Na manhã seguinte, logo após a população dos complexos do Alemão e da Penha enfileirar na praça os corpos dos civis mortos pela polícia e deixados na mata – boa parte deles com sinais de execução sumária –, o governador Claudio Castro e o secretário de segurança pública, em coletiva de imprensa, classificavam a operação como “um sucesso”.
Como uma operação que chocou o mundo, transformou o local onde vivem mais de 100 mil pessoas em cenário de guerra, resultou em 121 mortes (117 civis e 4 policiais), cumpriu uma parcela pequena dos mandados de prisão expedidos e apreendeu uma pequena quantidade de armas pode ser considerada um sucesso pelo governador e seus agentes de segurança?
A resposta a esse questionamento veio com as pesquisas de opinião realizadas ao final da semana: levantamento realizado pelo instituto AtlasIntel e divulgado na sexta-feira (31/10) demonstrou apoio de 62,2% dos cariocas à operação policial, contra 34,2% de desaprovação. No restante do Brasil, a operação também foi aprovada pela maioria dos respondentes (55,2%), enquanto 42,3% desaprovavam. Embora sejam levantados questionamentos sobre a metodologia dessa pesquisa, o índice de aprovação entre os moradores das favelas cariocas é chocante: 87,6% disseram apoiar a operação policial.
No dia seguinte, o instituto Datafolha divulgou pesquisa de opinião realizada na cidade do Rio de Janeiro e região metropolitana segundo a qual 57% concordavam (parcial ou totalmente) com a declaração do governador de que a operação “foi um sucesso”, contra 39% de discordância. Na mesma pesquisa, 48% dos respondentes avaliaram que a operação que resultou na morte de 121 pessoas foi muito bem executada e, somente 24% afirmaram que foi mal executada pela polícia.
É possível dizer, a partir desses levantamentos, que a Operação Contenção, esse espetáculo macabro, foi “um sucesso” político para o governador Claudio Castro e para a extrema-direita no Brasil. Ao campo progressista e engajado com os direitos humanos, impõe-se a obrigação de questionar: por que a população, principalmente aquela que sofre diretamente com a violência das instituições, tem alto grau de concordância com a letalidade policial extrema?
Por óbvio, a explicação não é única, nem simples. O criminólogo argentino Alejando Alagia, por exemplo, aponta a relação entre o tratamento punitivo estatal contemporâneo e a solução sacrificial das sociedades primitivas, sustentando que, na civilização, a partir da crença de que um mal deve ser respondido com outro equivalente, o Estado escolhe os indivíduos vulneráveis ao tratamento sacrificial. No entanto, e sem desconsiderar as discussões acadêmicas que partem da sociologia do genocídio, da antropologia política e da psicanálise, o que se pretende nesse curto texto é provocar o leitor a refletir sobre a legitimação do massacre a partir da economia política, sua relação com as políticas de “segurança pública” apregoadas pela extrema-direita e o medo do crime sentido pela população.
O projeto da extrema-direita brasileira contemporânea articula-se em torno do conservadorismo, da idolatria do mercado e do armamentismo. Nesse espectro político, onde se situa o governador do Rio de Janeiro, argumenta-se que somente o livre mercado seria capaz de garantir a liberdade individual, devendo o Estado limitar-se exclusivamente a preservar a ordem institucional necessária. Sob a égide político-econômica neoliberal, reina a ideologia da austeridade fiscal e o Estado é cada vez menos capaz de alcançar as políticas públicas que setores significativos do eleitorado exigem, como saúde, educação, moradia, emprego etc.
Tanto o incremento e maior grau de organização da violência criminal quanto a truculência e intensidade das respostas punitivas estatais são decorrentes dos deslocamentos do mercado de trabalho no contexto do capitalismo tardio: um mercado que, segundo Jock Young, “exclui a participação do trabalhador mas estimula a voracidade do consumidor” e um capitalismo que, como diz, Debora Pastana “se multiplica financeiramente e que, por isso mesmo, descarta a força de trabalho como nunca havia feito antes”.
Zaffaroni tem argumentado que a reprodução da delinquência é multifuncional aos interesses neoliberais, promovendo a maior demanda por punição; debilitando o sentimento de comunidade; legitimando a imagem de guerra; desorientando e condicionando a atuação dos governos populares e; imunizando o poder punitivo hegemônico e informal.
O Estado, enfraquecido diante do poder do capital e movendo-se conforme os interesses deste último, se amolda mais e mais ao modelo de Estado policial. Se não pode cumprir a função de regulação social, o Estado neoliberal dissemina, sustenta e se aproveita do sentimento de insegurança e de medo do crime, que passam ao primeiro plano das preocupações políticas.
Pesquisas de opinião realizadas tanto pela AtlasIntel quanto pela Genial/Quaest no segundo semestre de 2025 trazem a segurança pública e a criminalidade como as maiores preocupações dos brasileiros, em trajetória crescente. A insegurança sentida pela população não é irracional, nem apenas resultado de manipulação midiática: de fato, a vida de milhões de brasileiros é cotidianamente afetada pelo crime, sejam os pequenos delitos patrimoniais, seja a atuação das facções nos territórios e, diante da permanência dos problemas, tende a apoiar respostas imediatistas e simplistas.
Diante da importância do medo do crime na vida dos brasileiros, a agenda da segurança é incorporada como uma das principais fontes de capital e disputa política. O populismo punitivo se incorpora às estruturas sociais, reconfigura o poder penal, promove discursos de ódio voltados contra o desviante e o apoio a medidas extremas em nome do controle do crime.
Após a chacina promovida pelo governo do Rio de Janeiro, a extrema direita no Congresso Nacional ou nos governos de outros estados busca capitalizar politicamente o evento com a retórica de “narcoterrorismo” e a pressão para o recrudescimento da legislação penal e das práticas policiais.
É especialmente importante, e também urgente, olhar para as formas de consolidação do populismo neste momento em que as ameaças autoritárias pairam, de forma evidente, sobre Brasil.
À classe política comprometida com a democracia, assim como a todo o espectro progressista da população, é necessária uma tomada de posição: a democracia deve ser pensada de forma “maximalista”, sem espaços para exclusão dos marginalizados e criminalizados. É preciso se posicionar abertamente contra a violência empreendida pelas forças de segurança, mas também contra o projeto de controle e encarceramento massivo em curso contra qualquer discurso pautado na criminalização como resposta simbólica aos problemas sociais.
É imprescindível implementar propostas que promovam, de fato, a segurança dos cidadãos e reduzam o sentimento de medo do crime experienciado cotidianamente pela população, sem violar os direitos dos desviantes.
Mais do que isso, é vital apresentar um projeto de superação do neoliberalismo e, nesse momento de instabilidade, catalisar os movimentos emancipatórios que começam a despertar.

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