Um plano que levaria — se eu ouvi bem o Paulo Guedes — ao desmonte de um Estado tutelado por “funcionários públicos” que recriaram uma aristocracia republicana no tal “Estado Novo”? O “novo” óbvia e inconscientemente dando continuidade e consolidando não apenas seus imensos poderes mas, em paralelo, seus maneirismos palacianos, os quais nós, os comuns ou os negadores do real, tínhamos como modelares, polidos e superiores? Será que trocamos os punhos de renda por gravatas italianas e as cadeirinhas, tocadas à escravidão, por carros oficiais com as placas do “sabe com quem está falando?”
Será que estamos começando a romper com um estilo de vida baseado nas reciprocidades do patriarcalismo reunido ao aparelhamento partidário e de um liberalismo à meia bomba, para inglês ver?
Será que conseguimos produzir uma elite antifidalga? Aquela que Nabuco e Raymundo Faoro desmitificam? Elite que não vai se reproduzir como dona do poder, um contraditório patriarcalismo burocratizado? Um enlace entre Estado e sociedade legitimado por garantias igualitárias, mas cujos procedimentos estariam longe da ética republicana e feitos com base na companheirada? Será que vamos ser capazes de sacudir a herança ibérica, modelada numa concepção de Justiça ritualística, domada muito mais pela abundância dos recursos e filigranas legalistas do que pela equidade da soberania individual-cidadã? Será que estamos tentando legislar menos para o quarteirão que deixa escapar o bandido protegido pelos privilégios do cargo de que tomou posse? Estamos diante de uma quimera quando ouvimos os ruídos da revisão de um despotismo legalista porque o que conta não é o crime, mas quem o cometeu? Estou vivendo tempos nos quais povo e elites desejam terminar de fato com o axioma de que seguir as leis é “uma babaquice” — conforme ouvi a vida toda?
Será possível continuar com o axioma do trabalho para muitos, impostos para todos, burocracia para o sistema e cargos especiais e muitos conselhos de Estado para os escolhidos? Esses conselhos que anulam a aferição dos resultados e institucionalizam o “jogo de empurra” estampado nos jornais?
Num mundo em transformação, será possível um sistema legal que tudo prevê graças à sabedoria dos juízes cuja consciência vemos em nossas casas nos seus narcisismos de celebridades e nas suas incoerências? Como continuar misturando desigualdade e o ideal constitucional de igualdade que leva ao debate e ao movimento, próprios da natureza da democracia?
Resposta: penso que vai ser complicado. O desejo inconsciente de dar tiro no pé é muito grande. Será que ele vai continuar vencendo?
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De nada valem promessas se não há sinceridade e competência. Nenhum regime (ou instituição) sobrevive ao roubo; nenhum governo se salva diante da desonestidade para consigo mesmo e sua sociedade. No caso brasileiro, a diferença não é de superfície. É de fundo. O pudim não pode ser provado porque ele não foi feito.
Nem democratismo, stalinismo, populismo, fascismo, nazismo ou espiritismo sobrevivem — a despeito da simpatia e do fanatismo de alguns — ao roubo, à mentira e à sabotagem. No caso do Brasil, o que se espera quando se trata de “governo” é honestidade e honradez. Tudo pode ser parecido ou radicalmente diferente. A ausência de entrosamento, o discurso tosco, até mesmo o ridículo e a má informação são toleráveis. Mas ninguém tolera mais malandragem e mendacidade como projeto de poder.
O ordálio do governo que mal começou, a prova do seu pudim, não está apenas nas suas promessas, mas no modo de cumpri-las. Essa é a sua prova; essa é a bala de prata do seu sagrado desafio.
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