domingo, 28 de fevereiro de 2021
Estapafúrdio produzido por Bolsonaro e apoiado por generais tem a ver com intenções definidas
A incógnita mais expressiva, dentre as muitas atuais, é simples como formulação e inalcançável na resposta. Dado que estão explicitados os indícios de golpismo e a incompetência espetaculosa dos militares no governo, o que fará o Exército na possível transformação da pandemia em tragédia de massa, um país sufocado pela peste, carente de tudo menos de morte?
A marca de um ano exato do primeiro caso de Covid-19 no Brasil encontrou os estados em desespero com o recorde de casos e a ausência de leitos, vacinas, pessoal e outros recursos. Uma antevisão das previsões e alertas que as vozes mais competentes estão fazendo, inclusive a Organização Mundial da Saúde, caso persista o incentivo de Bolsonaro e do seu governo à calamidade.
O já célebre depoimento do general Eduardo Villas Bôas sobre a ameaça que fez ao Supremo, em nome do Exército, é claro na desmistificação da conversão desses militares ao Estado constitucional de Direito e à democracia.
Ressalva a fazer-se é a ausência até de mera informação aos comandos da Marinha e da FAB sobre a ameaça, como dito pelo entrevistado. Risco de discordância, é claro. E isso, não sendo certeza, pode ser indício de promissora evolução na Marinha e na FAB, oficialidades muito mais dotadas de preparo geral, para civilizar-se, do que no Exército.
Já é bem difundida a impressão, ou a convicção, de que todo o estapafúrdio produzido por Bolsonaro e apoiado pelos generais tem a ver com intenções definidas. Há bastante coerência nos atos amalucados, que são bem aceitos pelos generais também por uma comunhão não declarada nem gratuita.
A propaganda do falso tratamento com cloroquina cedo se mostrou como objetivo. Não só para desacreditar as recomendações científicas. Também para ações de governo que custaram milhões ao dinheiro público — e aí estava o Exército a fabricar quantidades montanhosas da droga enganadora.
O próprio Ministério da Saúde, o mais militarizado setor civil da administração pública, foi posto como indutor da droga ineficaz. Bolsonaro continua condenando as máscaras e estimulando aglomerações. E, sobre tudo o mais, a sabotagem a vacinas excedeu a incompetência. É muito mais e muito pior.
Por trás disso houve e há algo. Esse desatino não resistiria, para chegar à dimensão que alcançou, sem um propósito a sustentá-lo.
Não faz sentido o envolvimento, sem motivações especiais, de um governante em propaganda de remédio e em combate ao conhecimento científico provado e comprovado. Com esse meio de disseminar a morte, porém, combina-se um outro de fim idêntico.
No seu primeiro ato pela difusão da posse de arma, Bolsonaro alegou direito da cidadania de se defender. Sucessivos agravamentos dessa facilitação à criminalidade chegaram, agora, ao desmentido definitivo do propósito apresentado por Bolsonaro: novos decretos permitem até 15 armas para o cidadão comum, 30 armas para quem se apresente como caçador, 60 armas para quem se registre como atirador, munição a granel. Arsenais sem relação alguma com defesa pessoal. Mas não sem objetivo de quem os libera e dos militares, em especial do Exército, que dão o apoio.
As intenções inconfessas que enlaçam as atitudes de Bolsonaro, em temas como a pandemia e o armamento de civis, têm corrido sem dificuldade. Mas alguma coisa mudou nas últimas semanas. O Supremo mudou. Por quanto tempo e se para ser supremo sem temor e sem prazo, no momento, importa menos. Aproveite-se enquanto dure, que a necessidade do país é extrema.
Quando quatro ministros do STF decidiram trabalhar nas férias de dezembro e janeiro, a boa novidade foi noticiada como precaução contra propensões do recém-eleito presidente Luiz Fux. Revelou-se muito mais do que isso.
De Ricardo Lewandowski vieram, e continuam vindo, decisões que enfrentam desvios na política antivacinas do governo, o mesmo quanto às mais recentes revelações de ordinarices judiciais, políticas e policiais na Lava Jato, e outras de mesmo peso.
Alexandre de Moraes encarou, e não tem cedido nem milímetros, as ameaças ao Supremo, as patifarias nas redes, os indícios que recaem na Presidência da República.
