenas a classe trabalhadora, que é pesadamente taxada (e, portanto, fica cada vez mais empobrecida), enquanto os sócios de bancos e empresas em geral deixam de ser tributados e são escandalosamente beneficiados. Essas injustiças aprofundam as desigualdades sociais e afetam o país como um todo, porque diminuem a arrecadação tributária, prejudicando o funcionamento da economia e a vida das pessoas.

Por isso, é urgente o enfrentamento de uma verdadeira reforma tributária que corrija essas distorções, destacando-se o fim da isenção dos lucros distribuídos aos sócios.

Bolsonaro e seu filho poit bull. Quando a psicologia atropela a política

Ficará na história a exótica imagem do Rolls-Royce presidencial em que no dia primeiro de janeiro, ao lado do novo presidente, Jair Bolsonaro, e sua esposa, a primeira-dama Michelle, que estavam de pé, apareceu durante o desfile oficial, sentado na parte traseira do carro, Carlos, filho do presidente e de sua primeira esposa. Seu irmão mais velho, o senador Flávio, justificou dizendo que seu irmão era o “pit bull da família”. Estava lá para defender o pai.

Vereador do Rio desde os 17 anos, Carlos declara “ter política nas veias”. A ele se credita em boa parte a vitória do pai nas urnas, graças à agressiva e inteligente campanha realizada nas redes sociais. Conseguiu transformar o pai, que havia passado 27 anos no Congresso como um obscuro deputado, no novo “mito” político capaz de devolver ao país os velhos valores da família e de lutar contra a corrupção e a violência.

No entanto, Carlos é visto com preocupação dentro e fora do novo Governo, por sua fidelidade canina ao pai, seu caráter explosivo e sua forma de intervir, nas redes sociais, nos assuntos que deveriam pertencer exclusivamente à função da presidência. Tudo pela missão que se atribui de proteger o pai contra os inimigos. Não por acaso, a primeira crise ministerial que sacudiu o Governo, antes mesmo de o presidente deixar o hospital, foi obra do incendiário Carlos, que com suas declarações forçou a demissão do ministro da Secretaria da Presidência, Gustavo Bebianno, que tinha sido, além de advogado pessoal de Bolsonaro, outra figura-chave na disputa eleitoral vencedora.

Essa primeira crise, a 50 dias da posse de Bolsonaro, despertou o alerta no resto dos ministros e personalidades que formam o novo Governo, que perguntam se o presidente continuará a tomar decisões ditadas por seus filhos. Entre aqueles que começaram a demonstrar maior preocupação estão os cerca de 40 militares que fazem parte do Governo. Por eles falou o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, que, com sua ironia habitual, disse à Rádio Bandeirantes, para tranquilizá-los: “A questão do filho é uma questão de acomodação do Governo. A família é unida, os filhos são pessoas bem-sucedidas. Pouco a pouco eles vão entender qual é o tamanho da cadeira de cada um”.

O problema, porém, é que os brasileiros, na prática, parecem ter escolhido para a presidência não só o capitão Bolsonaro, mas seus três filhos, todos eles políticos: o vereador do Rio, Carlos; o deputado federal Eduardo e o senador Flávio. Uma dinastia que já sonha com possíveis sucessões, sem que saibamos ainda a dinâmica dos mesmos em seus interesses internos. Quem seria o possível primogênito?

Os três são jovens que conquistaram milhões de votos nas urnas. Contra a esperança de Mourão de que eles saberão qual é o tamanho da cadeira de cada um, parece certo que a medida com a que sonham é a da cadeira presidencial, da qual já se sentem parte.

Dos três, no entanto, aquele que desperta hoje maiores preocupações imediatas é o explosivo vereador do Rio, Carlos, pois sua relação pessoal com o pai contradiz a famosa teoria do complexo de Édipo de Freud. Carlos não é o filho que, para se afirmar, precisa destruir a figura paterna para se apropriar da mãe. Esta, a primeira esposa de seu pai, ele já sacrificou quando, estimulado pelo pai, concorreu às eleições no Rio contra ela para enfraquecer sua candidatura. Ganhou a batalha contra ela.

Carlos não é o filho em rivalidade com o pai, pelo contrário, é aquele que se diz disposto a morrer por ele. E o pai? Este o apoia e até se emociona diante dessa fidelidade que desafia todos os limites. Eleito presidente, por ocasião do aniversário do filho, escreveu nas redes em 7 de dezembro do ano passado: “Não sou bom para expor minhas emoções, mas quero fazê-lo desta vez: obrigado, meu pit bull, por estar sempre perto de mim... Sua atitude é a de um verdadeiro guerreiro... Conte sempre comigo”. Sobre Carlos, Bolsonaro — que o teve dia e noite ao seu lado no hospital — confessou que tinha sido “seu equilíbrio emocional e profissional” nos dramáticos dias após o atentado contra sua vida na cidade de Juiz de Fora. Há quem comente que oxalá todo pai tivesse um filho tão fiel quanto Carlos. Mas também é verdade o que diz a psicologia, que “um filho sem limites pode se tornar um tirano”.

Ao invés de incentivar o filho a ter prudência, a seguir o relógio do tempo, a ter consciência do tamanho de sua cadeira, Bolsonaro estimula suas qualidades guerreiras. Apresenta-o como seu cão de guarda. Não um pastor ou um São Bernardo, que salvam vidas em perigo, mas o temido pit bull, criado para matar, proibido em muitos países. Carlos é seu cão agressivo e guerreiro.

O problema levantado pelo aguerrido filho de Bolsonaro, temido no Governo e que, segundo alguns analistas, poderia se tornar uma “bomba” pronta para explodir a qualquer momento, é que se trata de um problema de psicologia que se impõe à política. Bolsonaro foi claro para que ninguém se iluda. Estará sempre ao lado do filho pit bull, o grande guerreiro. E alerta: “Estão enganados aqueles que pensam que vão nos separar. Nossos laços vão além do comum”. Mas quando os limites psicológicos do comum são ultrapassados, tudo fica aberto à surpresa e ao perigo.

Se começa a aparecer de verdade que não se sabe se quem governará será Bolsonaro ou seus filhos, também ficam dúvidas e questões sobre o que pensa fazer o novo presidente se, ao contrário do que vaticina o vice-presidente Mourão, os filhos, e especialmente Carlos, não se conformarem com o tamanho das cadeiras que lhes correspondem.

Em um recente debate sobre conservadorismo e atraso, realizado na Folha de S. Paulo, Elio Gaspari, um dos colunistas de mais peso neste país, afirmou que hoje no Brasil “não se sabe quem é o presidente, e talvez nem ele mesmo saiba”. Saberão ao menos seus filhos o que não podem ser?

Previdência não corrige desigualdade

Um grande erro cognitivo dos políticos de modo geral é ver a Previdência como uma caixa de correção das injustiças da vida: se professor ganha pouco, regime especial. 
É mais fácil para eles distribuir a Previdência do que fazer políticas públicas para aumentar o salário de professores ou combater a dupla jornada de mulheres, contra a cultura do machismo
Leonardo Barreto, da Factual Informação e Análise