quinta-feira, 5 de outubro de 2017

O medo como aliado

A impopularidade do presidente Michel Temer, sem dúvida, sobe a patamares inéditos e inusitados, confirmados agora pela contestada, mas ainda assim bastante convincente pesquisa do Instituto DataFolha, cujos índices foram divulgados pela Folha de S.Paulo de ontem e anteontem. Da constatação, já adiantada por outros institutos em pesquisas feitas em outras datas, é possível fazer duas previsões capazes de provocar humores muito diferentes, até díspares, sem forçar muito a barra. A primeira é de que os 5% acachapantes de aprovação a Temer, a mais baixa desde o fim da ditadura militar, em nada alterarão a disposição da Câmara dos Deputados de negar os dois terços dos votos de seus membros para autorizar a remessa da segunda denúncia preparada pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot para ter sequência no âmbito decisório definitivo do Supremo Tribunal Federal (STF). A outra é que todos os esforços anunciados ou prometidos pela equipe de comunicação do Palácio do Planalto resultarão em tiros n’água e em nada alterarão a péssima conta em que a opinião pública tem o presidente e sua equipe de governo.


Poder-se-ia concluir, e haveria boas razões para tanto, que a decisão de pelo menos um terço dos deputados impedir, em discussão já aberta na Casa. que o STF investigue Temer (e não se trata de denunciar, o que o ex-PGR já fez, nem de processar, decisão a ser tomada depois pelo mesmo colegiado) tem uma razão acaciana. A denúncia de Janot é inepta, a ponto de incluir no caudaloso papelório de acusação atos que teriam sido cometidos por Temer antes de assumir a Presidência, o que é uma óbvia tentativa de driblar a Constituição. Esta é uma particularidade tupiniquim injustificável: não há por que blindar o chefe do governo de decisões judiciais sobre crimes que não dizem respeito a ações políticas ou administrativas. Mas dura lex sed lex, no cabelo só Gumex, como se dizia na minha adolescência em Campina Grande. Fato é que, jabuticaba ou não, o vice de Dilma, que lhe tomou o posto após o impeachment, não pode ser incriminado, agora que está no comando da nau dos insensatos, por nada que lhe tenha sido imputado antes da posse. E só poderá a voltar a ser um cidadão qualquer, que pode ser investigado, processado e apenado, após entregar o cargo ao sucessor, seja quem for. Essa poderia ser uma boa razão, mas não é a única nem a mais importante. Nem mesmo se partirmos do pressuposto de que a primeira denúncia de Janot – que dizia respeito a delito atribuído a Temer no exercício da Presidência e ele nunca o negou, de vez que só se defende tentando incriminar o delator que o denunciou em troca de impunidade já fora jogada no lixo pelo mesmo colegiado decisório que o fará agora.

Os militantes do “Fora Temer” também poderão alegar que o perdão liminar que a Câmara na certa dará ao chefe do Executivo será obtido por dois caminhos escusos. O primeiro é o chamado efeito Orloff – você poderá ser eu amanhã –, apontado como principal motivo do fervor temerista dos nada nobres legisladores de plantão. Afinal, imputa-se a um terço dos jurados que decidirão o destino do mandato de Temer estarem à sombra do mesmo alfanje que ameaça o pescoço presidencial, investigações nada honrosas no âmbito da Lava Jato ou em muitos outros processos e escândalos de corrupção na Justiça pelo Brasil afora.

