Ficará na história a exótica imagem do Rolls-Royce presidencial em que no dia primeiro de janeiro, ao lado do novo presidente, Jair Bolsonaro, e sua esposa, a primeira-dama Michelle, que estavam de pé, apareceu durante o desfile oficial, sentado na parte traseira do carro, Carlos, filho do presidente e de sua primeira esposa. Seu irmão mais velho, o senador Flávio, justificou dizendo que seu irmão era o “pit bull da família”. Estava lá para defender o pai.
Vereador do Rio desde os 17 anos, Carlos declara “ter política nas veias”. A ele se credita em boa parte a vitória do pai nas urnas, graças à agressiva e inteligente campanha realizada nas redes sociais. Conseguiu transformar o pai, que havia passado 27 anos no Congresso como um obscuro deputado, no novo “mito” político capaz de devolver ao país os velhos valores da família e de lutar contra a corrupção e a violência.
No entanto, Carlos é visto com preocupação dentro e fora do novo Governo, por sua fidelidade canina ao pai, seu caráter explosivo e sua forma de intervir, nas redes sociais, nos assuntos que deveriam pertencer exclusivamente à função da presidência. Tudo pela missão que se atribui de proteger o pai contra os inimigos. Não por acaso, a primeira crise ministerial que sacudiu o Governo, antes mesmo de o presidente deixar o hospital, foi obra do incendiário Carlos, que com suas declarações forçou a demissão do ministro da Secretaria da Presidência, Gustavo Bebianno, que tinha sido, além de advogado pessoal de Bolsonaro, outra figura-chave na disputa eleitoral vencedora.
Essa primeira crise, a 50 dias da posse de Bolsonaro, despertou o alerta no resto dos ministros e personalidades que formam o novo Governo, que perguntam se o presidente continuará a tomar decisões ditadas por seus filhos. Entre aqueles que começaram a demonstrar maior preocupação estão os cerca de 40 militares que fazem parte do Governo. Por eles falou o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, que, com sua ironia habitual, disse à Rádio Bandeirantes, para tranquilizá-los: “A questão do filho é uma questão de acomodação do Governo. A família é unida, os filhos são pessoas bem-sucedidas. Pouco a pouco eles vão entender qual é o tamanho da cadeira de cada um”.
O problema, porém, é que os brasileiros, na prática, parecem ter escolhido para a presidência não só o capitão Bolsonaro, mas seus três filhos, todos eles políticos: o vereador do Rio, Carlos; o deputado federal Eduardo e o senador Flávio. Uma dinastia que já sonha com possíveis sucessões, sem que saibamos ainda a dinâmica dos mesmos em seus interesses internos. Quem seria o possível primogênito?
Os três são jovens que conquistaram milhões de votos nas urnas. Contra a esperança de Mourão de que eles saberão qual é o tamanho da cadeira de cada um, parece certo que a medida com a que sonham é a da cadeira presidencial, da qual já se sentem parte.
Dos três, no entanto, aquele que desperta hoje maiores preocupações imediatas é o explosivo vereador do Rio, Carlos, pois sua relação pessoal com o pai contradiz a famosa teoria do complexo de Édipo de Freud. Carlos não é o filho que, para se afirmar, precisa destruir a figura paterna para se apropriar da mãe. Esta, a primeira esposa de seu pai, ele já sacrificou quando, estimulado pelo pai, concorreu às eleições no Rio contra ela para enfraquecer sua candidatura. Ganhou a batalha contra ela.
Carlos não é o filho em rivalidade com o pai, pelo contrário, é aquele que se diz disposto a morrer por ele. E o pai? Este o apoia e até se emociona diante dessa fidelidade que desafia todos os limites. Eleito presidente, por ocasião do aniversário do filho, escreveu nas redes em 7 de dezembro do ano passado: “Não sou bom para expor minhas emoções, mas quero fazê-lo desta vez: obrigado, meu pit bull, por estar sempre perto de mim... Sua atitude é a de um verdadeiro guerreiro... Conte sempre comigo”. Sobre Carlos, Bolsonaro — que o teve dia e noite ao seu lado no hospital — confessou que tinha sido “seu equilíbrio emocional e profissional” nos dramáticos dias após o atentado contra sua vida na cidade de Juiz de Fora. Há quem comente que oxalá todo pai tivesse um filho tão fiel quanto Carlos. Mas também é verdade o que diz a psicologia, que “um filho sem limites pode se tornar um tirano”.
Ao invés de incentivar o filho a ter prudência, a seguir o relógio do tempo, a ter consciência do tamanho de sua cadeira, Bolsonaro estimula suas qualidades guerreiras. Apresenta-o como seu cão de guarda. Não um pastor ou um São Bernardo, que salvam vidas em perigo, mas o temido pit bull, criado para matar, proibido em muitos países. Carlos é seu cão agressivo e guerreiro.
O problema levantado pelo aguerrido filho de Bolsonaro, temido no Governo e que, segundo alguns analistas, poderia se tornar uma “bomba” pronta para explodir a qualquer momento, é que se trata de um problema de psicologia que se impõe à política. Bolsonaro foi claro para que ninguém se iluda. Estará sempre ao lado do filho pit bull, o grande guerreiro. E alerta: “Estão enganados aqueles que pensam que vão nos separar. Nossos laços vão além do comum”. Mas quando os limites psicológicos do comum são ultrapassados, tudo fica aberto à surpresa e ao perigo.
Se começa a aparecer de verdade que não se sabe se quem governará será Bolsonaro ou seus filhos, também ficam dúvidas e questões sobre o que pensa fazer o novo presidente se, ao contrário do que vaticina o vice-presidente Mourão, os filhos, e especialmente Carlos, não se conformarem com o tamanho das cadeiras que lhes correspondem.
Em um recente debate sobre conservadorismo e atraso, realizado na Folha de S. Paulo, Elio Gaspari, um dos colunistas de mais peso neste país, afirmou que hoje no Brasil “não se sabe quem é o presidente, e talvez nem ele mesmo saiba”. Saberão ao menos seus filhos o que não podem ser?
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