Resta saber se se pretende referir ao Poder Moderador consagrado ao imperador pela Constituição de 1824 ou se se usa o termo no seu sentido literal, como órgão de conciliação entre os Poderes.
Em golpe de Estado, Dom Pedro I dissolveu a Assembleia Constituinte, que a seu ver não elaborava texto digno dele. O Conselho de Estado, nomeado para, então, elaborar a Constituição, instituiu um quarto poder, o Poder Moderador, criando a figura de rei que reina, governa e administra.
O artigo 98 da Constituição atribuía ampla competência ao chefe de Estado, mais larga que a de um presidente do presidencialismo parlamentarizado, pois o imperador podia interferir no processo legislativo, nomear e destituir ministros, dissolver a Câmara dos Deputados, prorrogar seus trabalhos, designar senadores e presidentes de província.
Por isso denominava-se o sistema de governo adotado de parlamentarismo às avessas. Ao poder imperial concederam-se inviolabilidade e irresponsabilidade.
Não se pode confundir este Poder Imperial com a pretensa intervenção das Forças Armadas em eventual conflito entre Poderes. Seria, então, o Poder Moderador a capacidade de conciliação das Forças Armadas?
Os oficiais do Exército, sob a orientação do recém-fundado Clube Militar, dirigido por Benjamin Constant, decretaram a República. Iniciou-se o período republicano com o chamado regime da espada, especialmente sob Floriano Peixoto, que impôs prisão e desterro a seus opositores.
O militarismo do primeiro mandato presidencial retornou com o sobrinho de Floriano Peixoto, o presidente Marechal Hermes da Fonseca. Entre as instituições militares e o militarismo, dizia Ruy Barbosa, vai, em substância, o abismo de uma contradição radical. O militarismo, o governo da Nação pela espada, arruína as instituições militares,
a subalternidade legal da espada à Nação.
A intensa intervenção das Forças Armadas, na primeira República, expressa-se nas revoluções de 1922, de 1924 e na de 1930, a qual, após os primeiros dias da revolta, contou com total apoio do Exército.
O golpe de 10 de novembro de 1937, instituindo o Estado Novo, teve a participação do Exército, como bem relata Hélio Silva, sendo a ditadura acordada entre Getúlio e o então ministro da Guerra, Eurico Dutra.
Como se vê, as Forças Armadas foram protagonistas da cena política em situação de comando e de substituição dos quadros civis na condução do País, impondo limitações à liberdade, o que alcançou o clímax na ditadura de 1964 e, especialmente, após 1968, com o Ato Institucional n.º 5 e a consagração da ideologia da segurança nacional.
Assim, pode-se verificar a interferência, ao longo da História, das Forças Armadas no processo político em episódios de confronto, e jamais de conciliação, substituindo-se à sociedade politicamente organizada para ditar de cima para baixo o certo e o errado, inclusive no plano dos costumes. A História não indica que as Forças Armadas tenham experiência de moderação – ao contrário.
O já referido artigo 142 da Constituição ficou, depois de debate que acompanhei na condição de assessor especial da presidência da Constituinte, assim redigido: “Artigo 142: As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
No primeiro substitutivo do relator, editava-se que as Forças Armadas se destinam “à garantia dos Poderes constitucionais e por iniciativa expressa destes da ordem constitucional”. Poderiam, portanto, intervir para garantia tão somente da ordem constitucional, e não da ordem simplesmente. Após reunião entre o relator da Constituinte e os relatores adjuntos com o presidente Sarney e o ministro da Guerra, ficou acordado que poderia haver atuação das Forças Armadas para garantia da ordem e da lei, mas por iniciativa de qualquer dos Poderes.
Submetem-se as Forças Armadas ao poder político, podendo agir para a manutenção da ordem e da lei apenas quando convocadas por iniciativa de um dos Poderes constitucionais. Não são as Forças Armadas, de conseguinte, um poder, malgrado a relevância de garantes da ordem constitucional, pois subalternas ao comando político da Nação.
Nada justifica, portanto, diante do texto constitucional e da experiência histórica, o entendimento de que as Forças Armadas sejam um Poder Moderador.
Nenhum comentário:
Postar um comentário