Rosa Weber deu ao governo cinco dias, expirados ontem, para justificar o pacote das armas. Edson Fachin tomou a defesa verbal do Estado de Direito. E vai o Supremo por aí, ou parte dele, mudado, posto de pé e cabeça erguida.
Os negociantes do Congresso continuam negociando. O poder econômico, idem. Se a defesa da democracia não vier do Supremo, talvez só tenhamos resposta para a incógnita de Bolsonaro sob a forma de fato consumado. E a pandemia, como se agrava aqui, facilita.
A marca de um ano exato do primeiro caso de Covid-19 no Brasil encontrou os estados em desespero com o recorde de casos e a ausência de leitos, vacinas, pessoal e outros recursos. Uma antevisão das previsões e alertas que as vozes mais competentes estão fazendo, inclusive a Organização Mundial da Saúde, caso persista o incentivo de Bolsonaro e do seu governo à calamidade.
O já célebre depoimento do general Eduardo Villas Bôas sobre a ameaça que fez ao Supremo, em nome do Exército, é claro na desmistificação da conversão desses militares ao Estado constitucional de Direito e à democracia.
Ressalva a fazer-se é a ausência até de mera informação aos comandos da Marinha e da FAB sobre a ameaça, como dito pelo entrevistado. Risco de discordância, é claro. E isso, não sendo certeza, pode ser indício de promissora evolução na Marinha e na FAB, oficialidades muito mais dotadas de preparo geral, para civilizar-se, do que no Exército.
Já é bem difundida a impressão, ou a convicção, de que todo o estapafúrdio produzido por Bolsonaro e apoiado pelos generais tem a ver com intenções definidas. Há bastante coerência nos atos amalucados, que são bem aceitos pelos generais também por uma comunhão não declarada nem gratuita.
A propaganda do falso tratamento com cloroquina cedo se mostrou como objetivo. Não só para desacreditar as recomendações científicas. Também para ações de governo que custaram milhões ao dinheiro público — e aí estava o Exército a fabricar quantidades montanhosas da droga enganadora.
O próprio Ministério da Saúde, o mais militarizado setor civil da administração pública, foi posto como indutor da droga ineficaz. Bolsonaro continua condenando as máscaras e estimulando aglomerações. E, sobre tudo o mais, a sabotagem a vacinas excedeu a incompetência. É muito mais e muito pior.
Por trás disso houve e há algo. Esse desatino não resistiria, para chegar à dimensão que alcançou, sem um propósito a sustentá-lo.
Não faz sentido o envolvimento, sem motivações especiais, de um governante em propaganda de remédio e em combate ao conhecimento científico provado e comprovado. Com esse meio de disseminar a morte, porém, combina-se um outro de fim idêntico.
No seu primeiro ato pela difusão da posse de arma, Bolsonaro alegou direito da cidadania de se defender. Sucessivos agravamentos dessa facilitação à criminalidade chegaram, agora, ao desmentido definitivo do propósito apresentado por Bolsonaro: novos decretos permitem até 15 armas para o cidadão comum, 30 armas para quem se apresente como caçador, 60 armas para quem se registre como atirador, munição a granel. Arsenais sem relação alguma com defesa pessoal. Mas não sem objetivo de quem os libera e dos militares, em especial do Exército, que dão o apoio.
As intenções inconfessas que enlaçam as atitudes de Bolsonaro, em temas como a pandemia e o armamento de civis, têm corrido sem dificuldade. Mas alguma coisa mudou nas últimas semanas. O Supremo mudou. Por quanto tempo e se para ser supremo sem temor e sem prazo, no momento, importa menos. Aproveite-se enquanto dure, que a necessidade do país é extrema.
Quando quatro ministros do STF decidiram trabalhar nas férias de dezembro e janeiro, a boa novidade foi noticiada como precaução contra propensões do recém-eleito presidente Luiz Fux. Revelou-se muito mais do que isso.
De Ricardo Lewandowski vieram, e continuam vindo, decisões que enfrentam desvios na política antivacinas do governo, o mesmo quanto às mais recentes revelações de ordinarices judiciais, políticas e policiais na Lava Jato, e outras de mesmo peso.
Alexandre de Moraes encarou, e não tem cedido nem milímetros, as ameaças ao Supremo, as patifarias nas redes, os indícios que recaem na Presidência da República.
