segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Todos seremos vencidos

O escalar da retórica nuclear entre Washington e Moscovo, registada nos últimos dias, não pode ser visto apenas como uma forma de Trump e Putin assinalarem a passagem dos 80 anos das bombas despejadas em Hiroxima e Nagasaki. E, apesar de toda a preocupação que possa gerar, também não convém não levar as ameaças muito a sério. No fundo, aquilo a que estamos a assistir é a um certo cheirinho a Guerra Fria, embora com uma diferença fundamental: desta vez, os dois líderes não defendem ideologias opostas e têm até imensas semelhanças na forma como silenciam os opositores, fazem pressão sobre os adversários e utilizam todos os meios ao seu alcance para fortalecer o poder pessoal, apenas permitindo seguidores fiéis à sua volta.

Este escalar de ameaças é, antes, o sintoma de algo mais vasto: o poder crescente dos chamados “homens-fortes”. É até a consolidação do “triunfo dos brutos” que, há cerca de uma década, tem marcado a política internacional: o poder a ser exercido por homens que concentram a autoridade, cultivam a imagem de força pessoal e recorrem, sem qualquer tipo de pudor, à ameaça como arma principal.

Com Donald Trump nos comandos da Casa Branca e com o dedo afiado nas suas redes sociais, este estilo tem ganhado cada vez maior preponderância e novos imitadores. E, aos poucos, vai arrastando o mundo para um clima de confronto permanente, sempre a apelar ao uso da força e que, inexoravelmente, destrói muitos dos valores e princípios que, durante algum tempo, pensámos que deveriam pautar o debate político e os relacionamentos internacionais entre Estados.


No estado atual do mundo, parece já não interessar quem tem razão, mas sim quem tem mais força. E, especialmente, quem ameaça com maior intensidade, como se tudo lhe fosse permitido e nada tem a perder. A diplomacia internacional, nos temas principais, foi substituída por jogos de força, por sanções, por guerras comerciais e, quando a ocasião o justifica, por ameaças militares abertas.

Parece que estamos a caminhar sempre em direção a um confronto iminente e explosivo que, como nos filmes de aventura, é evitado à última hora. Aqui, não por um herói improvável, mas sempre pela ação de um “homem-forte”, com o seu inevitável discurso nacionalista e que promete sonhos de grandeza aos seus compatriotas. Temos visto, em tantos casos, que nada disso é verdade. Só que é a perceção que eles tentam criar. E, já ninguém tem dúvidas, todos sabemos que vivemos hoje num mundo dominado mais pelas perceções do que pela análise fria, metódica e transparente da realidade.

Esta emergência do poder dos “brutos” constitui a maior ameaça ao desenvolvimento saudável da Humanidade, à defesa dos direitos humanos e aos valores que permitam a liberdade e a justiça social e económica. Percebe-se que a erosão dos valores democráticos é evidente, um pouco por todo o lado. E não só têm crescido os sentimentos de intolerância perante quem pensa de modo diferente, como está a desaparecer uma noção muito antiga em que sempre assentou o pensamento humanista: o respeito pelo outro, seja ele quem for, mas que deve ser respeitado como ser humano.

A forma como tantos países com tradição democrática têm assistido, em silêncio, ao que acontece em Gaza é reveladora do mundo em que vivemos e da erosão dos valores que devíamos todos compartilhar, até por estarem inscritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na própria criação das Nações Unidas. Quando, deliberadamente, como se fazia nos antigos cercos da época medieval, se matam populações à fome, não pode existir estratégia política que desculpe o “bruto” que comanda esse extermínio. Por muito menos, por exemplo, já se encetaram intervenções de forças internacionais, para impedir situações que não chegavam a esta barbárie. E é cada vez mais inadmissível que Israel continue a proibir que observadores e jornalistas internacionais entrem no território para poderem, em liberdade, contar o que realmente se passa.

Em Gaza, fora dos olhares do mundo, não está só uma população a ser dizimada, à fome e aos tiros. É a própria Humanidade que, quando escolhe o silêncio, acaba por ficar sitiada e abdicar dos valores que deviam norteá-la. E quando isso acontece, tal como se existir uma guerra nuclear, uma conclusão será inevitável: todos seremos vencidos.

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