sábado, 7 de abril de 2018

A prisão, o passado, E o futuro/

Guimarães Rosa dizia que à ''muita coisa importante falta nome''. A sentimentos coletivos, sobretudo. A prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, o homem e sua história, é um pouco disso: ''fogo que arde sem se ver''. Fogo de paixão de amor; fogo de paixão de ódio. Paixões que queimam sem resultar em energia, nem produzir calor. Paixões de desconcerto.

Para uns, a prisão de Lula é ''ferida que dói e não se sente''; para outros, ''um contentamento descontente''. O certo é que as imagens de logo mais, quando Lula já for prisioneiro não mais do mito que construiu, mas das grades, os sinos das seis da tarde dobrarão, pouco depois, despertando sentimentos diversos aos quais faltará nome.

Terá sido bom? Terá sido mau? Que destino amassamos sob os pés nessa hora incerta?

Tudo dependerá da disputa de narrativas que se formará logo na sequência da prisão. A luta pelo ''enquadramento da foto'', nos jornais, nas TVs, nas redes, na memória de cada vivente, eleitor ou não. A política seguirá agora ainda mais como uma guerra de comunicação.

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Naturalmente, haverá os que comemorarão, soltando rojões, como na Copa do Mundo, redenção de um time há tempos humilhado e sem títulos. Felizes, como se essa prisão bastasse para consertar o país. E dar-se-ão por satisfeitos, como piranhas que devoram o boi, desatentas ou sem se importar com a boiada que atravessou o rio às suas costas.

E haverá os que chorarão jurando desforra, como órfãos da Faixa de Gaza. Sem admitir, no entanto, os erros do caminho; as faltas de processo ou de caráter, a conivência cúmplice ou a capitulação ao poder. Sem perceber nem negar a arrogância e o sectarismo pueril que levou a nada e só trouxe até aqui.

Mas, haverá também outros, que não vestem camisas nem de uns, tampouco as faixas palavras-de-ordem de outros. Para quem tudo o que sobra mesmo é esse enorme desconcerto. A lucidez, num momento como este, tudo o que traz é o desconcerto.

E frustação com o que não se cumpriu, com o que poderia ter sido o país e não foi. E, talvez, nunca será. Um desconcerto, vergonha alheia e de ninguém, mais das circunstâncias, talvez, do fundo-de-poço sem luz que parece ser o presente. O desconcerto que, no entanto, obriga a olhar para frente.

O fato é que o país não se conserta sem Lula tanto quanto não se consertaria com ele. Os problemas estruturais são profundos e não se resumem a fulano. É um sistema que rui; crise das instituições e entre as instituições. Um deserto de lideranças, onde não há Legislativo, não há presidente e, possivelmente, nem República haja.

Mesmos juízes e promotores que se arvoram paladinos, prometendo justiça ou greve de fome, são um pouco resultado do vazio e da desolação com a falta de Política. Da Grande Política com ''P'' maiúsculo, que insatisfeitos comentadores de Blogs não conseguem alcançar o que seja. Não é mesmo fácil alcançar seu sentido.

***

Há duas noites, o pânico se alastra pelo sistema: na primeira, o Supremo negou um habeas corpus o qual, talvez, não pudesse mesmo conceder. ''Consequencialistas'' gelaram: na liberdade de Lula, muita gente se abrigaria, escondendo a impunidade. ''Garantistas'' arderam: vão-se lá com os privilégios também os direitos e o que resta de segurança. Cada um com sua razão, talvez estejam todos certos. É fato que não há escolha fácil.

Na segunda noite, já sob o impacto com o rápido gatilho da decretação de prisão, os sons das bruxas soaram às portas: amanhã, logo cedo, o Japonês da Federal pode chegar para qualquer um. Não haverá mais tranquilidade no reino desse magote de nababos da política. Há duas noites, muita gente, preocupada, não dorme. Gilmar Mendes já alertara: serão os Lulas de amanhã, no MDB, no PSDB, em todo lugar,

É exatamente isto o que não se sabe.

Se Lula for o único, independente do gáudio punitivo da moçada dos patos e dos panelaços, o processo estará desmoralizado. Se Lula for o único, se revelará o preconceito ao mesmo tempo em que emergirá desse cárcere seletivo a vítima, o mártir encarnado. Se Lula for o único, o país estará acabado de verdade.

Por isso, talvez, Raquel Dodge tenha se estimulado a pedir ao STF que torne Aécio Neves réu definitivamente e a sério. Por isso, talvez, Luís Roberto Barroso se aferre com vontade aos calcanhares de Michel Temer, nos processos que envolvem a si e a seus amigos do peito. Por isto, talvez, o sentimento de desconcerto tenha que acelerar o botão da eliminação do foro privilegiado.

O que se passa é que os que jogam pedras em Lula terão que olhar para entulho de dentro de casa; os mensalões de Minas, as malas andarilhas pelo Brasil, o rodoanel e os merendeiros protegidos em São Paulo. Os cadáveres no armário, os corruptos favoritos, a cegueira ocasional. Instigar isto tudo e remover a dissimulação será bom? Será ótimo. Até porquê, sem isto, comemorar a prisão de Lula será fogo tão fátuo quanto farisaísmo deslavado. Bumerangue que volta à testa.

Novamente, Guimarães Rosa: o “julgamento é sempre perigoso, porque o que a gente julga é o passado”. Julga o passado engolindo quinhões do futuro, engasgando com a fumaça do presente, digerindo a agonia pão nosso de cada dia que a vida nos dá hoje.

O que Rosa — o Guimarães, não a Weber — talvez tenha pretendido dizer é que julgar o passado é pouco para anunciar o futuro. O meio-julgamento do passado é menos ainda. Que se julgue e puna todo o resto e se institucionalize um novo padrão ou o futuro será apenas a interminável continuidade deste presente.

***
Ninguém saberá dizer se, ao final, a prisão de Lula regenerará o presente ou se calcinará o futuro. Somente a história dirá. E mesmo ela nem sempre é sábia. Às vezes, a única coisa que a história faz é fazer-se acontecer, resultando em nada. Mais uma vez, resultará em nada?

Carlos Melo

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