Os dois anos de pandemia vieram demonstrar, da forma mais global e eloquente, que a incerteza faz sempre parte do jogo da vida. Enquanto humanos, muito mais do que as outras espécies animais, temos esta capacidade, apurada por anos de evolução, de conseguir planear e até ler, com alguma acurácia, os sinais do futuro – mas não podemos admirar-nos quando tudo muda repentinamente. Geralmente, somos surpreendidos quando ficámos a olhar para os sinais errados, menosprezando as indicações ou as informações que poderiam ter-nos posto de sobreaviso. A ainda curta história deste século tem sido pródiga a demonstrá-lo: o mundo acordou horrorizado e espantado com os ataques de 11 de setembro de 2001, mas depois percebeu-se que, afinal, os serviços secretos americanos tinham recebido diversos alertas sobre o que estava a ser preparado; as grandes agências de rating foram incapazes de prever a crise financeira de 2008, apesar dos sinais evidentes que se iam acumulando; finalmente, o mundo inteiro ficou surpreendido com a erupção de uma pandemia de coronavírus, há anos anunciada por umas quantas vozes que, como se viu, pouco eram escutadas.
É importante ter consciência disso, nesta época, em que todos, de uma forma ou de outra, nos dedicamos ao exercício de fazer o balanço dos últimos 12 meses e tentamos, em simultâneo, projetar os próximos 12, com as habituais e tantas vezes ilusórias resoluções de Ano Novo.
O futuro é, por natureza e definição, sempre incerto, como o 2022 se encarregará de demonstrar, uma vez mais. E se há certeza que podemos ter é a de que continuaremos a viver com incertezas. Não devemos esperar, aliás, outra coisa em relação à evolução da Covid-19. E se aceitarmos esse facto, mais depressa deixaremos de aceitar que o espaço público seja continuamente inundado por vozes repletas de certezas, sempre a prometer um futuro que depois raramente se concretiza. O que se pede em matéria de saúde pública – e no combate a um vírus que há apenas dois anos ninguém sabia que existia e cujo comportamento continua a ser imprevisível – é, acima de tudo, mais humildade na comunicação e menos ânsia em querer ser o primeiro a trazer as “boas notícias”. A grande falha nas previsões radica sempre no mesmo problema: em concentrar a atenção e o discurso não na realidade, mas antes naquilo que gostaríamos que ela fosse – negligenciando os riscos mais difíceis de perceber e valorizando, tantas vezes, a solução mais fácil.
Já se percebeu que até poderemos libertar-nos da pandemia, mas não vamos libertar-nos tão cedo do vírus. Ele vai continuar a andar por aí. E, mesmo que adote versões menos malignas, ainda demorará algum tempo até percebermos todos os efeitos que este SARS-CoV-2 causa nos organismos que infetou. Para já, por exemplo, ficámos a saber por um estudo publicado na Nature que o vírus é capaz de se espalhar por todo o corpo e permanecer durante meses nos mais diversos órgãos. E ao termos a certeza desse facto aumenta, naturalmente, a incerteza sobre os efeitos da chamada Covid longa, que continuará a preocupar os profissionais de saúde sabe-se lá até quando.
O que podemos esperar deste 2022 é que algumas realidades que dávamos como certas vão ser abaladas e até, quem sabe, substituídas por outras. É isso que sucederá, de forma natural, se deixarmos a ciência seguir o seu caminho, sem interferências. E um dos acontecimentos mais excitantes que se preveem para o próximo ano é o da entrada em funcionamento do novo e superpotente telescópio espacial James Webb – um aparelho que vai permitir-nos ver algo que existe, mas que sempre esteve invisível para os nossos olhos. Vai ajudar-nos também a perceber melhor o nosso lugar na imensidão de um universo que, finalmente, poderemos passar a conhecer melhor. Esperam-se descobertas entusiasmantes – de certeza!
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