terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

A quem interessa o 26 de março?

Antes que o leitor se jogue à rua “contra tudo isso que está aí”, proponho que reflita e avalie sobre ao que — e a quem — serve uma mobilização que tenha como gatilho a sentença falaciosa de que “políticos são todos iguais”.

No artigo “Supremo legislador”, de dezembro de 2016, tratei de uma das consequências perigosas do desprezo pela classe política, “aquela que, à guisa de combater o geddelismo no trato da coisa pública, acabava por desqualificar também o valor da política — exercício sem o qual restará o arbítrio”. Disto decorreu a ascensão desequilibrada do Judiciário, representado pelo Supremo Tribunal Federal, a poder preponderante, protagonista de acentuada inclinação governante, não apenas porque dono da última palavra na República, mas porque detentor da última palavra em tempos de vocação criativa, extravagante, personalista, guloso já avançado sobre as atribuições do Parlamento, agora também assanhado por impor despesas ao Executivo.

Nenhum texto alternativo automático disponível.

Essa era uma das consequências. Há muitas mais. É espantoso, para abordar outra, que não se possa fazer hoje sequer uma ressalva aos excelentes trabalhos da Justiça Federal de Curitiba, simbolizada pelo juiz Moro, e do Ministério Público do Paraná, que tem rosto nos procuradores que compõem a força-tarefa da Lava Jato, sem que o crítico seja atacado como defensor da impunidade de tipos como Eduardo Cunha.

Por quê?

Brecha para o messianismo, fresta para o autoritarismo, atalho para aventureiros como Marina Silva ou Ciro Gomes, veio pelo qual há quem se sinta à vontade para pedir intervenção militar — picada que já resultou, aliás, em Congresso invadido —, é do ódio da política que emana a intocabilidade desses juízes e procuradores, convertidos em heróis, em salvadores da pátria, e desejados como justiceiros, aos quais, portanto, dá-se licença para qualquer excesso. Eles podem, já ouvi, porque prenderão Lula.

Lula... Lula, no entanto, está solto. E é o maior beneficiário de outra consequência — talvez a menos exibida — da criminalização da atividade política. Num cenário de terra arrasada, em que os partidos são comparados ao PCC, em que ninguém presta, e todos são bandidos, neste campo desqualificado, só quem se pode fortalecer é o pior entre os piores. Concordo com a síntese de Reinaldo Azevedo: se todos os políticos são iguais, Lula é o melhor.

Por quê?

O encadeamento dos fatos e aquilo em que desaguam — que tanto mobilizam os analistas — não são matéria à percepção do senso comum, de modo que o povo, aquele que elege o presidente, não atribui ao governo Lula o fundamento para a sucessão de irresponsabilidades na gestão da economia. Tampouco, pois, faz pesar sobre ele a severa recessão em que a política econômica petista cuspiu o Brasil. Isso só serve para coxinha desmontar petralha em rede social. Para o brasileiro médio, a culpa da tragédia é de Dilma Rousseff, que não teria sabido dar sequência à obra do antecessor. Para o brasileiro médio, Lula é associado a um tempo de prosperidade — dane-se que artificial e ora muito custoso — que os que vieram depois não conseguiram sustentar.

Se são todos os políticos pilantras, Lula — de palestras há tanto expostas — ao menos não é surpresa. Se estão todos no mesmo saco, melhor será ficar com aquele conhecido, em cujo governo havia dinheiro para o consumo. O endividamento é obra de Dilma. E ela já foi devidamente punida. Ponto.

Superada a insustentável narrativa do golpe, a que melhor se enreda agora — a mais influente — pode ser resumida em uma pergunta: fizeram o impeachment para que desse nisso? Ou: se o PT abarcava todos os males, por que a desgraça continua? O leitor note como patriotas do naipe de Guilherme Boulos já desdobram essa questão.

Convém olhar para a História do Brasil. Neste país, os poucos eventos que se assemelharam a uma ruptura política, mesmo aquele decorrente do golpe republicano de 1889, nunca desaguaram em nova ordem, mas em baías de recomposição do sistema, de reacomodação da elite, de sobrevivência de coronéis como Lula. Se a Lava-Jato encarna algo novo e relevante, e não tenho dúvida de que encarne, dúvida tampouco tenho de que as forças políticas hegemônicas — as que governam também a cultura e a informação — paralelamente já costuram a rede em cujas tramas permanecerão; teia para a qual não serão poucos os fios cedidos por manifestações prolixas como a convocada para 26 de março.

Engana-se (ou quer enganar) quem diz que o PMDB — sócio menor neste arranjo — seja o controlador do tear. É o PT — entranhado na máquina do Estado, senhor de universidades e redações — a força política e culturalmente dominadora, aquela que opera por permanecer e cujo regresso à Presidência as sempre boas intenções dos protestos difusos podem acelerar.

Ou não entendi coisa alguma, e a galera irá às ruas para fechar o Congresso, decapitar Brasília e instaurar um novo regime?

Carlos Andreazza 

Nenhum comentário:

Postar um comentário