segunda-feira, 20 de março de 2017

O poder no banco dos réus

A longevidade de um delito, como é óbvio, não o legitima. No entanto, esse é o argumento central com que políticos e financiadores de campanhas reclamam inocência – e exigem absolvição -, diante dos crimes de caixa dois e derivados.

“Sempre se praticou”, dizem uns; “desse jeito, ninguém escapará”, dizem outros. As variantes são nesse rumo.


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O próprio Emílio Odebrecht, pai de Marcelo, em depoimento ao juiz Sérgio Moro, espantou-se com o fato de tal prática estar sub judice. E não escondeu que sua empresa a endossa desde sempre e que ele próprio - assim como seu falecido pai e fundador do grupo, Norberto Odebrecht - não via nenhum problema nisso.

A Lava Jato não desconhece a tradição da prática, mas, digamos assim, diverge conceitualmente dos Odebrecht. Está convencida de que não apenas é preciso erradicá-la, como o único meio de fazê-lo é punindo os que a praticaram. O país concorda.

Se, na área penal, antiguidade fosse posto, ou mesmo servisse de atenuante, homicídio não seria crime, ou pelo menos não tão grave, já que inaugurado com Caim, na origem da humanidade.

As delações dos 77 executivos da Odebrecht, cuja divulgação é aguardada, não encerram – antes inauguram – a principal fase da Lava Jato, a que vai ao coração do Congresso e do governo, este e o que o precedeu. Não se trata nem sequer de saber quem vai preso. Trata-se de expor as entranhas de um sistema que liquidou o país.

Os delitos, de fato, não são iguais, nem da mesma gravidade; uns devem ser presos, outros não; uns misturaram caixa dois com propina; outros só o caixa dois; outros lavaram a propina no caixa um. Etc. O dano político, porém, é geral. Não absolve ninguém.

De cara, os presidenciáveis de sempre – uma geração em fim de carreira, distribuída nos principais partidos – já foram citados e estão na condição que o falecido Antonio Carlos Magalhães considerava a mais letal a um político: ter de se explicar. Têm tentado, mas encontram compreensão apenas entre colegas.

Isso explica o ressurgimento do voto em lista fechada exatamente neste momento em que os políticos temem o contato com as ruas. Trata-se de poupá-los do cara a cara com o eleitor. Este votaria apenas na legenda, ficando o encargo de preencher a lista por conta do próprio partido – ou por outra, dos caciques do partido.

É piorar o que já não é bom. O argumento dos que querem as listas fechadas é de que criam um elo mais forte entre eleitores e partidos. Vota-se no partido, não em candidatos. Em tese, sim, mas com esses partidos? De quebra, a novidade os reduziria – há hoje 35 legendas, 28 com assento no Congresso, o que faz com que cada votação seja precedida de um imenso toma lá dá cá.

Mas, se houvesse mesmo interesse em reduzir o número de partidos, bastaria extinguir as coligações nas eleições para deputado.

O que se contempla, neste momento, é uma desesperada tentativa de sobrevivência da velha política, diante da renovação compulsória que o fenômeno da Lava Jato vem impondo.

O strip-tease moral é avassalador e, quando se pensa que já se viu tudo, surge outro escândalo com conexões políticas: a carne envenenada. Atinge em cheio o setor mais produtivo do país, o agronegócio, responsável, de algumas décadas para cá, pelo superávit da balança comercial.

O escândalo é localizado, no segmento carne, mas suas consequências, não: desmoralizam as certificações oficiais do Brasil indistintamente, com reflexos profundos nas exportações.

De quebra, outro problemão para o presidente Temer: seu recém-empossado ministro da Justiça, Osmar Serraglio, estaria envolvido na história, acusado de apadrinhar um dos mafiosos. Mesmo inocente, terá dificuldades de ordem moral e política para prosseguir no cargo. E assim caminha o governo, num entre e sai de ministros, respingados pela lama da corrupção. Antes assim.

A Lava Jato chega ao terceiro ano e não tem data para terminar. O país oficial continua no banco dos réus.

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