O antagonismo que á fecundo para o exercício da democracia, é o ambiente em que viceja a retórica da redenção dos oprimidos. A partir desta concepção, surgem características e elementos convergentes constitutivos do discurso e da ação política. Começa com um líder firme e forte; carismático, sedutor que desdenha da verdade porque ele é a autoverdade. Por isso, detesta a liberdade de opinião.
Nesta toada, ao interpretar a voz da ira popular, a liderança ataca o “sistema” que é corrupto e imoral (mesmo que dele faça parte); cresce nos momentos de crise política e econômica, aponta o caminho de soluções simples (e erradas) para problemas complexos, um demagogo e, portanto, um manipulador do poder das massas; detesta a institucionalidade democrática porque se julga maior do que as instituições; alardeia teorias conspiratórias e cria inimigos internos ou externos a quem responsabiliza pelos fracassos; usa fortemente os meios de comunicação, inclusive as redes sociais com o propósito do engajamento de tal forma que Giuliano de Empoli, autor do livro “Os Engenheiros do Caos”, alertou: “O populismo é filho do casamento entre a cólera e o algoritmo”.
Em artigo publicado no Valor Econômico, intitulado “É difícil sair da armadilha populista”, o principal comentarista econômico do Financial Time, Martin Woolf, utiliza os dados constantes no texto intitulado “Líderes populistas e a economia” (três autores: Manuel Funk, Moritz Schularick e Christof Trebesch) sobre os malefícios causados nas sociedades que viveram a experiência populista.
O conjunto de dados abrange 60 países de 1900 (ou desde a independência) até 2020. Representa 95% do PIB mundial tanto em 1955 como em 2015, além de incluir 1482 líderes, alguns contabilizados mais de uma vez.
Na sequência, o articulista comenta as realidades reveladas: “Em 2018, o populismo atingiu seu auge político. Além disso, se um país já teve um líder populista uma vez, é mais provável que volte a ter outro. Crises econômicas tornam o governo populista mais provável. Os populistas tendem a permanecer no poder em média de oito anos – o dobro do tempo dos não populistas. E, de forma decisiva, poucos populistas deixam o cargo por meio de derrotas eleitorais. Ainda assim, populistas de esquerda e de direita exibem padrões semelhantes de ascensão, permanência e saída. Finalmente, a América latina e a Europa têm sido historicamente dois principais redutos da política populista”.
“Em resumo – adverte Woolf – a demagogia populista é, como advertiu Platão há 2500 anos, uma doença perigosa da democracia”. Verdade. Historicamente, o Brasil sentiu e sente na própria pele com a recorrência da enfermidade. Ameaça a nossa jovem democracia que, felizmente, tem dado exemplar demonstração de solidez.
Mais uma vez, a nossa gestão democrática está desafiada a dar uma resposta adequada ao recente episódio da “operação contenção” que, independente de qualquer consideração de ordem política ou ideológica, é uma tragédia. Exceto para tiranos e líderes beligerantes que subscrevem a frase atribuída a Stalin (não há confirmação histórica): “A morte uma pessoa é uma tragédia; a de milhões, uma estatística”. E o que está em jogo, a segurança pública, mais que uma prioridade de governo, é um elemento constitutivo do Estado a quem cabe exercer o legítimo monopólio da violência, obedecido o pacto social inscrito na Constituição Federal.
Não tenho a vocação da velhinha de Taubaté, mas meu sentimento, a despeito da perspectiva eleitoral, da consequente tentação ao populismo e à estridência dos palanques, é que, diante de tamanha gravidade, as lideranças políticas têm a chance de, atendendo ao interesse público, enxergar as próximas gerações.
Por sua vez, a maior parte da sociedade brasileira está distante dos extremos. Fica no meio do caminho entre as posições extremadas. É um contingente com menor grau de engajamento. Porém, uma vez mobilizado, pode definir a próxima eleição. É o que sugere a robusta pesquisa sobre a polarização no Brasil, realizada pela Quaest para a ONG More Common, entre os dias 22 de janeiro e 12 de fevereiro do ano corrente.
Aplicado um questionário com quase duas centenas de questões sobre temas que mais polarizam a sociedade, numa amostra de 10 mil brasileiros com mais de 16 anos, aprofundadas com a análise por meio de entrevistas em grupo, os brasileiros foram divididos em seis segmentos: progressistas militantes (5%); esquerda tradicional (14%), desengajados (27%), cautelosos (27%), conservadores tradicionais (21%) e patriotas indignados (6%).
As extremas, à direita e à esquerda, representam 11% da população. No entanto, monopolizam o debate político e alimentam a disposição populista dos candidatos. Em consequência, ampliam o discurso na defesa de posições irredutíveis, reduzindo o espaço da moderação, do entendimento e da convivência entre os diferentes, abrigados na esquerda, na direita e no centro, espaços de uma saudável democracia.
Como já foi mencionado, o populismo predispõe o organismo político à recorrência do fenômeno; provoca uma grave erosão nas instituições democráticas e, como diz, Martin Woolf “o que os populistas destroem não pode ser facilmente reconstruído”. Esta sensação toma conta do eleitor quando, no ato de votar, ele se vê diante da alternativa de se abster ou escolher o “menos pior”.

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