Por exemplo, depois da reunião de ontem, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, anunciou que o governo prepara um decreto para flexibilizar a posse de arma, segundo o princípio da legítima defesa. É uma bandeira de campanha de Bolsonaro que tem amplo respaldo popular, mas isso não significa a liberação do porte de arma para os cidadãos. A diferença entre uma coisa e outra é abissal. Sem entrar no mérito da questão, a medida contrasta com a realidade. Apresentada como antídoto à violência urbana, qualquer um que acompanhe o noticiário policial sabe que o problema é muito mais grave. Basta olhar para a crise de segurança em curso no Ceará, que pôs de ponta-cabeça a relação governo versus oposição. O presidente da República gostaria de jogar o problema no colo do governador Camilo Santana (PT), mas teve de sair em seu socorro; o petista foi obrigado a pedir ajuda ao governo federal e deixar de lado a oposição incondicional que vinha mantendo.
A propósito, essa crise do Ceará pode se generalizar. Os governadores recém-eleitos anunciam que vão endurecer o jogo com os chefões do tráfico de drogas, porém, sem antes estudar as condições para fazê-lo com eficiência e sem os efeitos colaterais. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), passando em vista as tropas da Polícia Militar, anunciou que os bandidos vão ter de mudar de Goiás, porque a barra lá vai pesar. No Rio de Janeiro, o governador Wilson Witzel (PSC) reiterou sua política de abate de criminosos (“Não ande de fuzil, você vai morrer”), no entanto, já começou a contabilizar policiais militares mortos durante a sua gestão. Até o governador João Doria (PSDB) endureceu a fala contra os chefões que controlam os presídios do estado.
Os Sertões, de Euclides da Cunha, foi livro de cabeceira dos integrantes do movimento tenentista. Relata o maior vexame pelo qual já passou o Exército brasileiro, bem como o maior massacre de civis que já protagonizou. O livro Abusado, de Caco Barcelos, que relata a vida de um traficante no Morro Dona Marta, no Rio de Janeiro, permite um paralelo entre duas situações de absurda iniquidade social, uma rural e outra urbana, com um viés antropológico comum: a condição humana. É aí que está o xis do problema. Os índios sobrevivem porque não abrem mão de sua identidade étnica e cultural; os sem-terra existem porque não querem deixar o campo; os imigrantes chegam para fugir de situação muito pior do que a que enfrentarão por aqui. Não há como resolver esses problemas sem eliminar suas causas, simples assim.
E a Previdência? Não há um só integrante do governo que não diga que essa é a prioridade da gestão Bolsonaro. Onde está a dificuldade? A resistência não vem da grande massa de trabalhadores do setor privado, mesmo que a idade mínima seja elevada para 65 anos. A resistência vem das corporações do Estado, principalmente dos estratos mais elevados, que não querem abrir mão de privilégios e tem o poder de paralisar o governo. Não é à toa que Bolsonaro recuou de graça em relação à idade mínima, perdendo assim um trunfo para a negociação no Congresso. Procuradores, magistrados, militares, policiais, auditores-fiscais, as chamadas carreiras típicas de Estado são contra a idade mínima e a paridade entre os dois sistemas, essa é a verdade. Por isso, a proposta de reforma de Previdência de Paulo Guedes pode morrer na praia. O que deve vingar é a negociada por Michel Temer. Ainda assim, mitigada.
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