Foi patética a apresentação dos novos comandantes. Toda a cena — na verdade, todo o episódio — lembrava os piores momentos da ditadura. O país não foi informado sobre o que levou o presidente a demitir o ministro da Defesa e os três comandantes das Forças. A democracia exige transparência dos atos do setor público. O general Braga Netto fez um discurso em cadência castrense, curto e ambíguo. Os três se perfilaram como na frente de um pelotão e saíram sem dar palavras. Toda a cerimônia durou 2 minutos e 30 segundos. Isso depois de uma Ordem do Dia cheia de mentiras sobre os fatos históricos.
O que Bolsonaro quis com tudo isso? Ele criou esse estridente ruído no 31 de março, data que venera, deliberadamente. Os militares da ativa garantem aos seus interlocutores que as Forças Armadas continuarão evitando a politização nos quartéis. Mas, para Bolsonaro, não importa o que é, e sim o que parece ser. Ele quis dar a impressão de que pode fazer o que quiser com o “seu” Exército, “suas” Forças Armadas. Ele quer que acreditem que elas estão alinhadas a ele.
Bolsonaro é comandante em chefe das Forças Armadas, como foram Dilma Rousseff, Lula, Fernando Henrique e Michel Temer. Como me disse um general esta semana, “prestamos as homenagens ao cargo, mas é absurdo pensar em alinhamento ao governo em si”. Bolsonaro quer mostrar que está tudo controlado, porque isso deixa a sua turba exultante, e os adversários, acuados. Os extremistas que o seguem, como lobotomizados, tinham sofrido um revés. A demissão de Ernesto Araújo foi imposta a Bolsonaro pelo Senado. Para não parecer derrotado, ele criou uma crise militar.
O alvo dele era o general Edson Pujol. Ele queria uma vassalagem digital que Pujol não quis dar, mas que o Brigadeiro Batista Jr., o novo comandante da Aeronáutica, já oferece. Ativo na rede social, o brigadeiro tem postagens identificadas com os bolsonaristas. Havia um outro problema com Pujol. A inveja de Bolsonaro. Segundo explicação de quem está bem perto do presidente: “É briga antiga. Pujol é um destaque inconteste pois além de excelente aluno realizou todos os cursos operacionais. Alia o físico ao intelecto.” Bolsonaro fracassou na carreira militar, como se sabe. E fracassa como presidente porque, na explicação de um general que conviveu com ele, falta ao presidente qualquer “noção institucional”. Bolsonaro não entendeu a função de cada instituição ou cada órgão de governo.
Os brasileiros estão morrendo aos milhares. Ontem foram 3.950, novo recorde diário. Somos, há vários dias, o país onde mais se morre por Covid-19. A pandemia está fora de controle. O Brasil vive dor excruciante. A culpa maior é de Bolsonaro. Essa última crise, artificial e desnecessária, foi criada por ele no momento em que o país virou uma aberração diante do mundo. Trocar comandantes das Forças Armadas no meio de uma pandemia é o retrato de um país caótico. E ele insiste. Ontem, logo depois da primeira reunião do comitê de coordenação para o enfrentamento da Covid, o presidente apareceu dizendo que era preciso mandar “o povo trabalhar”.
No discurso, Braga Netto disse que o dia era histórico. Segundo o ministro, as “Forças Armadas não faltaram no passado e não faltarão agora” e vão garantir “os poderes constitucionais e as liberdades democráticas”. Na Ordem do Dia, Braga Netto havia defendido “celebrar” o “movimento de 64”, que teria garantido “as liberdades democráticas que hoje desfrutamos”. Isso é mentira. Várias mentiras numa ordem só. A verdade: foi um golpe que gerou 21 anos de ditadura e a liberdade de hoje é resultado da luta contra aquele regime. A garantia dessa liberdade vem, claro, da Constituição, à qual as Forças Armadas estão submetidas. Em que democracia do mundo se permite que o governo mande celebrar um golpe militar? Quanta infâmia o país ainda vai tolerar?
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