Declaração de rendimentos como item de cidadania
A Receita Federal espera receber, neste ano, 28,8 milhões de declarações de rendimentos de pessoas físicas. É um número insignificante em relação aos 208 milhões de brasileiros, porque são apenas 13,85% da população total. Isso escancara a amplitude da pobreza no país, pois prestarão contas os que estão inseridos no sistema produtivo ou previdenciário e recebem acima de R$ 1.903,98. Excluindo-se crianças, jovens dependentes e notórios sonegadores, predominam aqui, portanto, cidadãos que não têm essa renda mínima, embora ela ainda seja insuficiente para cobrir as necessidades do mundo moderno, como moradia, transporte, lazer, alimentação, higiene, vestuário, comunicação e outros itens alheios às obrigações diretas do Estado com seus contribuintes. Indispensável ressaltar que ele não garante, em condições adequadas, escola pública, assistência médica, segurança, urbanização, saneamento, proteção às categorias fragilizadas e mercado de trabalho dinâmico, embora cobre muitos outros tributos em dezenas de situações.
Aquela renda inicial corresponde a, aproximadamente, US$ 560, que é um valor desprezível, nos países desenvolvidos, para um chefe de família com um ou dois dependentes. Como disse meu amigo, que se assustou, em 1987, com a desigualdade social no Brasil, ninguém ganhava, na Suíça, naquela época, menos de US$ 1.000. Ou seja, a régua de burocratas para medir o bem-estar dos povos é mesmo elástica, pois eles afirmam que apenas 22,1% dos brasileiros estariam abaixo da linha da pobreza, com renda per capita de US$ 5,50 por dia. É claro que os custos de subsistência variam muito entre o campo e a área urbana, entre a pequena e a grande cidade, pois o acesso ao alimento para os pequenos agricultores é pleno, mas lhes faltam recursos inerentes à vida moderna, como a escola para os filhos, o consumo efetivo de bens e serviços, a participação nas informações, o planejamento de dias melhores ou a pronta assistência médica. Daí, dizer que o habitante da área rural tem o suficiente para viver é negar-lhe o direito de aspirar a mais conforto, além da comida na mesa. Esse grupo precisa apresentar declaração de rendimentos apenas se tiver renda anual acima de R$ 142.798,50...
Por outro lado, milhões de famílias improvisam moradias em vias públicas e favelas, passando por severas dificuldades, diante da insegurança de localização, ausência de título de propriedade e falta de endereçamento formal, inclusive perante a Justiça. Constituem parcela significativa dos que têm renda anual abaixo de R$ 28.559,70; portanto, não precisam prestar contas à Receita deste país.
Declaração de renda é cidadania, que, infelizmente, está ao alcance apenas dos 28,8 milhões de contribuintes e seus dependentes. Assim, embora R$ 1.903,98 não sejam suficientes para cobrir todos os custos de subsistência no Brasil, cujo Estado falha, constantemente, na prestação de serviços básicos, aqueles cidadãos têm o mínimo para comer e morar.Gilda de Castro
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