Se há uma família no mito de origem do Brasil, ela tem um pai português e uma mãe indígena ou africana. E essa miscigenação não oculta a violência colonial que dizimou famílias e nações. Um estudo da Universidade de São Paulo (USP) analisou o genoma de milhares de brasileiros e verificou que, no DNA mitocondrial (herdado da mãe), predomina a ancestralidade indígena ou africana, e no DNA do cromossomo Y (herdado do pai), predomina a ancestralidade europeia.
Para os pesquisadores, os dados atestam a prática recorrente de acasalamentos entre homens europeus e mulheres indígenas ou africanas, resultantes de atos sexuais não-consentidos, somados à mortandade de homens que se insurgiam contra a colonização.
No Brasil atual, a família sob os holofotes é a família Bolsonaro. Após se tornar inelegível pela prática de crimes eleitorais, o patriarca virou réu num processo por tentativa de golpe de Estado, com o plano de matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro da Suprema Corte Alexandre de Moraes.
Nesta semana, o ministro decretou a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, depois que o réu descumpriu medidas cautelares, com a cumplicidade do filho, o senador Flávio Bolsonaro. Nos Estados Unidos, seu outro filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, faz lobby para que o governo norte-americano mantenha tarifas comerciais abusivas contra o Brasil, como forma de chantagem pela libertação do pai.
Há uma ética mafiosa nessa trama que sequestra a coisa pública (Res Publica) em prol da coisa privada (a cosa nostra dos Bolsonaro). Em reação à prisão de Jair, parlamentares bolsonaristas obstruíram os trabalhos no Congresso, exigindo anistia aos golpistas que ameaçaram a democracia brasileira entre 2022 e 2023. Os supostos patriotas agora pedem a Deus para Donald Trump invadir seu país, situando os interesses da família acima da segurança da pátria.
Em Portugal, o deputado André Ventura defende que o ministro Moraes tenha a entrada proibida no país, como ocorreu nos EUA. Embora associado à ditadura, o bordão “Deus, pátria e família” encontra ressonância entre eleitores de Ventura. Mas sua concepção de família exclui as crianças, cujos nomes o deputado expôs no Parlamento, assim como as que seriam afastadas dos pais por empecilhos impostos ao reagrupamento familiar no pacote anti-imigração. São crianças sem alma, como se dizia dos indígenas e africanos que adoravam outros deuses, catequizados pelos jesuítas na gênese da pátria brasileira.
Enquanto não passarmos o slogan fascista para o plural, respeitando a existência de vários deuses, pátrias e famílias, ele vai ser manter como um tripé que sustenta o ódio à diferença e a crise das democracias.

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