segunda-feira, 4 de julho de 2022

Novos livros trazem os tremores de tempos sombrios

Ao mesmo tempo, as pessoas lutam para manter a sanidade. Tocam o violão e a vida diária em suas atividades, saem em busca de novas soluções, num processo desigual de renovação e de resistência. Talvez fosse mais fácil ficar preso entre os tanques nos engarrafamentos da estrada, fingindo que nada daquilo estava acontecendo. Muitos saíram feridos, tiveram medo da depressão e da morte, mas a coragem venceu

Começa a chegar às livrarias uma coleção de livros que trazem o fel e os tremores dos últimos dois anos vividos sob um clima de tensão, ansiedade e isolamento. Uma literatura típica de tempos sombrios. Seus autores não tiveram tempo para se afastar dos campos minados em que pisavam. Imergiram nas ruínas e nos apagamentos da História que marcaram o período, para captar os efeitos de uma realidade torturante na vida das pessoas.

São livros que se situam na encruzilhada do jornalismo com a história e a ficção, alguns já disponíveis para o público. Não precisam recorrer aos efeitos de magia para conduzir os leitores a um mundo verdadeiramente fantástico, transitando às vezes por aventuras e situações dolorosas, nas fronteiras de um país dizimado e ameaçado de destruição.

Críticos e estudiosos de literatura que irão analisá-los no futuro tratarão de situar as obras na memória de um período de horrores e absurdos, estigmatizado pela junção de dois vírus letais, o da pandemia de Covid-19 e o de um autoritarismo pestilento de viés fascista.


São fragmentos de histórias reveladoras de vivências carregadas de dor e perplexidade, enfrentadas pelos habitantes confinados em suas casas. Uma realidade turbulenta, em que se combinam as agressões vindas do exterior com a ansiedade das perdas e as dores do luto familiar, num país atacado pelo negativismo, o fanatismo religioso e o irracionalismo.

Ao mesmo tempo, as pessoas lutam para manter a sanidade. Tocam o violão e a vida diária em suas atividades, saem em busca de novas soluções, num processo desigual de renovação e de resistência. Talvez fosse mais fácil ficar preso entre os tanques nos engarrafamentos da estrada, fingindo que nada daquilo estava acontecendo. Muitos saíram feridos, tiveram medo da depressão e da morte, mas a coragem venceu.

Livros foram gestados e escritos. O primeiro que apresento é o de Julián Fuks, Lembremos do futuro, isso tudo vai passar. Crônicas do tempo da morte do tempo, da Companhia das Letras. Vencedor do Prêmio Jabuti de melhor livro do ano em 2015, com o romance A Resistência, Fuks seduz o leitor com a alegoria de sua reflexão: “Penso na dor de um combalido país, um país maltratado e envilecido por alguns homens soturnos, e quase chego a pensar que o futuro não será grande o bastante para redimir essa tristeza, para realizar tão imenso luto”.

“Mas sim, é claro que sim, afirmo a mim mesmo com toda a certeza, o futuro renasce da mesma terra em que se calcina, o futuro se eterniza como o povo em gerações sucessivas; (…) Não tarda o dia em que os solitários se farão multidão, o silêncio se fará grito e ensurdecerá esses homens terríveis, e calará seus velhos pensamentos, eles todos vão passar, todos eles, vão passar, tudo isso, isso tudo vai passar.”

Julián Fuks lançou uma coletânea com 30 crônicas escritas no período mais crítico da pandemia. Seus textos refletem sobre a perda e a solidão, a fragmentação do tempo e as incertezas futuras de um país. Abrindo sempre espaço para outras manifestações da vida, por onde passa a esperança, com a qual podemos reconstruir e construir o futuro.

Num livro em que também aborda as conseqüências do presente no futuro, o jornalista e ensaísta Paulo Roberto Pires lançou Diante do fascismo – crônicas de um país à beira do abismo, pela Editora Tinta da China. Textos escritos para as revistas Época e Quatro Cinco Um, cobrindo o período de março de 2018 a março deste ano.

Pires dirige um olhar duro e sarcástico sobre esse tempo de dispersão e calamidades. Entra no debate público sem medo, critica a autoproclamada isenção de intelectuais que não assumem posição. Com a chegada do coronavírus e a radicalização do governo Bolsonaro, passa a se referir a ele como a encarnação da “barbárie fascista”. Deixa para o futuro o testemunho límpido e veemente de um escritor num momento crítico do país.

Autor de O drible, o jornalista, escritor e colunista da Folha de S.Paulo Sérgio Rodrigues apresenta seu novo romance, A vida Futura, da Cia das Letras. Uma inventiva ficção em que os escritores José de Alencar e Machado de Assis visitam o Rio de Janeiro do século 21 e têm suas vidas envolvidas com milicianos.

O sociólogo, ex-militante e exilado Liszt Vieira reaparece com A democracia Reage, O Brasil de 2020 a 2022, que se segue à Democracia resiste, 2018/20, pela editora Garamond. Pioneiro nas lutas do movimento verde, Liszt atua como um regente ao pôr em discussão questões da resistência democrática, da pandemia e do meio ambiente.

Em seu vasto painel histórico, o jornalista Laurentino Gomes lançou o volume 3 de sua trilogia sobre a escravidão: Da Independência do Brasil à Lei Áurea. Em 1822, a compra e venda de gente era o maior negócio do novo país independente, quando os escravos representavam cerca de 1/3 da população. Último volume é dedicado ao século 19 e passa pelo movimento abolicionista até a lei Áurea, de 1888. Laurentino expõe o infame legado da escravidão, que permanece arraigado na vida dos brasileiros.

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