Rosa Weber deu ao governo cinco dias, expirados ontem, para justificar o pacote das armas. Edson Fachin tomou a defesa verbal do Estado de Direito. E vai o Supremo por aí, ou parte dele, mudado, posto de pé e cabeça erguida.
Os negociantes do Congresso continuam negociando. O poder econômico, idem. Se a defesa da democracia não vier do Supremo, talvez só tenhamos resposta para a incógnita de Bolsonaro sob a forma de fato consumado. E a pandemia, como se agrava aqui, facilita.
A tragédia do negacionismo
O presidente Jair Bolsonaro bateu no teto do negacionismo quando atacou governadores e prefeitos que adotaram medidas de lockdown. Em Fortaleza, durante evento que causou aglomeração e ao qual compareceu sem máscara, na sexta-feira, disse: “Agora, o que o povo mais pede, e eu tenho visto, em especial no Ceará, é trabalhar. Essa politicalha do ‘fique em casa, a economia a gente vê depois’, não deu certo e não vai dar certo”. Aproveitou para ameaçar os governadores que não seguirem a sua cartilha: “O auxílio emergencial vem por mais alguns meses e, daqui para a frente, o governador que fechar seu estado, o governador que destrói emprego, ele é quem deve bancar o auxílio emergencial”.
Mirou, sobretudo, o governador cearense Camilo Santana (PT), que havia endurecido as medidas de distanciamento social. Fortaleza está com uma taxa de ocupação de leitos de UTI de 94%, sendo uma das capitais em risco de colapso do Sistema Único de Saúde (SUS). As demais são: Porto Velho (RO), 100%; Florianópolis (SC), 96,2%; Manaus (AM), 94,6%; Goiânia (GO), 94,4%; Teresina (PI), 93%; e Curitiba (PR), 90,0%. O país já contabilizou 10,4 milhões de casos e 252 mil óbitos por covid-19 desde o início da pandemia. Na véspera das declarações, Bolsonaro havia questionado o uso de máscaras, enquanto o país batia o recorde de mortos num único dia: 1.582.
Psicologicamente, negacionismo é uma forma de escapar de uma verdade desconfortável. Na ciência, o negacionismo é definido como a rejeição dos conceitos básicos, incontestáveis e apoiados por consenso científico a favor de ideias radicais e controversas. Costuma se fortalecer quando a sociedade se depara com situações de instabilidade, como essa crise sanitária, ou diante de algo nunca presenciado, um vírus novo e letal, como é o caso. O negacionismo apela para teorias e discursos conspiratórios, que acabam favorecendo disputas ideológicas, interesses políticos e religiosos. Bolsonaro é paranoico, vê conspiração em tudo. Acredita que os defensores do lockdown (medida para conter a velocidade de propagação do vírus e evitar o colapso do sistema de saúde) querem desestabilizar seu governo e aprovar o seu impeachment.
No governo, além de Bolsonaro, os ministros de Relações Exteriores, Ernesto Araujo; do Meio Ambiente, Ricardo Salles; e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, em suas respectivas pastas, estão na linha de frente do negacionismo. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, também fez parte desse time. Sua responsabilidade no colapso do SUS em Manaus, por falta de oxigênio, está sendo investigada, assim como no atraso da compra de vacinas, inclusive, as que estão sendo produzidas no Brasil, como a CoronaVac (Instituto Butantan); a Oxford (Fiocruz) e a Sputnik V (União Química, privada). Agora, corre atrás das vacinas da Pfizer, que negocia desde agosto e refugou em setembro passado.
O negacionismo é insidioso e perigoso, pois atua no campo ideológico para influenciar a opinião pública e legitimar governantes com posições anticientíficas. Com isso, pode resultar em tragédias humanitárias. É o caso da epidemia de Aids na África do Sul, que chegou a registrar 5,4 milhões infectados, para uma população de 48 milhões de pessoas. O ex-presidente sul-africano Thabo Mbeki (1999-2008) ficou para a história como o principal negacionista do HIV/Sida, que mandou tratar com erva, o que custou a vida de mais de 300 mil pessoas. Há quem exija que seja julgado por crimes contra a humanidade.
