Ninguém poderia imaginar que o voto da presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, fosse nos fazer regressar ao que há de mais obscurantista num Estado laico: permitir o ensino confessional de religião em estabelecimentos públicos!
Ao mesmo tempo em que não são poucas as pessoas que, aos berros ou urros – como quiserem –, se insurgem contra a discussão sobre orientação sexual nas escolas, voltamos a tempos de antanho, quando ou se liberava a criança do horário da aula de religião, ou ela tinha que ficar perambulando pela escola, à espera da próxima disciplina a que deveria comparecer. A decisão do STF reinaugura uma escandalosa maneira de se patrocinar ou promover o “bullying”: contra os estudantes que comparecem às aulas de religião e/ou contra os que dela não fazem parte. Onde andam as cabeças coroadas de nossos mais altos magistrados? Interpretar a Constituição Federal, e nela os direitos individuais e/ou sociais, significa apenas confrontar textos legais, e não atentar para o que a vida ao redor requer? Deve prevalecer a consciência religiosa do magistrado sobre a tolerância que tanto se deseja ver inscrita nas consciências dos que integram uma sociedade?
E o que mais impressiona: os professores são pagos com dinheiro público – nada diferente da velha côngrua de antes da Proclamação da República! Quem quiser ler um depoimento corajoso e comovente veja a mensagem de dom Joaquim Giovani Mol Guimarães, bispo auxiliar de Belo Horizonte e reitor da PUC Minas (IHU, 28.9.2017). E quem define se o professor está ou não bem preparado para ministrar aquelas aulas?
Toda essa confusão nasceu lá atrás, sob as bênçãos do papa Bento XVI, quando Lula assinou um acordo com a Santa Sé sobre o Estatuto da Igreja Católica no Brasil, da qual derivou o Decreto 7.107/2010 com um anexo cujo artigo 11 se choca com os dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996).
Recordo-me com detalhes das pressões que sofremos para não aprovar o caráter estritamente laico da educação no Brasil à época. Eu fazia parte da Câmara dos Deputados.
E quem quiser ter detalhes da discriminação e do preconceito contra quem professa outra crença, que leia “Educação nos Terreiros e como a Escola se relaciona com o Candomblé”, de Stela Guedes Caputo, editado pela Saraiva.
Enfim, prevaleceu, como disse Luiz Antônio Cunha em entrevista à Deutsche Welle, “a ideia de que o cidadão precisa ser religioso, e quem não é vai ter uma educação parcial ou errada”.
Isso tem de acabar.
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