quarta-feira, 5 de novembro de 2025

O retorno do reprimido

No dia 28 de outubro de 2025, a guerra em Gaza matou 104 pessoas. A guerra no Rio de Janeiro matou mais de 120. Acuada pela falência da segurança pública no Brasil, parte da população festejou o massacre, que excedeu chacinas históricas como a do Carandiru, em São Paulo.

Festejou porque apoia a premissa de que “bandido bom é bandido morto”, a mesma por trás da prática crescente de linchamentos a assaltantes, que submete o valor da vida ao valor do patrimônio.


A operação no Rio satisfaz a sede de vingança dos justiceiros. Nada além disso. A guerra ao tráfico, vigente há décadas, não mostrou eficácia no combate ao crime organizado, mais poderoso do que nunca.

Como numa psicanálise, em que o sujeito precisa rememorar sua história para elaborar feridas e traumas que se repetem e prolongam seu sofrimento, uma análise do que ocorreu no Rio não pode ignorar a História que remonta à constituição do Brasil como nação independente de Portugal.

Embora proibida, salvo em casos de crimes militares, a pena de morte é aplicada pelo braço armado do Estado brasileiro, sem inquérito, julgamento ou direito de defesa dos executados. Os mortos, quase sempre, são descendentes de uma população negra escravizada, que foi alforriada e abandonada à própria sorte no fim do século XIX, sem o amparo de qualquer política de saúde, educação, emprego, habitação — os direitos básicos à cidadania, condições mínimas à sobrevivência nas cidades.

Essa força de trabalho foi substituída por um incentivo à imigração em massa de europeus, pelo projeto eugenista de embranquecer o Brasil. Foi obrigada a se aquilombar em favelas e periferias, a inventar estratégias de subsistência real e simbólica, muitas das quais, como a capoeira e o samba, viraram alvo da repressão estatal.

Na dinâmica psíquica, um conteúdo reprimido não desaparece do aparelho mental: ele se mantém latente, sob o limiar da consciência, influenciando o comportamento do sujeito. Quanto maior a repressão, maior a força do reprimido para voltar à tona, como um zumbi que irrompe do jazigo e retorna para nos assombrar.

Na dinâmica social, a violência do retorno do reprimido também é proporcional à violência da repressão. Continua a alimentar sintomas e repetições de traumas que carecem de elaboração.

Diante da brutalidade do real, a única via de elaboração possível é simbólica. Há que se debater, falar, buscar alternativas à estratégia falida de manter o Estado em guerra contra os cidadãos.

Mas as palavras que circulam no léxico cultural brasileiro, hoje, repetem o léxico bélico do governo de Donald Trump. “Narcoterroristas” são as embarcações abatidas nas costas da Colômbia e da Venezuela, matando dezenas de pessoas. “Narcoterroristas” são as mais de cem pessoas mortas no Rio, por autoridades que cometem um genocídio em troca de vantagens eleitorais em 2026.

É o Novo Velho Oeste, normalizando um bang-bang transfronteiriço, onde mais vale atirar antes de perguntar. E o mundo se torna um lugar mais sangrento para todos nós.

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