A negligência no combate à pandemia, a negação das vacinas e a insistência na promoção de tratamentos comprovadamente ineficazes contra a covid-19, pelo presidente Jair Bolsonaro, porém, provocou ampla mobilização de médicos, pesquisadores e entidades científicas, que atuam nos meios de comunicação e nas redes sociais para combater a fake news e explicar à população o que realmente está acontecendo. O negacionismo irresponsável é tanto que até hoje o governo não fez uma campanha oficial de esclarecimento e incentivo à vacinação, que é a última fronteira do combate ao negacionismo em relação à pandemia da covid-19.
Mirou, sobretudo, o governador cearense Camilo Santana (PT), que havia endurecido as medidas de distanciamento social. Fortaleza está com uma taxa de ocupação de leitos de UTI de 94%, sendo uma das capitais em risco de colapso do Sistema Único de Saúde (SUS). As demais são: Porto Velho (RO), 100%; Florianópolis (SC), 96,2%; Manaus (AM), 94,6%; Goiânia (GO), 94,4%; Teresina (PI), 93%; e Curitiba (PR), 90,0%. O país já contabilizou 10,4 milhões de casos e 252 mil óbitos por covid-19 desde o início da pandemia. Na véspera das declarações, Bolsonaro havia questionado o uso de máscaras, enquanto o país batia o recorde de mortos num único dia: 1.582.
Psicologicamente, negacionismo é uma forma de escapar de uma verdade desconfortável. Na ciência, o negacionismo é definido como a rejeição dos conceitos básicos, incontestáveis e apoiados por consenso científico a favor de ideias radicais e controversas. Costuma se fortalecer quando a sociedade se depara com situações de instabilidade, como essa crise sanitária, ou diante de algo nunca presenciado, um vírus novo e letal, como é o caso. O negacionismo apela para teorias e discursos conspiratórios, que acabam favorecendo disputas ideológicas, interesses políticos e religiosos. Bolsonaro é paranoico, vê conspiração em tudo. Acredita que os defensores do lockdown (medida para conter a velocidade de propagação do vírus e evitar o colapso do sistema de saúde) querem desestabilizar seu governo e aprovar o seu impeachment.
No governo, além de Bolsonaro, os ministros de Relações Exteriores, Ernesto Araujo; do Meio Ambiente, Ricardo Salles; e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, em suas respectivas pastas, estão na linha de frente do negacionismo. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, também fez parte desse time. Sua responsabilidade no colapso do SUS em Manaus, por falta de oxigênio, está sendo investigada, assim como no atraso da compra de vacinas, inclusive, as que estão sendo produzidas no Brasil, como a CoronaVac (Instituto Butantan); a Oxford (Fiocruz) e a Sputnik V (União Química, privada). Agora, corre atrás das vacinas da Pfizer, que negocia desde agosto e refugou em setembro passado.
O negacionismo é insidioso e perigoso, pois atua no campo ideológico para influenciar a opinião pública e legitimar governantes com posições anticientíficas. Com isso, pode resultar em tragédias humanitárias. É o caso da epidemia de Aids na África do Sul, que chegou a registrar 5,4 milhões infectados, para uma população de 48 milhões de pessoas. O ex-presidente sul-africano Thabo Mbeki (1999-2008) ficou para a história como o principal negacionista do HIV/Sida, que mandou tratar com erva, o que custou a vida de mais de 300 mil pessoas. Há quem exija que seja julgado por crimes contra a humanidade.
A negligência no combate à pandemia, a negação das vacinas e a insistência na promoção de tratamentos comprovadamente ineficazes contra a covid-19, pelo presidente Jair Bolsonaro, porém, provocou ampla mobilização de médicos, pesquisadores e entidades científicas, que atuam nos meios de comunicação e nas redes sociais para combater a fake news e explicar à população o que realmente está acontecendo. O negacionismo irresponsável é tanto que até hoje o governo não fez uma campanha oficial de esclarecimento e incentivo à vacinação, que é a última fronteira do combate ao negacionismo em relação à pandemia da covid-19.
Tragédia do desequilibrado
O desequilíbrio de Bolsonaro é proporcional à tragédia humana que o negacionismo provocou no BrasilJoão Doria, governador de São Paulo
Pandemia mata os pobres e a classe média, mas poupa as elites
A pandemia da covid-19 parece ser um flagelo de Deus eivado de extrema injustiça, porque atinge preferencialmente os pobres e a classe média baixa. Pode-se alegar que sempre foi assim, as elites sempre estiveram mais protegidas. Realmente é verdade, porque quem tem mais recursos pode se isolar e fazer uma melhor quarentena. Mas desta vez, no caso da covid-19, a desigualdade social ficou ainda mais patente, porque os governantes e as elites podem usar recursos que estão inacessíveis aos pobres e à classe média.
