quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Primeira semana: equívocos

Com alguma razão, a base bolsonariana, os esperançosos de sempre e os mais tolerantes de início pedem tempo. Afinal, na primeira semana, é como acordar de madrugada no quarto escuro de uma casa que não se conhece; a pequena distância percorrida até o banheiro compreende tropicões que derrubam enfeites da mobília que fazem barulho e às vezes quebram. Uma natural inadequação do corpo ao espaço; o inevitável desconforto com o calçado novo, até que o sapato se molde ao pé ou o pé se conforme ao sapato.

Há também, é claro, o deslumbre com o sonho de princesa que há nas posses e transmissões de cargo. As pompas e circunstâncias são incorretamente entendidas como coroamentos da vitória — como se, vencida a guerra, o corpo do guerreiro pudesse relaxar. E ao final as câmeras se afastam para dar a perspectiva do cavalheiro e sua dama cavalgando em direção ao infinito, quando descem os letreiros desfechando a estória: "… e foram felizes para sempre".


Acontece que inícios de governo não são nada disso. São, mais que tudo, provações e o despertar de novas batalhas. Muito do todo depende do começo, a (primeira) impressão que se deixa é o que fica. Trata-se do momento de dizer, com todo ímpeto, ao que se veio e o que será. A demarcação clara e firme do espaço e dos objetivos. É um "chegar chegando", com medidas, planos, estratégias delineadas, sem espaço para improvisação.

Os rituais do Poder não podem ser desconhecidos ou desprezados e mesmo que algumas gafes sejam inevitáveis, a imagem da liderança precisa ser afirmada e reafirmada. No presidencialismo, o presidente sabe tudo, controla tudo; arbitra interesses e apazigua conflitos. De modo algum pode ser ele a fonte de confusões pois, no limite, cabe a ele trazer a luz, o esclarecimento, a ordem. Por isso, evita se expor, nomeia porta-vozes e assim ouve muito e fala pouco.

As decisões, os planos, as estratégias são definidas antes da posse; reuniões que trazem muita visibilidade são apenas formais e servem mais que tudo para sacramentar o que foi definido nas articulações de bastidores. O velho Tancredo Neves dizia, por sinal, que "reunião com mais que três [pessoas] é comício". O presidente, impessoal, pesa, pondera, decide e determina. Os auxiliares cumprem o que, nos despachos fechados, propuseram e ajudaram a construir.

A primeira semana de Jair Bolsonaro não foi assim, no entanto. Infelizmente, seus primeiros passos parecem se dar mais no escuro do que deveria ser. Confessadamente, foi marcada por "equívocos".

Seus dois discursos inaugurais olharam mais para o passado da campanha eleitoral do que para o futuro. Embora para muita gente pudessem sugerir o contrário, eles não demarcaram posturas de governo e pareceram confeccionados ainda para os tempos do palanque.

Houve quem, nos pronunciamentos e gestos de Sua Excelência e seus ministros, buscasse toques de gênio: "os discursos do presidente tiveram por finalidade se comunicar diretamente com a população, demonstrando autonomia em relação ao Congresso Nacional e os partidos, de modo a coagi-los". Pode ser. Com boa vontade, procurei e, no entanto, não encontrei sequer brumas disto ou de um maquiavelismo enrustido.

Um repórter me questionou sobre a "ofensiva no campo simbólico, cujo objetivo", dizia ele, "seria estabelecer uma cortina de fumaça para as medidas impopulares adotadas". Ele se referia a aspectos do campo dos costumes ou dos discursos, os quais Bolsonaro já havia dito e redito. Todavia, francamente, as cores com que a ministra prefere ornamentar bebês ou o "javanês" que o novo chanceler insiste exibir são poucos relevantes diante do todo e tendem a se perder na dinâmica de uma sociedade complexa. Devolvi a questão: "à quais medidas você se refere?" Ele não soube dizer.

No campo da Justiça e Segurança, as providências de Sérgio Moro e equipe não teriam o porquê ficar ocultas sob a pretensa "cortina de fumaça" da tal "ofensiva simbólica", de que falava o repórter. Além de necessárias, elas não parecem exatamente impopulares.

Já o pronunciamento bem alinhavado do ministro da economia, que causou espécie ao mercado e aos agentes econômicos, foi feito de improviso e ainda não permitiu verificar nenhuma estratégia, tempo ou movimento para implementá-lo. O ministro disse o que tem dito há anos. E, no mais, apenas se permitiu esboçar para o Congresso Nacional Planos B antes mesmo de definir e apresentar categoricamente qual, afinal, será o Plano A. Um deslocamento da lógica.

Mas, não parou por aí: fontes as mais insuspeitas da mídia revelaram que, na primeira reunião de ministros, Bolsonaro e Paulo Guedes divergiram publicamente em relação à reforma da previdência. Ora, presidente e ministros não discutem no meio do salão; há entre eles alguém cuja autoridade é incontestável. Depois, mesmo sem definição, mais tarde, na TV, o presidente preferiu adiantar medidas sem combinar com seu próprio time. Novamente, a lógica se ressentiu.

Pode ser mesmo muito cedo, mas não aproveitar a largada para ganhar dianteira, forjar impactos e causar a boa impressão que leva aos tais choques de expectativas não é nada bom, mesmo para uma primeira semana. Até os tolerantes admitirão que foram momentos de vazio; o suco que se lhes pode retirar é ralo e um tanto insípido. Não causou boa impressão. E estranho — talvez inovador — foi mesmo ouvir um ministro corrigir seu presidente em rede nacional: "ele se equivocou".

Disse-me um amigo que "amadorismo é uma palavra que não começa a descrever o tamanho do problema". Com efeito, não foi uma boa semana, o quarto está muito escuro e as vistas não se acostumaram a ele; Bolsonaro deu as primeiras topadas com os móveis. Sé é impossível refazer o começo, ainda dá para recomeçar e fazer um novo fim. Há centenas de semanas pela frente, mas cada uma é menos uma.
Carlos Melo

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