segunda-feira, 3 de abril de 2017

'Há fazendas com hospitais para o gado, mas o trabalhador não tem nem água tratada'

Há dez dias, a chamada lista suja do trabalho escravo, que revela o nome de empregadores envolvidos em contratações análogas à escravidão, voltou a ser publicada. Ela estava suspensa desde 2014, quando o então ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, acatou o pedido feito pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), que conta com construtoras flagradas explorando trabalhadores expostas na lista. A Abrainc argumentou que não havia a garantia do direito de defesa das empregadoras. Seguiu-se um imbróglio jurídico e a edição de uma nova portaria, mudando a forma como a lista é divulgada – apenas trabalhadores com todos os recursos administrativos esgotados apareceriam.

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Hoje 92% dos trabalhos em condições análogas à de escravo no Brasil são oriundos da terceirização

Mesmo com o entendimento do próprio Supremo de que as mudanças apaziguavam as inquietações das construtoras, o Governo federal, já sob a tutela de Michel Temer, recusava-se a publicá-la. Foi preciso que o Ministério Público do Trabalho conseguisse uma liminar, obrigando que o documento, elogiado pela Organização das Nações Unidas, voltasse a se tornar público. Mas, ainda assim, não há garantia de que ela não se tornará secreta, novamente, já que a liminar pode ser derrubada a qualquer momento. O procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, conta que está é apenas mais uma das dificuldades vividas pelo combate ao trabalho escravo no Brasil. Responsável pela equipe que flagra as denúncias, ele conta ao EL PAÍS os problemas enfrentados pela fiscalização.
Por que a lista existe e é importante que seja publicada?
 A chamada lista suja foi criada por meio de uma portaria para evitar que essas empresas que exploram trabalhadores em condições análogas à de escravo tivessem acesso a empréstimos públicos. A ideia era que não faria sentido o próprio Estado financiar uma empresa que estava submetendo seus cidadãos a uma condição análoga à de escravo. Durante mais de dez anos houve a lista sem qualquer contestação. Até que, em 2014, após operações onde foi constatada a existência de trabalho escravo na construção civil, as construtoras criaram uma associação, que contestou a portaria no Supremo Tribunal Federal. O ministro Ricardo Lewandowski determinou, num plantão de final de ano, a suspensão da lista acolhendo o argumento de que ela não oferecia o direito do contraditório e de defesa. Tentamos derrubar a medida no próprio Supremo. E, como ela não caiu, tentamos um acordo para que o Governo reeditasse a portaria, corrigindo questões levantadas pelo ministro. E assim foi feito.

E depois?

A portaria que está em vigor, que é de meados do ano passado, atendeu às exigências do ministro. A ministra Carmen Lúcia, já presidente do Supremo, entendeu que a ação das construtoras tinha perdido objeto. A partir de então, começamos as tratativas com o Ministro do Trabalho, já do Governo Michel Temer, e em razão de não haver uma definição sobre a publicação da lista ajuizamos uma ação civil pública para que o ministério efetivamente cumprisse a portaria, feita pelo próprio Governo. Houve uma defesa por parte da União, contestando a portaria. Hoje, há uma liminar determinando a publicação. Por isso a lista foi publicada na semana passada.

Qual a garantia de que a lista não será tirada do ar novamente?

Tivemos uma reunião com o ministro [do Trabalho, Ronaldo Nogueira] na terça-feira ele nos afirmou que enquanto ele for ministro a lista está mantida. Independentemente do desfecho judicial, ele disse que vai publicar a lista.

Mas se o próprio Governo está recorrendo, como ele pode assegurar isso?


Confesso que é um pouco estranho mesmo. Dentro do próprio Governo esta questão não é tranquila. Tanto o Ministério da Justiça como o dos Direitos Humanos, desde o início da ação civil pública, emitiram notas técnicas no sentido de que a lista deveria ser publicada. Então, a restrição se restringiu à AGU [Advocacia-Geral da União] e ao Ministério do Trabalho. Os outros dois órgãos que assinaram a portaria são a favor dela. O que estamos buscando, e conversamos com o ministro sobre isso, é que seja feito um acordo judicial para que se formalize a posição dele.

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