quarta-feira, 23 de setembro de 2015

O preço da paralisia


A cena foi surreal, simbólica da confusão dominante. Deputados federais gastaram uma tarde inteira, semana passada, discutindo se o Estado quebrado deve ou não cobrar de defunto, durante o velório. O projeto inovava ao adicionar uma certeza à vida na crise das finanças públicas: a tributação depois da morte.

— Defunto rico pagará mais? — ironizou o neossocialista Heráclito Fortes (PSB-PI).

O cristão Marcos Retagui (PSC-AC) foi além:

— O Imposto sobre Serviços (ISS) será cobrado sobre um imóvel, a sepultura, como é que vai ser executado: caso não seja pago, os prefeitos vão fazer o despejo dos ossos?

Tornou-se inevitável a evocação da lógica governamental de Odorico Paraguaçu, personagem de Dias Gomes, que prometia revolucionar o Brasil de 1984, com mais de 100% de inflação mensal, enquanto aguardava um cadáver para inaugurar o cemitério, sua principal obra.

— Promoverei a justiça social, mediante um plano econômico deverasmente revolucionário — anunciava. — A oposição difamista e subversenta fala muito mal da inflação. É bem verdade que a inflação já passou dos cem por cento, mas isso são os pratrasmentes. Prafrentemente é que importa. E eu provo por A mais B e por C menos D, que é justamente a inflação que vai nos salvar.

Prosseguia:

— Os salários até três mínimos são reajustados acima da inflação. Ora, 95% da população do país ganha menos de três mínimos. E se a inflação continua, esses 95% vão melhorando de vida, melhorando, até que se igualarão aos 5% que ganham mais. Então, será feita a redistribuição da riqueza, a igualdade entre as classes, a justiça social. Destarte, se eleito, promoverei o aumento da inflação para 300% até o ano 2000, tempo suficiente para que, pelo encumpridamento dos pequenos salários e achatamento dos grandes, seja feito o nivelamento salarial.

Na semana passada os legisladores acabaram isentando os mortos de tributação pelo Estado semifalido. Do embaraço denfuntício, como diria Paraguaçu, restou exposto de forma crua algo bem mais grave — o clima de paralisia nas instituições brasileiras.

A presidente manteve-se no Palácio do Planalto, sem bússola e refém da teia de interesses patrimonialistas do PT e partidos aliados, que ajudou a reforçar na última década.

No Congresso prosseguiu-se na toada de um possível processo de impeachment de Dilma Rousseff, mesmo sem evidências de prova material e conclusiva de delito constitucional — como observou o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Ayres Britto. Mesmo se fosse possível abstrair essa realidade, seria previsível uma longa e incerta disputa judicial em torno do mandato presidencial.

O STF continuou indeciso a respeito das investigações criminais sobre os presidentes da Câmara, do Senado e centena e meia de parlamentares, todos interessados no desfecho da crise pelo impeachment.

À margem, o país mergulha na recessão. Se a retração se estender também por 2016, advertem economistas como José Roberto Affonso, será a primeira vez desde os anos 30 a se ter dois anos seguidos de retrocesso econômico.

A paralisia institucional ameaça impor um novo preço à crise brasileira: o risco de depressão. Seria o custo do desatino.

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