Nas ruas, o sentimento é de descrença. De maneira lenta e gradual, a Nação vai perdendo densidade cívica, enquanto a barbárie se expande. O Estado, que faz a provisão das coisas materiais, se distancia da Nação, aqui entendida como a Pátria espiritual, a matriz dos valores, a guardiã dos símbolos e das tradições, o berço dos sentimentos. Erva daninha brota no nosso chão, contaminando até o aparato da Justiça. Que coisa triste é constatar que os cidadãos já não têm tanto orgulho da terra em que nasceram, cresceram, constituíram família e derramaram gotas de suor. Sobra desânimo ao se perceber que a vontade coletiva amortece, quando princípios são corrompidos, quando o verbo, tão honrado por nossos antepassados, perde a expressão da verdade. Outrora, a palavra dada tinha força de contrato.
No horizonte da desilusão, emergem a pouca fé, a frágil disposição de pessoas para engajamento em causas nobres, a sensação de que a vida já não incentiva aqueles sopros de esperança que fazíamos questão de mostrar aos amigos nos reencontros. Nem a força telúrica que liga uns e outros ao torrão natal tem a mesma intensidade. Quem não lembra o retorno periódico das pessoas ao lugar de origem para reencontrar nas histórias da infância e adolescência a alegria dos tempos de ontem? O bucolismo deixa as esquinas do passado para ceder espaço ao barulho infernal da vida moderna.
Como ratos amedrontados, cada qual procura se abrigar da melhor maneira possível. A luta pela sobrevivência se torna feroz, competitiva. A chamada quarta onda – simbolizada por novas áreas, como a nanotecnologia, a robótica, a impressão 3D, as células tronco, as redes sociais – nos deixa plugados nas nessas maquininhas de ouvir e falar, transmitir dados e músicas. As cenas são hilárias: em torno de uma mesa de bar, 10 amigas e amigos se confraternizam, e cada qual, após a liturgia dos beijinhos, começa a usar o aparelho fonador para.....se comunicar com a turma distante. Se a reunião do grupo era para “por a conversa em dia”, acaba sendo um exercício de jogar a conversa fora.
No campo da política e da administração pública, o ar está purulento. Os tumores e suas metástases, sob nomes de mensalão, petrolão e quetais, escancaram corrupção desbragada envolvendo burocratas, políticos e círculos de negócios. A descoberta, a apuração e a exposição da roubalheira nas malhas do poder público comprometem a confiança popular na instituição política e no comando do Estado. O lamaçal se espraia. O processo eleitoral deste ano, voltado para escolher os atores que atuam na base do edifício político – 5.568 prefeitos e 56 mil vereadores - será influenciado por um espírito geral de descrença. Teremos a “eleição da raiva”, com a arma da indignação atirando para todos os lados.
Será mesmo uma campanha do “contra” ou, ao final, teremos mais uma vez uma eleição de caciques? Vai depender do humor das ruas. Que, por sua vez, será influenciado pelo estado da economia. Se o bolso do eleitor, em outubro, estiver vazio, dará empuxo à coisas disparatadas. Não se descarta a possibilidade de eleição de perfis à moda Brancaleone, figuras capazes de pegar um uma espingarda ou mesmo uma bengala (para dizer que não interessa a arma, se não o gesto, o sinal), candidatos que agirão em nome da mobilização do “povo de Deus”. Aventureiros se postarão diante do eleitor, expressando slogans contra a inação de antecessores e a inércia das municipalidades.
Será desse modo uma eleição na encruzilhada do país. De um lado, a opção por um caminho diferente, livre de entulhos; de outro, a larga avenida da politicagem sob a égide dos donos do poder. Os sinais apontam para o esgotamento de um ciclo, eis que o copo das mazelas transborda. O engodo, as maquinações, as máfias das máquinas administrativas, as promessas mirabolantes continuarão a receber endosso do eleitor ou a trombeta da Operação Lava Jato dará o tom maior?
Não tenhamos ilusões. O país não mudará sua cultura política por decreto e pelo impulso de uma única eleição. O que se pode dizer é que 2016 é um ano propício para abrigar a hipótese: crise é sinônimo de oportunidade. Afinal, do fundo escuro do poço é possível se enxergar o azul do céu. Do meio de uma coleção de crises – econômica, política, de gestão, moral -, vislumbra-se a chama de um novo tempo. Há razões para acreditar. Os potenciais do país, mesmo destroçados por visões erráticas e dirigentes despreparados, segurarão os pilares do amanhã. O deserto das desesperanças nacionais voltará a ser fértil com as energias de novos dirigentes, adubo necessário para fertilizar nossa democracia pela base do edifício político. Mais uma utopia? É possível. Pior é acreditar que o Brasil nunca terá jeito.
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