Não era.
Em poucos dias depois de chegar ao porto, o Lombardia perdeu 106 dos seus 240 tripulantes e ficou sem comando nem assistência médica, pois o comandante e o médico de bordo figuravam entre os mortos.
Incidentes como esse fizeram com que as companhias de navegação entre a Europa e Buenos Aires declarassem nos seus folhetos que a ligação seria direta, sem escalas nos perigosíssimos portos brasileiros.
A campanha levada a efeito por Oswaldo Cruz provocou uma violenta reação popular, com cenas de vandalismo e um motim dos alunos da Escola Militar da Praia Vermelha sob o comando do general Travassos. Só se entregaram depois do prédio bombardeado e invadido pelas tropas fiéis ao governo, numa operação de guerra.
Por outro lado, poucos meses mais tarde a varíola desaparecia do Rio de Janeiro. A febre amarela urbana decresceu mais lentamente, mas o último caso comprovado data de 1942. Esse lembrete histórico vem a propósito da dificuldade recorrente quando se tenta prever se uma nova ameaça sanitária ou de outra espécie qualquer é uma tragédia anunciada ou não tem grande importância.
Todas as eventualidades ocorreram recentemente. Os primeiros registros de aids foram menosprezados como algo restrito a casos esporádicos na África, depois se noticiou que estariam expostos apenas certos grupos de risco, até se tornar a pandemia catastrófica que todos conhecemos. Entre 1981 e 2006, a aids foi responsável pela morte de mais de 25 milhões de pessoas, dois terços delas fora da África. Cinco anos mais tarde esse número subira para 39 milhões e só não foi maior graças à eficácia dos novos tratamentos, pois 78 milhões de pessoas haviam sido contaminadas.
O caso do ebola seguiu trajetória oposta. Foi detectado pela primeira vez em 1976, em surtos simultâneos em Nzara, no Sudão, e Yambuku, na República Democrática do Congo, numa região próxima do Rio Ebola, que dá nome à doença. Não se conhecia tratamento e as taxas de mortalidade em certas variedades atingiam 90%. O pânico foi considerável.
O vírus é transmitido por contato com sangue, secreções ou outros fluidos corporais. Apesar da semelhança com o contágio pelo HIV, e de todas as previsões alarmistas, a epidemia de ebola na África Ocidental ficou sob controle em 2015 e praticamente desapareceu em 2016.
Outro exemplo de alarme falso, embora de outra espécie, foi o chamado bug do milênio. Como nos computadores todas as datas eram representadas por somente 2 dígitos, os programas assumiam o 19 na frente para formar o ano completo. Assim, quando o calendário mudasse de 1999 para 2000 o computador iria entender que estava no ano de 19 + 00, ou seja, 1900.
Caso as datas realmente voltassem para 1900, clientes de bancos veriam suas aplicações dando juros negativos, credores passariam a ser devedores e boletos de cobrança para o próximo mês seriam emitidos com cem anos de atraso.
No campo oposto, das maravilhas anunciadas que se transformaram em decepção, tivermos o cometa de Halley, que na sua aparição em 1986 deveria maravilhar a humanidade transfigurando a noite com o brilho de sua cauda gigantesca. Mal e mal se conseguiu divisar alguma coisinha a olho nu.
Sobre os enganos das previsões políticas, o exemplo brasileiro mais recente é a reforma da Previdência, expulsa do palco na véspera da estreia pela intervenção federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro. No mundo, tivemos a saída da Inglaterra da União Europeia, contrariando todos os prognósticos, e as ameaças sinistras na ordem do dia impulsionadas pelas bravatas nucleares entre o presidente Donald Trump e seu colega norte coreano, Kim Jong-un.
Em suma, a tecnologia progrediu imensamente, mas a natureza e a política continuam a nos deixar perplexos e desconfiados. Se a grande maioria das pessoas acredita nos riscos do aquecimento global, ninguém encontrou uma explicação convincente para a diminuição do buraco na camada de ozônio.
As grandes explicações científicas mostram seu alcance e seus limites. A revolução darwinista respondeu a muitas perguntas, mas deixou outras sem resposta. Conseguimos entender o mecanismo da evolução das espécies, mas sem o auxílio de alguma religião continuamos totalmente incapazes de dizer qual o seu sentido. Temos o “como”, continuamos a ignorar o “por quê”.
Além disso, ainda hoje cada progresso suscita novas dúvidas. Até hoje não sabemos a que ponto as leis de Darwin se aplicam à sociedade dos homens, mesmo porque não sabemos até que ponto somos “animais como os outros”.
Pode-se falar numa ética da natureza? Qual a correspondência entre a lei da sobrevivência do mais apto e nossos sistemas econômicos e sociais? O chamado capitalismo selvagem é desejável, inevitável, natural? Se rompermos com ele, seremos “castigados” como a natureza castiga as espécies “degeneradas”? Ou, ao contrário, a solidariedade, existente até entre os lobos unidos em alcateias para a caça, é uma característica da raça humana a ser valorizada, respeitada, a única que nos pode salvar do holocausto nuclear? A sociobiologia é uma estupidez nazistoide de terceira classe ou um avanço real?
E agora, como se as dúvidas imemoriais não bastassem, temos a nos assombrar a biotecnologia, a engenharia genética, os alimentos transgênicos, o patenteamento de animais e plantas transformados pelo homem. Em feliz contraponto, a eterna esperança da cura do câncer, escondida nas provetas dos laboratórios ou na biodiversidade da Amazônia.
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