Por volta do ano 541 d.C., a humanidade enfrentou a peste bubônica, que foi perdendo a intensidade, porém durou mais de 200 anos. Depois, ressurgiu em 1343, sob o codinome de Peste Negra, durou dez anos até perder a intensidade, matou um terço da população da Europa e resistiu até o começo do século XIX. Pode ter matado até 200 milhões de pessoas. Foi a pior pandemia de todos os tempos.
Em 1580, surgiu a primeira pandemia de gripe, que se espalhou por Ásia, Europa, África e pela recém- colonizada América.
Séculos depois, em 1889, a Gripe Russa foi a primeira a ser documentada com detalhes, com proliferação inicial de duas semanas sobre o Império Russo e chegando até o Rio de Janeiro. Ao todo, um milhão de pessoas morreram por conta desse subtipo da Influenza A. Na mesma época, houve na Europa as epidemias de cólera, mas com menos mortes, por serem controladas com melhoria no abastecimento de água.
Em 1918, a Gripe Espanhola causou a morte de até 50 milhões de pessoas, afetando não só idosos e pacientes com sistema imunológico debilitado, como também jovens e adultos. Com possível origem nos Estados Unidos, essa enfermidade quase dizimou as populações indígenas americanas e levou a óbito cerca de 35 mil brasileiros.
A grande diferença para a covid-19 é que desta vez a Humanidade tem recursos para enfrentar a pandemia. E não espanta o fato de as mortes ocorram basicamente entre os pobres e a classe média. Mas qual é o verdadeiro motivo dessa situação, além da facilidade de as elites fazerem quarentena?
Na verdade, no Brasil e no mundo a situação é semelhante, porque toda doença é mais facilmente combatida quando descoberta no início. Eureka! Bingo! Bestial! É por isso que em nosso injusto país, a contaminação de alguma autoridade ou figura de elite sempe é divulgada assim pela imprensa: “Fulano testou positivo para coronavirus”.
Foi assim com o presidente Jair Bolsonaro, com o vice Hamilton Mourão, com muitos outros ministros, integrantes das Forças Armadas e demais membros das classes dominantes, como se dizia antigamente. A diferença entre eles e o resto da população é que sempre estão fazendo testes, que identificam a doença no início, por isso o índice de mortalidade das elites chega a ser ridículo.
É por isso que Bolsonaro impediu com tanto empenho a divulgação de seu prontuário médico ou sua cartilha de vacinas, porque neles estão registrados os testes frequentes que fazia.
Assim é fácil tirar tanta onda, dizer que é resistente por ter sido atleta na juventude, já que tem se queixado apenas das hemorroidas e do problema no abdômen (descolamento da tela implantada). É por isso que a covid-19 tem poupado os membros das Forças Armadas. A coisa mais difícil é ver um militar contaminado.
Enquanto o caricato presidente se diz “imbrochável”, os brasileiros e brasileiras estão morrendo em escala industrial, mas nossas autoridades estão protegidas. Lembrem que durante a primeira onda, em 2020, foi um escândalo quando encontraram quase 7 milhões de testes que o Ministério da Saúde estocava no aeroporto de Guarulhos.
Por volta do ano 541 d.C., a humanidade enfrentou a peste bubônica, que foi perdendo a intensidade, porém durou mais de 200 anos. Depois, ressurgiu em 1343, sob o codinome de Peste Negra, durou dez anos até perder a intensidade, matou um terço da população da Europa e resistiu até o começo do século XIX. Pode ter matado até 200 milhões de pessoas. Foi a pior pandemia de todos os tempos.
Em 1580, surgiu a primeira pandemia de gripe, que se espalhou por Ásia, Europa, África e pela recém- colonizada América.
Séculos depois, em 1889, a Gripe Russa foi a primeira a ser documentada com detalhes, com proliferação inicial de duas semanas sobre o Império Russo e chegando até o Rio de Janeiro. Ao todo, um milhão de pessoas morreram por conta desse subtipo da Influenza A. Na mesma época, houve na Europa as epidemias de cólera, mas com menos mortes, por serem controladas com melhoria no abastecimento de água.
