A justificativa oficial é de que os militares são tão capazes quanto os civis. Pode ser, mas como a comparação dispensa exames para atestar sua veracidade, tome-se isso como mera opinião.
O mais provável é que Bolsonaro militarizou seu governo com a pretensão de tornar-se “imbrochável, imorrível e incomível”, como disse um dia. Acrescente-se: inderrubável.
Como dono de um vocabulário primário e raso, tais expressões, ausentes de ilustres dicionários, são contribuições que ele dá para enriquecer a língua portuguesa.
A quantidade recorde de militares foi a maneira que Bolsonaro encontrou de retribuir o apoio que recebeu deles para eleger-se presidente. Essa história está à espera de ser bem contada.
Foi vista também por muitos civis como o modo de os militares voltarem legitimamente ao poder, de onde saíram pelas portas dos fundos quando a ditadura se esgotou em 1985.
De resto, ocupando posições de destaque, os militares poderiam controlar de perto o ex-capitão indisciplinado que eles mesmos afastaram do Exército por conduta antiética.
Falharam na missão. É o ex-capitão que os controla, demitindo ou calando os que o contrariam e estimulando generais, quando acha conveniente, a rasgarem os regulamentos militares.
A compra de vacinas a preço superfaturado trincou de vez a narrativa veladamente cultivada dentro dos quartéis de que os militares são também mais patriotas e honestos do que os civis.
O general Eduardo Pazuello não saiu do Ministério da Saúde porque recusou-se a pagar “pixulé” a políticos que o assediavam por mais verbas para seus redutos eleitorais e seus bolsos.
Saiu porque a pandemia se espalhara a tal ponto que alguma cabeça teria de ser entregue para salvar a cabeça do presidente, sócio do coronavírus e responsável pelo avanço da doença.
Agora, os militares que Pazuello levou para o ministério, e que ficaram por lá, estão encrencados com a roubalheira que só veio à luz porque um deputado bolsonarista decidiu denunciá-la.
Não o fez por amor ao país acima de tudo, só abaixo de Deus. Mas por amor ao irmão, servidor do ministério, exonerado por discordar da maracutaia que estava em curso.
A ação do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) reverteu a exoneração do irmão, mas empurrou Bolsonaro para uma sinuca de bico: como defender-se sem sacrificar ex-colegas de farda?
É por isso que, em pouco mais de 10 dias, o governo já ofereceu pelo menos três versões diferentes para o que possa ter acontecido nos porões do ministério. É por isso que Bolsonaro está calado.
Quem, como ele, no passado, dizia, em tom desafiador, “Me chama de corrupto”, convencido de que a pecha jamais colaria em si, hoje começa a ser chamado de corrupto por ruidosas multidões.
Mais vacinas, impeachment, Bolsonaro genocida foram slogans que alimentaram as duas manifestações de rua anteriores contra o governo. A de ontem deu passagem à acusação de corrupção.
A voz do bolsonarismo nas redes sociais está confusa e fraca. Como defender seu guia sem jogar a culpa no líder do governo na Câmara Ricardo Barros (PP-PR) e nos militares da tropa de Pazuello?
Como defendê-lo se, de uma hora para outra, poderá surgir a vacina na cueca, quer dizer, o áudio onde Bolsonaro prometeu ao deputado Miranda que investigaria a denúncia e não investigou?
Forçada pelo Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria-Geral da República abriu inquérito contra Bolsonaro por suspeita de prevaricação. Ao fim e ao cabo, ele não será denunciado.
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