sábado, 5 de fevereiro de 2022

A cidade que vive nas ruas

Quem caminha pela região central de São Paulo certamente já notou. Aumentou enormemente a população de rua na cidade. O novo Censo da População em Situação de Rua tenta medir o tamanho do problema: são 32 mil pessoas que o desemprego e a falta de moradia empurraram para as calçadas. O número é o dobro daquele que havia em 2015, no início da crise econômica, e é considerado subestimado por organizações sociais que atendem a esse público.

É vergonhoso que tenhamos tanta gente na rua. E, como não se via há muito tempo, temos agora famílias inteiras, com crianças. Vinte e oito por cento dos moradores de rua de São Paulo estão com a família, e há quase mil crianças e adolescentes na rua.


Setenta e um por cento dessa população são negros ou pardos, quase o dobro do percentual no total da cidade (37%). Vinte e sete por cento deste contingente estão na rua há menos de dois anos, um período difícil, no qual a economia e o emprego sofreram o impacto da pandemia. Outros 29% estão nas ruas entre dois e cinco anos, mais ou menos o período de nossa crise econômica.

Quarenta e três por cento das pessoas em situação de rua não trabalham, e 34% vivem de bico. Entre os que têm algum tipo de trabalho, 79% ganham menos de um salário mínimo. A maioria não consegue um emprego regular, pois, além da competição com outros desempregados, não pode se candidatar a um posto por não ter residência fixa. Falta de moradia e desemprego se retroalimentam, num círculo vicioso.

Sem nenhuma surpresa, a solução, segundo as próprias pessoas em situação de rua, é oferecer moradia e emprego dignos. Quarenta e seis por cento acreditam que a solução é ganhar moradia permanente, e 23% creem que é receber emprego. Enquanto isso não vem, esse enorme contingente só pode contar com abrigos, restaurantes populares e as políticas de transferência de renda.

É muito triste termos mais de 30 mil morando nas ruas de São Paulo. São pessoas que precisam optar entre viver em barracas ou se submeter às severas e inflexíveis regras dos abrigos. São pessoas que precisam enfrentar as filas dos restaurantes populares e torcer para que mudanças bruscas nas políticas sociais não as deixem sem o jantar ou ter o que comer no fim de semana. São pessoas que não têm acesso a um banho regular, nem à água potável.

Uma parte desses mais de 30 mil é de cidadãos, como você e eu, que perderam o emprego e foram despejados das suas casas. Outra parte é de pessoas que brigaram com a família e terminaram na rua ou que têm algum problema mental ou dificuldade com álcool ou drogas —como muitos nas nossas famílias.

Somos um país de renda média e, se quisermos, temos condições para tirar essas pessoas das ruas. Gente vivendo na rua pode ser um problema pequeno e difícil de resolver, como mostra a experiência de países com boas políticas sociais. Mas, nesta escala, de dezenas de milhares, nós sabemos bem como enfrentar: precisamos oferecer moradia e emprego — e, na impossibilidade de emprego, dar algum tipo de renda. Política habitacional e política de transferência de renda já compõem o nosso repertório de políticas públicas. É preciso empenho.

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