Em 1918, a Gripe Espanhola causou a morte de até 50 milhões de pessoas, afetando não só idosos e pacientes com sistema imunológico debilitado, como também jovens e adultos. Com possível origem nos Estados Unidos, essa enfermidade quase dizimou as populações indígenas americanas e levou a óbito cerca de 35 mil brasileiros.
A grande diferença para a covid-19 é que desta vez a Humanidade tem recursos para enfrentar a pandemia. E não espanta o fato de as mortes ocorram basicamente entre os pobres e a classe média. Mas qual é o verdadeiro motivo dessa situação, além da facilidade de as elites fazerem quarentena?
Na verdade, no Brasil e no mundo a situação é semelhante, porque toda doença é mais facilmente combatida quando descoberta no início. Eureka! Bingo! Bestial! É por isso que em nosso injusto país, a contaminação de alguma autoridade ou figura de elite sempe é divulgada assim pela imprensa: “Fulano testou positivo para coronavirus”.
Foi assim com o presidente Jair Bolsonaro, com o vice Hamilton Mourão, com muitos outros ministros, integrantes das Forças Armadas e demais membros das classes dominantes, como se dizia antigamente. A diferença entre eles e o resto da população é que sempre estão fazendo testes, que identificam a doença no início, por isso o índice de mortalidade das elites chega a ser ridículo.
É por isso que Bolsonaro impediu com tanto empenho a divulgação de seu prontuário médico ou sua cartilha de vacinas, porque neles estão registrados os testes frequentes que fazia.
Assim é fácil tirar tanta onda, dizer que é resistente por ter sido atleta na juventude, já que tem se queixado apenas das hemorroidas e do problema no abdômen (descolamento da tela implantada). É por isso que a covid-19 tem poupado os membros das Forças Armadas. A coisa mais difícil é ver um militar contaminado.
Enquanto o caricato presidente se diz “imbrochável”, os brasileiros e brasileiras estão morrendo em escala industrial, mas nossas autoridades estão protegidas. Lembrem que durante a primeira onda, em 2020, foi um escândalo quando encontraram quase 7 milhões de testes que o Ministério da Saúde estocava no aeroporto de Guarulhos.
Um ano de pandemia, mais de dois de desgoverno
O Brasil completa um ano de pandemia e dois anos e dois meses de desgoverno, com a economia emperrada, o maior desemprego em oito anos, mais de 250 mil mortos pela covid-19 e um processo de vacinação confuso. Mas confusão é a regra. O ministro da Saúde acaba de mandar para o Amapá vacinas destinadas ao Amazonas e vice-versa. O presidente da República anunciou a demissão do presidente da Petrobrás, depois de ameaçá-lo por haver ignorado seus aliados caminhoneiros. Fevereiro termina com hospitais lotados na maior parte das capitais e recordes de mortes pelo coronavírus. Nos últimos dias houve de novo aglomeração no Palácio do Planalto. O setor público está superendividado e seus financiadores mostram-se nervosos. Há alguma perspectiva de melhora a partir desse balanço?
Apesar de lenta e mal planejada, a vacinação é o fato mais promissor, neste momento. Favorecida pela negligência federal e pela inconsequência de irresponsáveis, a pandemia continuará matando quase sem freio por muito tempo. Mas o avanço da imunização poderá trazer alguma segurança para os negócios. A normalização, no entanto, será o retorno à submediocridade anterior à pandemia. A economia poderá crescer 3% ou pouco mais em 2021, segundo as projeções do mercado. Depois, se nada atrapalhar, ficará limitada a um potencial de crescimento em torno de 2,5% ao ano. Mas nada disso está assegurado.
Março vai começar com o governo central ainda sem Orçamento aprovado. O projeto continua no Congresso, à espera de votação, mas esse nem é o maior problema. A meta fiscal deste ano é um déficit primário limitado a R$ 247,1 bilhões. Nos 12 meses terminados em janeiro o resultado foi um buraco de R$ 776,44 bilhões. As condições econômicas e sanitárias deste ano devem permitir, espera-se, um saldo muito melhor, mas a evolução da epidemia continua incerta, assim como o ritmo da atividade.
