segunda-feira, 4 de junho de 2018

Ora, o povo

O povo é um poço de contradições. Pelo Datafolha, 87% dos brasileiros apoiam a paralisação dos caminhoneiros e 87% não admitem nem aumento de impostos nem corte de gastos para bancar a conta das reivindicações. Não é só. Pesquisa de 2017 mostrou que a maioria dos eleitores dizia buscar um candidato a presidente sem envolvimento com corrupção (87%) e que tenha experiência administrativa (79%), mas os dois nomes que aparecem à frente nas sondagens são os de um condenado por corrupção e de um ex-militar que nunca teve cargo no Executivo.

É verdade que momentos de crise tendem a exacerbar os sentimentos contraditórios da população, mas períodos de calmaria política não bastam para tornar sábio o eleitorado.


A literatura sociológica revela que a situação da economia é o fator que mais influi no resultado de pleitos majoritários, mas outras variáveis, incluindo algumas espúrias, como promessas populistas, podem às vezes mostrar-se decisivas.

Até o imponderável tem seu papel. Meu exemplo favorito é o dos ataques de tubarões em Nova Jersey, que provocaram um mau humor que quase custou a Woodrow Wilson sua reeleição presidencial em 1916.

Por que, então, diante de um comportamento coletivo tão incoerente e caprichoso, ainda insistimos em escolher nossos dirigentes pelo voto? Não estou aqui colocando a democracia em questão. Não há muita dúvida de que ela é o melhor sistema à nossa disposição. Virtualmente todas as nações ricas e desenvolvidas do planeta são democráticas.

A explicação é que a democracia funciona, não por causa de uma mítica sabedoria do povo que se materializa no voto, mas por características mais sutis e menos alardeadas, como favorecer liberdades individuais, a alternância no poder e, principalmente, por promover a estabilidade, exigindo sempre respeito a regras pré-definidas.

Isso torna ainda mais estúpidos os apelos por intervenções extraconstitucionais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário