Esse cenário das questões climáticas exige de imediato uma revisão do modo como a humanidade se relaciona com o mundo natural, a fim de redefinir o papel do ser humano dentro da biosfera, e com isso conciliar desenvolvimento econômico com a preservação da vida do planeta. Nesse sentido, ao dizer que a crise climática vivida na atualidade está forçando a humanidade a buscar transformações éticas, culturais, econômicas, políticas em vista à sobrevivência futura com qualidade de vida, uma vez que a ação humana é a principal responsável pelo aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos. Esse reconhecimento, no entanto, ainda não é uma unanimidade, uma vez que ainda existem pessoas e grupos econômicos e políticos, mesmo contrários à ciência, que negam a chamada emergência climática.
A emergência climática é uma consequência das ações humanas em busca de progresso e do desenvolvimento da economia global que em vista de resultados econômicos imediatos, comprometem o equilíbrio da biosfera. Um problema político que exige vontade e ação por parte dos governos, empresas e sociedade, e um desafio ético que envolve escolhas morais para proteger a natureza e o próprio ser humano dos interesses econômicos. Desse modo, uma ética em vista do futuro humano não significa uma ética a ser praticada no futuro, mas sim, uma escolha e uma prática ética do presente para que esse futuro humano possa continuar a existir com qualidade de vida, respeitando o direito humano de viver em ambiente natural saudável.
Nesse contexto, pode-se dizer que, desde a Antiguidade Clássica até meados do século XX, a natureza não recebeu proteção ética, pois era considerada superior e maior que o ser humano e, portanto, capaz de cuidar de si mesma. Assim, permanecia fora do campo da moralidade. Em outras palavras, acreditava-se que, mesmo com o uso da técnica, o ser humano não teria condições de violar o equilíbrio natural, razão pela qual a natureza não necessitaria de proteção. No entanto, com o aumento da capacidade técnica humana de intervir no mundo natural, ela tornou-se vulnerável, passando a demandar proteção ética.
Os movimentos ambientalistas nascidos nos anos 1960 buscaram encontrar uma ética ambiental com o propósito de conservar a natureza, proteger a fauna e a flora, criar parques nacionais e áreas de proteção, preservar paisagens primitivas ou mesmo selvagens. Embora tais movimentos tenham trazido bons resultados, sobretudo na questão da conscientização, eles também revelaram certas fragilidades, uma vez que a natureza estava sendo pensada de modo separado das questões sociais, econômicas, raciais, entre outras.
É na década seguinte, isto é, nos anos 1970 que começa a ganhar força uma perspectiva mais interdisciplinar e interseccional das questões ambientais. Movimentos como o da justiça ambiental passaram a denunciar que as populações mais vulneráveis como as populações negras, indígenas e pobres em geral são frequentemente mais afetados pela degradação ambiental, seja através da poluição, desastres climáticos, escassez de água, furacões, entre outros fatores. Esse olhar ampliado sobre as questões ambientais fez com que a luta pela preservação ambiental se conectasse com as lutas sociais, raciais, como a pobreza e a desigualdade racial.
É nesse contexto em que se passa a reconhecer uma estreita conexão entre saúde ambiental, social e cultural com a saúde humana que nasce a bioética ambiental. Com ela, buscou-se mostrar que a saúde humana está diretamente relacionada com a saúde do ambiente, da sociedade e da cultura, e, por isso não é mais possível pensar o bem-estar humano, independentemente do ambiente que está inserido. Em outras palavras, com a degradação ambiental, também ocorre a degradação humana e social.
Neste sentido, a bioética ambiental nasce com o propósito de ser uma nova sabedoria, uma nova visão de mundo frente ao modelo de progresso e de desenvolvimento econômico que tem comprometido a sobrevivência humana e da biosfera futuras com qualidade de vida. Essa nova sabedoria proposta pela bioética ambiental nasce como uma grande crítica, mas também como uma esperança, uma utopia viva.
Sua crítica emerge como um grito de alerta diante dos excessos da tecnociência, da lógica do crescimento ilimitado e da exploração desenfreada dos recursos naturais. Como crítica, a bioética ambiental desvela os limites éticos de um paradigma antropocêntrico que, ao longo dos séculos, colocou o ser humano acima da natureza e de um futuro, negligenciando sua interdependência com o todo vivo.
Mas não se trata apenas de denunciar: a bioética ambiental também propõe alternativas. Ela aponta caminhos, convoca à responsabilidade, abre-se ao diálogo entre as diferentes ciências e atores, sugere uma nova maneira de habitar o mundo. Nesse sentido, ela é uma esperança. Uma esperança de um reencontro entre humanidade e natureza, de um modo de vida que respeite os ciclos da vida, os direitos humanos, os direitos das futuras gerações e a dignidade de todos os seres vivos.
E, ao mesmo tempo, é utopia viva, não no sentido de algo inalcançável, mas como um horizonte ético que orienta as ações presentes para um futuro ainda inexistente. A utopia aqui é concreta, pois exige mudanças de mentalidade, de valores, práticas e de novas políticas. Ela nos convida a imaginar e a construir um mundo onde o cuidado, a solidariedade entre as espécies e o reconhecimento dos limites ecológicos sejam princípios norteadores das decisões humanas.
É também da essência da bioética ambiental a interdisciplinaridade. Uma confluência de saberes expressa a esperança de que somente juntos, ciência, ética, ecologia, política, podemos cultivar um futuro mais justo, responsável e sustentável para todas as formas de vida.
Anor Sganzerla

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