Outra justificativa comum é a de que o número um está agindo como um zero à esquerda em matéria de pudor e moral pública ao comprar a integridade do próprio pescoço recorrendo a prerrogativas injustificáveis do ponto de vista do espírito público. Isso, aliás, está sendo feito de forma pública e notória. Alguns votos de perdão foram comprados com verbas de emendas orçamentárias. E outros nada insignes parlamentares estão sendo seduzidos pelo “perdoai as nossas dívidas assim como nós nos dispomos a perdoar os vossos malfeitos”. O escambo é notoriamente asqueroso, mas nada indica que isso tenha feito algum dito representante do povo seguir o caminho que parece óbvio de que o presidente deve ser investigado até mesmo se for para provar sua inocência. O lamentável episódio do Refis é o exemplo menos refinado desse mercado de pulgas morais. O governo mandou para a Câmara um projeto perdoando dívidas de contribuintes em atraso com o Fisco para amealhar R$ 9 bilhões para os cofres públicos. O bolo é aparentemente modesto se comparado com o tamanho do déficit público. Mas de bilhão em bilhão é que o buraco terá de ser indevidamente tapado. Como uma Sena acumulada, a relatoria do projeto caiu nas mãos do deputado do tradicional PMDB mineiro Newton Cardoso Júnior e ele se encarregou de promover um perdão generalizado a empresas de parlamentares, começando pelas próprias. A Câmara, como se sabe, reproduz hoje em escala sórdida velhos preceitos bíblicos, a alguns dos quais já me referi antes. O filho do ex-governador Newtão adotou o “venha a nós e ao vosso reino nada” do mesmo Pai Nosso, empregando a vertente que se diz ter sido parodiada de uma oração de São Francisco por um ilustre peemedebista dos tempos do dr. Ulysses, Robertão Cardoso Alves: “É dando que se recebe”. Ou seja, Temer manda a equipe econômica deixar de criar problemas para a aprovação do Refis e permite o perdão generalizado à patuleia. Esta, agradecida, manda a denúncia do dr. Janot para o gabinete do dr. Caligari, ou seja, o quinto dos infernos.

Para tornar o episódio do Refis ainda mais sórdido, Newtinho, o filho pródigo de Newtão, incluiu entre os perdoados notórios corruptos, que, afinal, já que estamos nos referindo à Bíblia, também são filhos de Deus. No governo, na equipe econômica, no Parlamento, na oposição e pelo País afora, muita gente se fingiu de surpreendida. E alguns mais hipócritas fizeram o papel de indignados de fancaria. Mas só se saberá se os coitados dos corruptos serão excluídos do lado direito do pai dos devedores depois que for votado o último destaque do texto legal do tal do Refis.

Toda essa descrição já parece bastante completa para explicar, embora não justifique, o perdão liminar que os velhos amigos de Temer na Câmara – que Sua Excelência, aliás, já presidiu – na certa concederão ao bom companheiro. Mas ainda há mais. Preste atenção num pormenor da notícia da pesquisa da DataFolha para verificar que há uma razão ainda mais forte do que todas. De acordo com o levantamento, em julho do ano passado, dois anos após o dr. Michel ter assumido o posto máximo, sua rejeição era de 31%. E daí para cá nunca parou de crescer: foi para 61% em abril, 69% em julho e agora, os inusitados 73%, Os que consideram o governo regular são 20%. Numa escala de 0 a 10, a média do governo hoje é 2,5. Dilma, em abril, antes do impeachment, tinha 63% de reprovação e 13% de aprovação.

Há, contudo, um índice que favorece o vice que assumiu a cadeira dela. O número dos que concordam com o “Fora Temer” era de 65% em julho, mantém-se amplamente majoritário, mas caiu para 59%. Os que preferem sua permanência passaram de 30% em abril para 37% agora. Os seis pontos porcentuais a menos da rejeição e os sete a mais da aprovação apontam para uma evidência. Os brasileiros rejeitam Temer porque sabem que ele é uma sequência natural de Lula e de Dilma, principalmente desta, que ele ajudou a eleger e reeleger. No entanto, sentem no bolso os efeitos positivos do trabalho da equipe econômica, que não produz milagre nenhum, mas já deixou claro que não se dispõe a continuar a trilha rumo ao inferno contábil que Dilma e seus asseclas seguiram sem medo de serem infelizes. A manutenção por Temer dos Moreira, Padilha e Geddel da vida empurram para baixo seus índices de prestígio popular. A manutenção de Meirelles e seu time de bambas evita que o coro por sua expulsão engrosse e ganhe volume.

Quanto a isso, só há uma conclusão inteligente: se quer manter essa dicotomia de reprovação crescente, mas sem desejo de expulsão iminente, Temer tem de dar cada vez mais força a seus economistas e manter, se isso for possível, seus cavaleiros do apocalipse político longe dos molhos de chaves dos cofres da víúva, que não aguenta mais tanta penúria. A queda do “Fora Temer” não depende de agenda positiva, mas do medo de que seu sucessor seja pior do que ele na economia. O resto é marola maligna.

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