segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Normal tropical

Li nas manchetes que voltou tudo ao normal. Abusando de otimismo auto imposto, o corpo da matéria se esforçava para dar a notícia ares de otimismo escorado, naturalmente, em desejo sem a devida contrapartida dos fatos. Tarefa difícil.

Ficou a dúvida sobre o que exatamente o que significa, neste dia e era, estar em situação normal. O que realmente muda? Voltar ao normal é sinal de alguma melhora? Acabou a crise? Ficou mais seguro? Melhorou, enfim?


Nada disso as notícias que chegam parecem responder. Ou mesmo tentar responder. O normal não parece ser mais situação desejada, equilibrada, de onde não se quer sair. Ao contrário, o virou aceitar o inaceitável. E levar a vida pensando que é assim mesmo. Será que alguém ainda acha que as coisas melhoraram?

Depois de tantos anos de sofrimento e mediocridade, a gente já não espera mais nada além da administração do sofrimento em doses intensas, mas toleráveis. Viver e sobreviver parecem cada vez mais serem sinônimos. Ainda existe vida além de fugir de bala perdida, pagar as contas do mês, e sustentar governo com impostos altos e mal distribuídos?

Depois de tantos rios de tinta, pixels e debates, a gente não consegue mesmo trazer um presente descente. Nem produzir a expectativa de melhora. Tudo o que conseguimos é projetar opções futuras dominadas por pesadelos passados. Desistimos de fabricar sonhos. Mastigar indignidades é mais amargo, mas é tudo o que nos restou. Alguém vê o fim do túnel?

Va lá que existe crise, interesses, complicações, e tudo o mais. Mas nosso buraco foi invenção doméstica. Tao bem bolada que dá até medo de declarar a chegada ao fundo do poço. Vai que aguem se anima e começa a cavar. É muito provável.

Desvia de bala aqui. Toma ônibus lotado lá. Sufoca no transito sempre. E corre atrás para pagar as contas. Suas e dos outros. Sem jamais ver o fim da crise. Ou mesmo esperar que ela termine. Eternamente repetindo a história como farsa. Sem nem mais notar a tragédia. É esse o normal tropical.

Nenhum comentário:

Postar um comentário