quinta-feira, 1 de abril de 2021

Bolsonaro e a escada do caos

Jair Bolsonaro se alimenta do caos. Ele precisa da confrontação, da provocação e da contradição. O conflito constante é seu motor. Já era assim durante o tempo dele como militar de baixo escalão, quando planejou detonar uma bomba na lavanderia de uma caserna para obter um soldo mais alto.

A coisa continuou quando, no começo dos anos 90, ele se tornou o deputado cuja marca registrada era insultar outros cidadãos, sobretudo da esquerda ou de minorias, desejar-lhes morte, violência e tortura. Repetidamente em sua carreira, Bolsonaro defendeu a ditadura militar brasileira e, sem inibições, expressou fantasias totalitárias.

Como presidente, aperfeiçoou o método da quebra de tabu. Desde a posse, em janeiro de 2019, ele e seus filhos, assim como um círculo de deputados, assessores e propagandistas fiéis, bombardeiam o país semanalmente com novos descalabros, mentiras, provocações e ameaças. Elas não são a exceção, mas sim a regra.

Esse método serve para criar uma sensação constante de estado de exceção. "O caos é uma escada", diz Petyr Baelish, o sinistro conselheiro dos poderosos da série Game of Thrones. Esse é o princípio do bolsonarismo: na escada do caos agitado por ele próprio, ele quer subir cada vez mais e ampliar seu poder.

É por essa ótica que se deve ver a renúncia forçada dos três chefes das Forças Armadas brasileiras. Como tantas vezes nos últimos anos, diversos observadores, sobretudo correspondentes estrangeiros, falam de "caos no Brasil" e perguntam como interpretar a coisa toda. Alguns já anunciam o breve fim da presidência Bolsonaro, tendo perdido o apoio dos militares.

A leitura mais costumeira afirma: generais corajosos se opuseram a Bolsonaro para protestar contra sua tentativa de instrumentalizar as Forças Armadas para seus fins políticos. Ele teria pretendido empregar o Exército contra os lockdowns antipandemia decretados pelos governadores, além de ter contado com mais cobertura na eterna luta com o Supremo Tribunal Federal, que barra alguns de seus intentos mais radicais.

Com a tomada de posição conjunta, os líderes do Exército, Marinha e Aeronáutica teriam agora demonstrado que as Forças Armadas não são um instrumento bolsonarista, mas sim do Estado, e que estão firmemente plantados no solo da Constituição democrática. Até mesmo a esquerda brasileira exultou diante dessa suposta sensatez dos generais.


Na verdade, por trás dos acontecimentos se oculta a lógica interna do bolsonarismo, a do agravamento constante da crise. Em meio à pior fase da pandemia – uma média de cerca de 3 mil brasileiros morre a cada dia de covid-19 – Bolsonaro invoca um conflito com os máximos escalões militares, por supostamente não serem suficientemente fiéis ao regime.

Não é uma ruptura com os militares, em si, mas sim com os velhos senhores do Supremo Comando. Ao mesmo tempo, é um sinal para que os escalões mais jovens, mais baixos e também mais politicamente radicais, se atrelem mais firme ao presidente. "Esta é a tua chance", é a mensagem aos oficiais cujo entusiasmo por Bolsonaro era, desde o início, maior do que o dos generais, para quem o capitão da reserva era antes um bizarro estranho no ninho.

O cancelamento dos três chefes de armas aponta, ao mesmo tempo, para uma radicalização ainda maior do bolsonarismo. Para ele, já não basta mais procurar seus inimigos do lado de fora, ou seja, na esquerda. Agora é excluído quem não seja suficientemente bolsonarista.

Já foi assim com diversos ex-ministros, sendo os exemplos mais notórios os ex-chefes de pasta da Justiça Sérgio Moro e da Saúde Henrique Mandetta. Hoje, eles são vistos no movimento bolsonarista como traidores e infiltrados pela esquerda.

A ação de faxina continua agora com os veteranos militares. Quem expresse crítica ou hesitação é isolado e condenado como herege pelos tribunais bolsonaristas nas redes sociais. Desse modo, o bolsonarismo se encurrala cada vez mais – o que não é o prenúnco de nada de bom: o movimento deve se tornar mais paranoico, mais incalculável e mais perigoso.

Do outro lado dos turbulentos acontecimentos da semana corrente, estão os militares, que são saudados de todos os lados com atestados de responsabilidade político-estatal, mesmo por parte das forças esquerdistas e moderadas. Mas a verdade é que as Forças Armadas até hoje fomentam o circo bolsonarista.

Segundo o Tribunal de Contas, mais de 6 mil militares têm cargos no governo – mais da metade do que sob o presidente Michel Temer, que começou com a nomeação em massa dos uniformizados. Outra estimativa chega a 342 militares nos postos mais altos e mais bem pagos da já gigantesca maquinaria governamental de Brasília.

Eles estão por toda parte, do palácio presidencial aos órgãos ambientais, passando pelo Ministério da Saúde, e comandam quase um terço das firmas estatais. Não é sem motivo que observadores comparam o quadro ao da Cuba ou da Venezuela, onde numerosas empresas estão nas mãos dos militares.

Por isso não se pode falar de um racha entre as Forças Armadas e Bolsonaro. Nos pontos políticos fundamentais, reina consenso: a interpretação da ditadura militar como revolução necessária para deter o comunismo; o total rechaço de um processamento judicial da ditadura; o prosseguimento da ocupação e exploração da Amazônia, também das reservas indígenas; e, claro, a entrega dos cargos lucrativos aos homens de uniforme.

Portanto a explicação das renúncias dos chefes militares é menos uma questão de diferenças de opinião fundamentais do que de considerações táticas. Os militares procuram se distanciar da catastrófica política de Bolsonaro na crise do coronavírus.

Até alguns dias atrás, essa política ainda era codefinida pelo general Eduardo Pazuello, enquanto ministro da Saúde. Agora os generais parecem ter notado que, em algum momento, poderão ser responsabilizados pelos cerca de 3 mil brasileiros mortos diariamente.

Sobretudo os conservadores queriam ver, até agora, os militares como força equilibradora no governo Bolsonaro. Ao contrário dos ideólogos (malucos) encabeçados pela ministra da Família Damares Alves, e do ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo (agora afastado), os uniformizados teriam um efeito moderador e procurariam soluções pragmáticas.

Essa lenda não é mais sustentável desde a pandemia de covid-19. O Brasil está diante de uma catástrofe do sistema de saúde pela qual é o próprio culpado. As Forças Armadas aparentemente agora querem fazer de conta que não têm qualquer responsabilidade por isso. Para Bolsonaro, a confusão resultante é a chance de ocupar com seus acólitos cargos importantes no aparato militar.

O caos é uma escada. Por ela se sobe, até que se despenca. A escada de Bolsonaro balança, mas ele ainda continua subindo.

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