Brasil vive entre a euforia do mercado e a realidade de milhões de desempregados
O Brasil vive mundos paralelos quando o assunto é economia. Enquanto a fila do desemprego aumenta entre os cidadãos comuns e a paralisação de servidores levou o caos a estados como Espírito Santo, o otimismo tomou os economistas brasileiros. Apesar da profunda recessão que o país vive há dois anos – “a maior desde os anos 30”, como se repetiu exaustivamente, – a divulgação da melhora de alguns indicadores da combalida economia brasileira tem trazido entusiasmo ao que se costuma chamar de ‘mercado’. O preço de algumas commodities, como o minério de ferro, melhorou, a inflação caiu abaixo do teto da meta, e o Congresso aprovou reformas indigestas, como a do teto de gastos no final do ano. Não por acaso, a Bolsa de Valores de São Paulo valorizou mais de 14% desde o início do ano, e o dólar chegou ao patamar de 3,05 reais nesta semana, o menor desde 2015.
Até mesmo a recessão teve seu lado positivo, ao deixar ativos brasileiros mais baratos e atraentes para investidores estrangeiros, tornando a entrada de capital externo recorde no início deste ano. Contribui para a maré de otimismo a certeza de que a Reforma da Previdência vai avançar até o meio do ano. Assim, nas tesourarias dos bancos vê-se uma indisfarçável onda de euforia nos últimos dias. “Os investidores estão confiantes na aprovação das medidas do ajuste e têm convicção que o juros no Brasil vão continuar caindo já que a inflação está em queda livre”, explica Pablo Stipanicic Spyer, diretor de operações da Mirae Asset. Para ele, “o pior ficou para trás”.
Mas se o futuro traz esperanças ao sistema financeiro, o presente de milhões de brasileiros mostra-se bem diferente. O desemprego, que hoje afeta 12,3 milhões de brasileiros e deve continuar aumentando neste ano, pode ser medido no número de desistências de planos de saúde. Só em janeiro, 200.000 pessoas cancelaram seus planos, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar. Desde 2015, são 2,5 milhões de contratos a menos, de acordo com a agência.
Assim, cada boa notícia celebrada entre os investidores reflete uma realidade distinta para a população. É o caso da inflação em queda. Nos 12 meses até janeiro, o IPCA registrou uma alta de 5,35%, sendo que, no ano passado, esse número passava de dois dígitos. A boa nova estimulou o Banco Central a reduzir pela quarta vez seguida a taxa de juros nesta quarta-feira, de 13% para 12,25%, o menor patamar em dois anos. A queda, entretanto, mostra que a população está cortando gastos em casa, e por isso mesmo deixando de consumir. De acordo com a pesquisa da "Pulso Brasil", divulgada nesta quarta-feira pela Fiesp, 31% das famílias do país se consideram tão endividadas no início deste ano quanto estavam no mesmo período do ano passado.
Com o orçamento apertado, muitas famílias veem-se obrigadas a promover seus ajustes orçamentários. Maria Helena de Araújo, professora de uma escola estadual da zona oeste de São Paulo, conta que o número de alunos vindos de instituições privadas aumentou no início deste ano. "Tenho algumas turmas em que 50% dos alunos vieram das particulares. Nunca tinha visto uma proporção assim. Claro que é um efeito dessa crise que continua muito forte", diz.
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