Organização requer dinheiro, tempo e energia. Isso explica o sucesso de Don Novey, um político conservador da Califórnia que era agente penitenciário do presídio de Folson State, em 1970, quando assumiu a liderança da Associação dos Guardas Penitenciários da Califórnia. Eram apenas 2,6 mil homens para cuidar da “missão mais difícil” do estado: a guarda de 36 mil internos. Hoje, a Califórnia tem 130 mil presos, a associação dos agentes tem 31 mil membros e gasta com o sistema carcerário quase o mesmo que dispende com o sistema de educação superior.
Segundo os autores, Novey formou um “triângulo de ferro” com os legisladores republicanos e os construtores de presídios, com uma fórmula que contava com amplo apoio na opinião pública: sentenças mais duras para os criminosos. E patrocinou a lei dos “três golpes”, que prevê a pena de prisão perpétua para três crimes considerados hediondos. Também financiou a formação de grupos de defesa das vítimas.
Novey também aproveitou as primárias do sistema eleitoral da Califórnia para ampliar sua influência política: quem não estivesse de acordo com ele enfrentaria um candidato financiado pela associação. Quando deixou a presidência da associação, em 2002, a Califórnia havia construído mais 21 novos presídios e alguns guardas faturavam até US$ 100 mil por ano, com direito a pensão de 90% dos salários, com aposentadoria a partir dos 50 anos. Há alguns anos, o escândalo veio à tona e a Califórnia começou a reformar o sistema.
O massacre de Manaus, no qual 60 presos foram mortos, sendo 36 decapitados, pôs na ordem do dia a discussão sobre o sistema prisional brasileiro, que está em xeque desde o massacre do Carandiru, em São Paulo, em 1992. É um problema muito complexo, que talvez esteja sendo enfrentado com o conceito errado. A lógica adotada para combater a violência no Brasil vem sendo o endurecimento das penas, como defendia lobby de Novey na Califórnia, e a redução do tamanho e isolamento dos presídios. Como os estados brasileiros são muito pobres, o resultado é a superlotação dos presídios, agravada pela ineficiência da Justiça, que aumenta o estoque de presos.
É indiscutível a situação desumana de nossos cárceres; algo precisa ser feito com urgência. Mas será que vamos resolver o problema apenas construindo mais e melhores presídios? Essa discussão é necessária, embora a situação seja de emergência e exija medidas práticas. O controle dos presídios pelos traficantes de drogas é uma realidade em todo território nacional, com exceção da Papuda, aqui em Brasília, notabilizada mundialmente pelos presos na Operação Lava-Jato, na qual mandam os guardas penitenciários.
O resultado geral é a morte de um detento por dia nos cárceres, sendo a taxa de assassinatos de 57 para cada 100 mil habitantes, maior do que a de qualquer estado, numa população carcerária de mais de 600 mil presos. A polícia mata nove pessoas por dia, enquanto na Inglaterra, por exemplo, as estatísticas registram seis por ano. Ou seja, na prática, as execuções já vigoram dentro e fora dos presídios.
A maioria da sociedade apoia docemente constrangida o chiste “bandido bom é bandido morto”. Não é outro o sentido nas declarações do governador José Melo (Pros), ao minimizar o massacre de Manaus: “Não tinha nenhum santo”. Comprovou-se que o comando da facção Família do Norte (FDN) estava numa única cela e fez acordo com representantes do governo do Amazonas para manter a paz no presídio e, talvez, fora dele. Com certeza, não é um caso único.
Os centros de excelência do nosso sistema prisional são os presídios federais e paulistas de segurança máxima, cujos guardas têm um lobby muito eficiente. É neles que estão os principais chefões do tráfico. Enquanto não brigam, não correm o menor risco de serem assassinados como seus “soldados”. São os donos da vida e da morte dentro e fora das cadeias do país. Alguma coisa aí está errada.
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