Afirmam que o crescimento económico exponencial gerado pela IA permitirá um mundo rico, e que a riqueza será partilhada entre todos via RBU (tributando as empresas na medida da sua utilização da Inteligência Artificial). Utilizam o RBU como um instrumento milagroso, que a todos dará conforto económico e permitirá que cada um se dedique à família, aos interesses pessoais e ao lazer.
O RBU permite, simultaneamente, apresentarem-se como filantropos, preocupados com a estabilidade social, e evitar a discussão e críticas a este futuro que nos apresentam como inevitável e para cuja construção mais e mais recursos são canalizados, sem freio do regulador.
Conhecedores do status do desenvolvimento tecnológico, mas também pressionados pela expectativa dos investidores que têm canalizado milhões para esta odisseia, repetem-nos que este futuro é iminente. E provavelmente será, sobretudo para os mais jovens acabados de formar – afinal, a Google já não contrata programadores juniores.
Mas o que significa um mundo onde uma elite de donos de Big Tech domina os meios de produção e os humanos são dispensáveis (num desvio que nem Marx imaginou)? O contrato social das sociedades democráticas assenta em grande medida na tributação do trabalho. O Estado funciona porque os trabalhadores pagam impostos. Mas e se as receitas do Estado tiverem como origem não o trabalho, mas a riqueza gerada por máquinas? Que incentivos terão os governos para educar a população e garantir que a mesma é saudável?
O risco é que o incentivo seja de apenas redistribuir o suficiente para manter a paz social, gerando um fosso entre a elite tecnológica e todos os demais. Não é um cenário extremo se pensarmos em petroestados. Nos Emirados Árabes Unidos, um sistema de segurança social financiado exclusivamente pelas receitas do petróleo – não existe imposto sobre o rendimento – garante condições de vida mínima a todos os nacionais do emirado. No entanto, os Emirados Árabes Unidos, como a esmagadora maioria dos ditos petroestados (com exceção da Noruega), não têm cidadãos com direitos e deveres, mas súbditos, sujeitos aos caprichos da elite no poder.
O futuro que Sam Altman e Elon Musk nos apresentam parece uma versão tecnológica de uma teocracia, onde a elite não são os religiosos, mas os “technológicos” – uma “technocracia”. Altera-se a fonte de poder, mas mantém-se o resultado.
E se como o risco do fim da democracia e a perpetuação da desigualdade social não bastassem, há que questionar o impacto psicológico e social de um mundo sem trabalho.
O futuro imediato não promete substituir massivamente trabalhos fisicamente duros ou perigosos, mas trabalho intelectual, que consideramos o meio privilegiado para desenvolvermos as nossas competências e virtudes, e, como tal, indispensável ao florescimento do ser humano em sociedade. O trabalho não é apenas um meio de obtenção de recursos financeiros, mas confere um sentido de propósito, permite o estabelecimento de relações humanas e oportunidades de desenvolvimento pessoal.
Importa por isso que o impacto da tecnologia na sociedade não se limite à discussão de uma panaceia – o RBU – e que a sociedade e os políticos promovam a discussão de soluções participativas, por exemplo, via assembleias de cidadãos, onde este tema seja discutido e do qual resultem diretrizes para uma regulamentação efetiva da introdução da IA. Só não ignorando ou desvalorizando os acontecimentos, poderemos assegurar a dignidade do trabalho e uma distribuição mais justa dos rendimentos gerados por esta revolução.

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