O noticiário parece validar a teoria. No Brasil, inclusive, as pedras às vezes vêm de dentro dos prédios, notadamente os públicos, e atingem a todos os que estão do lado de fora. Na semana passada, por exemplo, foram várias as pedras que saíram de dentro do Congresso.
Outra pedrada foram as dúvidas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, sobre o que deveria fazer com o projeto de iniciativa popular relativo às dez medidas de combate à corrupção. O projeto — ou o que sobrou dele — foi desfigurado na Câmara e quase votado às pressas no Senado. No entanto, acabou devolvido à origem por determinação do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, tantos foram os absurdos praticados na tramitação. Maia, ironicamente, indagou: “Como faço agora? Devolvo aos autores?”. Horas depois encaminhou para conferência as cerca de duas milhões de assinaturas, com certeza para agilizar a aprovação...
E o que dizer sobre a tentativa de perdoar as multas impostas pelo Tribunal Superior Eleitoral aos partidos políticos, proposta, pasmem, pela Comissão de Reforma Política? Vale lembrar que as multas decorrem de campanhas antecipadas ilegais, propaganda e divulgação de pesquisas irregulares, compra de votos, gastos acima do permitido etc. Você perdoaria?
Na mesma linha do escárnio para com 96% dos brasileiros que apoiam a Lava-Jato, o senador Edison Lobão, alvo de dois inquéritos vinculados à operação, foi eleito presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Diga-se de passagem que também integram a comissão outros dez senadores citados na Lava-Jato. Lobão nega que seja um dos beneficiários das fraudes na Petrobras e do desvio de dinheiro nas usinas de Angra 3 e Belo Monte. Na semana passada, porém, a Polícia Federal cumpriu mandatos de busca e apreensão nas residências e escritórios do filho do senador, Márcio Lobão, e do ex-senador Luiz Otávio, apadrinhado político de outro cacique do PMDB, o senador Jader Barbalho.
Na verdade, a água agora está subindo para a turma do PMDB e do PSDB. O ministro do STF Luiz Fachin autorizou a abertura de inquérito contra Sarney, Renan e Jucá. O ex-ministro Geddel já foi citado em várias delações. Ou seja, mesmo contra a vontade de muitos, a “sangria” continua. Nessa enxurrada provocada pela Lava-Jato, para os que estão prestes a se afogar, qualquer rolha é boia. Vale tudo, seja trocar o diretor da Polícia Federal, seja escolher ministros afinados politicamente ou se escorar no foro privilegiado, confiando na letargia e nos índices de impunidade do STF.
É certo que todos os investigados dirão não saber de nada, como virou moda na terra de Macunaíma. De fato, somente após o mensalão e o petrolão é que descobrimos a existência de uma quantidade enorme de autoridades e políticos inocentes, cegos, surdos e... ricos.
No surrealismo da vida pública em nosso país, “reputação ilibada” é não ter sido condenado. O “notório saber” é escolher a dedo influentes padrinhos políticos. Vida que segue.
O legado positivo desses escândalos, entretanto, é a indignação e a fiscalização crescentes por parte da sociedade. Mesmo as velhas raposas do Congresso Nacional já não conseguem empurrar “goela abaixo” PECs, leis e decretos tramados na surdina. Assim que as proposições de conteúdo duvidoso — para dizer o mínimo — surgem, as redes sociais as desarmam. Aí, como num passe de mágica, somem os “pais” dos “filhos feios”.
As tentativas para impedir a continuidade da Lava-Jato irão aumentar, não há qualquer dúvida. A sociedade precisa estar atenta para reagir contra todos aqueles que, de forma descarada ou escamoteada, tentam pôr fim às investigações. Alguns corruptos estão na cadeia, mas muitos estão na fila. E tomara que a fila ande!
Retomando a teoria da janela quebrada, no Brasil de hoje já não basta saber quem atirou a primeira pedra. É preciso urgentemente consertar todos os vidros quebrados.
Gil Castello Branco
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