As delações da Odebrecht no âmbito da operação Lava Jato, reveladas a semana finda, têm, em termos simbólicos, efeito não menos devastador.
Em depoimentos gravados, os mais altos responsáveis (Emílio e Marcelo Odebrecht) e dezenas de executivos da empresa expõem – por vezes com espantosa candura - um universo de corrupção que ultrapassa tudo o que a antiga musa canta.
Dos municípios e órgãos locais ao parlamento e governo da república, passando por governadores e executivos estaduais – é todo o aparelho do poder no conjunto do país que aparece, num ou noutro grau, de alguma forma comprometido.
Para gerir tudo isso, a Odebrecht tinha até um departamento de operações especiais, que distribuía as verbas e fazia a contabilidade, atribuindo a cada político envolvido um nome de código de acordo com alguma característica distintiva particular.
E não foi só a Odebrecht que sustentou essa captação do interesse público pelo interesse privado – outras grandes construtoras - OAS, Andrade Gutierrez, Dersa... - aparecem também envolvidas, financiando políticos em troca de licitações marcadas, pagando percentagens sobre grandes negócios dentro e fora do Brasil.
O fenómeno é tão vasto que outras revelações poderão ainda estar pela frente. Eliana Calmon, juíza aposentada do Superior Tribunal de Justiça e ex-corregedora nacional de Justiça, prevê inclusive que o próprio Judiciário acabará por ser envolvido.
Segundo ela, a Lava Jato só não o fez ainda por uma questão de estratégia, para não prejudicar as investigações em curso. “Muita coisa virá à tona” – previu Calmon, que em 2011, quando ainda corregedora, afirmou que havia bandidos escondidos atrás da toga. “De então para cá – afirmou – as coisas não melhoraram”.
É um verdadeiro mar de lama exposto aos olhos do país inteiro, que assiste, atónito, pela rádio e pela televisão, a sucessivas denúncias, qual delas a mais comprometedora.
E praticamente ninguém escapa: estão denunciados uma dezena de ministros do núcleo duro do atual governo, bem como nada mais nada menos que cinco ex-presidentes - Sarney, Collor, FHC, Lula e Dilma – além dos atuais líderes do Senado e da Câmara dos Deputados.
Temer, o atual chefe de Estado, também foi citado nas delações, e só não será de imediato investigado porque goza de imunidade temporária: enquanto estiver na presidência não poderá ser julgado por actos praticados antes do exercício do cargo.
O leque de políticos envolvidos é tão amplo e o seu número tão grande, que não dá para acentuar culpas neste ou naquele - todos são de uma forma ou de outra igualmente responsáveis.
A aparente facilidade com que – segundo as denúncias - praticamente todos se envolveram, em maior ou menor medida nos esquemas de financiamento ilícito parece indicar que esse modus faciendi estava (está) profundamente enraizado, sendo encarado como quase natural por aqueles que nele participa(va)m.
Os efeitos imediatos desta enxurrada são claros – o governo, já de si muito contestado por defender mudanças impopulares (contenção de despesas, aperto fiscal, aumento da idade da reforma, liberalização das leis laborais...), terá ainda maior dificuldade para as concretizar.
Por outro lado, os nomes apontados para concorrer às presidenciais de 2018 – do ex-presidente Lula, pelo PT, ao senador Aécio Neves ou ao governador de São Paulo Geraldo Alckmin, pelo PSDB, passando pela ex-senadora Marina Silva, da Rede, poderão estar comprometidos, abrindo assim caminho a nomes mais marginais – como os do ex-ministro Ciro Gomes, à esquerda, ou do militar na reserva e atual deputado pelo PP, Jair Bolsonaro.
Mas o mar de lama da corrupção, se não for debelado (e não basta mudar nomes), pode ter efeitos mais profundos e deletérios sobre todo o sistema político.
Sendo manifestamente um grave problema sistémico, só com uma profunda reforma política, quiçá até uma nova Constituição - revendo todo o financiamento dos partidos e respectivas campanhas eleitorais - poderá ser eventualmente reparado.
Sob pena do já grande descrédito da classe política se acentuar ainda mais, pondo em perigo a própria democracia.
No que respeita ao meio ambiente, as consequências do desastre de Mariana de 2015 estão longe, ainda hoje, de terem sido ultrapassadas. Sê-lo-ão as da política, a tempo de se evitar o pior?
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