É incrível que esse vírus que está aí agora esteja atingindo só as pessoas. Foi uma manobra fantástica do organismo da Terra dizer: "Respirem agora, eu quero ver." Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, nós morremos. Não é preciso nenhum sistema bélico complexo para apagar essa tal humanidade: se extingue com a mesma facilidade que os mosquitos de uma sala depois de aplicado um aerossol. Nós não estamos com nada: essa é a declaração da Terra.
E, se nós não estamos com nada, deveríamos ter contato com a experiência de estar vivos para além dos aparatos tecnológicos que podemos inventar. A ideia da economia, por exemplo, essa coisa invisível a não ser por aquele emblema de cifrão. Pode ser uma ficção afirmar que se a economia não estiver funcionando plenamente nós morremos. Nós poderíamos colocar todos os dirigentes do banco central em um cofre gigante e deixá-los vivendo lá, qual economia deles. Ninguém come dinheiro.
Hoje de manhã eu vi um indígena norte-americano do conselho dos anciãos do povo lakota falar sobre o coronavírus. É um homem de uns setenta e poucos anos chamado Wakya Um Manee, também conhecido como Vernon Foster. (Vernon, que é um típico nome americano, pois quando os colonos chegaram na América, além de proibirem as línguas nativas, mudavam os nomes das pessoas.) Pois, repetindo as palavras de um ancestral, ele dizia: "quando o último peixe estiver nas águas e a última árvore for removida da Terra, só então o homem perceberá que ele não é capaz de comer seu dinheiro".
Ailton Krenak, "A vida não é útil"
Nenhum comentário:
Postar um comentário