O cartaz do congresso, realizado na Maia, foi digno de um festival de memes: Martin Sellner, o austríaco conhecido por liderar o movimento “Identitäre Bewegung” (proibido em alguns países por ligações ao extremismo de direita); Jared Taylor, o norte-americano que acredita em “realismo racial”(uma forma elegante de dizer racismo pseudocientífico); Keith Woods, o irlandês que descobriu no nacionalismo uma carreira de “influencer”; António Sousa Lara, ex-secretário de Estado da AD, agora guardião do “bolor patriótico”; e uma deputada da AfD, partido alemão de extrema-direita.
Confirmada também a participação em vídeo de Pedro Frazão, vice-presidente do Chega, a consolidar a aliança existente entre as organizações.
Entre discursos sobre “remigração” (um neologismo tão estapafúrdio quanto perigoso) e “metapolítica” (palavra que usam para dar um ar intelectual ao ódio), os presentes celebraram o que chamaram uma “vitória metapolítica”: o facto de o presidente do Chega ter sugerido publicamente a “remigração de imigrantes”.
Falam de “identidade europeia” e “tradição cristã”, mas não se consegue perceber de que século é a Europa que idealizam. Talvez uma mistura de 1933 com saudades do domínio colonial.
Querem “reconquistar” o quê, afinal? O direito de serem temidos? O privilégio de culpar os imigrantes pelas frustrações do próprio vazio? Ou apenas as atenções que as mulheres já não lhes dão?
E há uma tentativa subtil de autoimagem: o líder do movimento parece esforçar-se por evocar o estilo do homem do bigodinho, como quem tenta imitar uma aura de autoridade que nunca terá. Um gesto simbólico, mas que revela muito do que está errado com esta nostalgia de épocas de terror.
Há algo de profundamente cómico na seriedade com que pronunciam a palavra “civilização”. Para eles, civilização é um sítio sem estrangeiros, sem feministas e com as mulheres no “seu lugar”.
E, claro, lá estavam também algumas mulheres, poucas, aplaudindo com entusiasmo os homens que defendem que elas não deviam votar por serem incapazes e irresponsáveis.
Dizem que a pior invenção do século XXI foi o sufrágio universal. Sim, leram bem: há quem ache que o problema não é o aquecimento global, mas o voto feminino.
Entretanto, o Chega, atento a esta mina de ressentimento, usa o mesmo léxico e capitaliza a raiva em votos.
Chamam-lhe “estratégia”. Mas o nome certo é contágio ideológico.
E há perguntas que ficam no ar, demasiado sérias para serem ignoradas.
Quem autoriza e legitima este tipo de eventos? Em nome de quem conseguem alugar espaços públicos ou privados para reuniões onde a vergonha não tem lugar? Que entidades fiscalizam a contabilidade, os apoios e as ligações internacionais destes movimentos? É tudo feito às claras ou preferimos fingir que não vemos, em nome da liberdade de expressão e da democracia?
Há algo quase poético neste espetáculo: parece uma peça de teatro mal ensaiada. Muita pose, pouca substância e uma certeza trágica. Ninguém saiu dali nem mais inteligente, nem mais culto do que entrou. Só mais irritado e um pouco mais convencido de que o problema do mundo é a existência dos outros.
No fundo, estes novos templários do ridículo sonham com cruzadas. Mas no fim, eles não passarão porque é difícil avançar quando se tropeça na própria caricatura.
Isabel Oliveira
Nota: De acordo com a Constituição da República Portuguesa (Artigo 46.º):.“São proibidas as associações ou organizações que persigam fins ou adotem meios que colidam com a Constituição, nomeadamente organizações racistas ou que perfilhem ideologias de carácter fascista.”

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