Quando da conquista do México, o espanhol Hernán Cortés mandou queimar as caravelas para não deixar nenhuma rota de fuga. Só restava a seus soldados seguir em frente, se quisessem sobreviver. A presidente Dilma Rousseff foi mais além, na sua reforma ministerial: mandou queimar as caravelas em pleno mar. E com ela dentro!
Só assim pode ser entendida sua resposta de que não poderia mais voltar atrás, quando aconselhada por Michel Temer a jogar a reforma ministerial para as calendas gregas para não criar quiproquó em sua base e instabilidade ainda maior no Congresso.
A arapuca na qual se meteu foi armada por ela própria, uma jejuna em política, que parte para frente como um touro bravo, sem cuidar da defesa dos seus flancos. A rainha ignora o bê-á-bá dessa arte: político digno desse nome não faz movimentos dos quais não possa recuar, ao menos taticamente. Nessa seara as coisas acontecem assim. O tudo ou nada dá sempre em nada.
Até os contínuos do Palácio do Planalto sabem que medidas de redução de cargos e de ministérios só são factíveis se tomadas por governos extremamente fortes. Em um governo enfraquecido, como o atual, em vez de ser um instrumento de coesão de sua base de sustentação é mais um fator de desagregação, de luta fratricida entre forças aliadas.
A reforma ministerial já seria uma operação de alto risco se executada logo após a acirradíssima disputa presidencial, imaginem dez meses depois, em um quadro de enfraquecimento e de barata voa nas hostes governistas. Um desatino, claro. Mas a presidente viu na reforma ministerial a cenoura que poderia fazer a sociedade, o mercado e o Parlamento engolirem goela a baixo seu pacote de maldades.
De quebra, vislumbrou na jogada a possibilidade de ter um mínimo de votos para evitar um processo de impeachment. Passou ao largo de suas intenções uma verdadeira reforma do Estado, capaz de despatrimonializá-lo.
Ao contrário, seu simulacro de reforma radicaliza o loteamento político, transforma o butim ministerial em mercado persa e aprofunda o escambo na relação com os partidos aliados.
O tiro saiu pela culatra. Em vez de ser a solução a “reforma” virou um problemão. Gerou insatisfações no MST e na ala esquerda do lulopetismo e deixou de cabelos ouriçados aliados hoje aboletados em ministérios.
E, quem diria, a presidente ouviu um sonoro não da cúpula peemedebista, convidada a participar do reparte do bolo já em farelos, um fato cuja gravidade é autoexplicativa.
Nitidamente a espinha dorsal do PMDB, leia-se Temer, seus escudeiros, Renan, Eduardo Cunha, Romero Jucá e outros caciques, aproveitam-se da rateada presidencial para içar velas e abandonar o cais governista. Se alguém tiver alguma dúvida sobre qual rumo seguirão os profissionais da política, poderá dirimi-la por meio da declaração de Moreira Franco, homem de extrema confiança de Michel Temer: “O governo chamou Kassab (Gilberto) e Cid (Gomes) para desidratar o PMDB. Nós sabemos disso”.
Só que os peemedebistas não são dados à imolação. Sua cúpula não vai assistir passivamente Dilma enfiar uma cunha (desculpem o trocadilho) no PMDB, por meio da neopeemedebista Kátia Abreu ou da nomeação, à sua revelia, de algum deputado ou senador para um novo ministério dilmista.
A presidente não apenas queimou as caravelas com tripulação e tudo. Jogou também gasolina em suas vestes e está prestes a acender o fósforo.
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