Mesmo com outros nomes, como centro A e centro B, esquerdistas e direitistas ainda pensariam de modos diferentes, e entenderiam e desejariam coisas opostas. Mas há um sentimento que une direita e esquerda. Uma nostalgia comum que nenhum lado confessa, e da qual talvez nem se dê conta. É a saudade do século XIX.
Ah, o século XIX. Foi quando a História, por assim dizer, entrou na história, e tudo recebeu seus nomes verdadeiros. Uma segunda Criação. Hegel ainda quente, Marx pondo seus ovos explosivos, o passado e o futuro sendo redefinidos com rigor científico, e a modernidade tecnológica e modernidade social (ou, simplificando, a máquina a vapor e a nova consciência proletária) prestes a se fundir para transformar o mundo. “Bliss it was in that dawn to be alive” (Êxtase era estar vivo naquela aurora), escreveu o poeta Wordsworth sobre a Revolução Francesa. A esquerda poderia dizer o mesmo do século XIX. Naquela aurora não havia dúvida sobre a inevitabilidade histórica do socialismo.
Mas êxtase também espera a direita numa volta idílica ao século XIX. Foi o século de reação à Revolução Francesa, da restauração conservadora na Europa depois do terremoto republicano e do nascente capitalismo industrial sem remorso. Os que propõem a “flexibilização” dos direitos dos trabalhadores conquistados em anos de luta, como a que pretendem hoje em Brasília, babariam com o que veriam no velho século: homens, mulheres e crianças trabalhando 15 horas por dia, sem qualquer amparo, e sem qualquer direito legal ou moral, fora seus magros salários. A perfeição. Antes que a pregação socialista a estragasse.
Século XIX, terra de sonhos. Para a esquerda e a direita, juntas.
Luis Fernando Verissimo
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