O ministro da Saúde virou tema de piadas, há muito tempo, e a sustentação da retomada vai depender, em primeiro lugar, de um consumo mais vigoroso. Para isso – e para evitar uma catástrofe social – será preciso ressuscitar, embora em escala menor, a ajuda emergencial encerrada em dezembro. Isso custará uns R$ 30 bilhões, talvez mais, e o governo terá de pensar numa contrapartida, de preferência algum corte de gasto.
Na sexta-feira essa contrapartida era ainda incerta. Um dia antes o secretário do Tesouro, Bruno Funchal, havia advertido: sem a compensação, poderá diminuir a confiança no compromisso de recuperação fiscal, com piora da avaliação de risco, aumento dos juros e novos entraves à recuperação da economia e do emprego.
Credibilidade ganha importância extraordinária quando se tem de administrar um débito enorme. Em janeiro, a dívida bruta do governo geral – da União, dos Estados e dos municípios, somados ao INSS – chegou a R$ 6,67 trilhões, 89,7% do produto interno bruto (PIB) estimado pelo Banco Central (BC). Nos países emergentes e de renda média, a relação dívida/PIB deve andar em torno de 62%, de acordo com o Fundo Monetário Internacional. No Brasil, o governo central é responsável pela maior parte do endividamento e isso torna crucialmente importante a sua confiabilidade.
Mas falta saber qual pode ser a contrapartida. A PEC emergencial em exame no Senado autoriza a retomada do auxílio sem a limitação do teto de gastos. A compensação poderia vir de uma contenção das despesas com pessoal e/ou do fim da vinculação constitucional de verbas para educação e saúde. Houve resistência, entre senadores, às duas soluções e o relator desistiu da segunda.
A desvinculação é debatida há mais de 20 anos, como forma de conferir maior flexibilidade ao Orçamento. Mas é preciso muito cuidado ao tratar de educação e saúde. A cautela é ainda mais necessária quando o governo tem uma folha corrida tão desastrosa nas duas áreas. Não houve, desde janeiro de 2019, um ministro da Educação digno desse título e deve ser muito difícil encontrar, na História republicana, um ministro da Saúde tão inepto quanto Eduardo Pazuello. Mas o responsável principal pelos desastres nos dois setores é mesmo o presidente Jair Bolsonaro.
Até o caminho da retomada neste ano, portanto, continua enevoado. O ministro da Economia, submetido ao regime de humilhações e afagos por seu chefe, foi incapaz, até agora, de apontar soluções para a sustentação do crescimento e de manejar os instrumentos necessários para combinar a reanimação econômica e o ajuste das contas públicas.
Enquanto o governo derrapa, o mercado financeiro oscila, o dólar continua muito mais caro do que seria possível se houvesse menos incerteza e o câmbio segue pressionando a inflação. Os preços por atacado, com alta de 3,28% em fevereiro e 40,11% em 12 meses, segundo o IGPM-FGV, permanecem como um sinal de alerta para o perigo inflacionário. Se o risco se agravar, o BC poderá ser forçado a elevar a taxa básica de juros, o único estímulo ainda mantido por um órgão federal. Anarquistas podem ter alguma razão, mas de vez em quando um pouco de governo é indispensável.
Apesar de lenta e mal planejada, a vacinação é o fato mais promissor, neste momento. Favorecida pela negligência federal e pela inconsequência de irresponsáveis, a pandemia continuará matando quase sem freio por muito tempo. Mas o avanço da imunização poderá trazer alguma segurança para os negócios. A normalização, no entanto, será o retorno à submediocridade anterior à pandemia. A economia poderá crescer 3% ou pouco mais em 2021, segundo as projeções do mercado. Depois, se nada atrapalhar, ficará limitada a um potencial de crescimento em torno de 2,5% ao ano. Mas nada disso está assegurado.
Março vai começar com o governo central ainda sem Orçamento aprovado. O projeto continua no Congresso, à espera de votação, mas esse nem é o maior problema. A meta fiscal deste ano é um déficit primário limitado a R$ 247,1 bilhões. Nos 12 meses terminados em janeiro o resultado foi um buraco de R$ 776,44 bilhões. As condições econômicas e sanitárias deste ano devem permitir, espera-se, um saldo muito melhor, mas a evolução da epidemia continua incerta, assim como o ritmo da atividade.
O ministro da Saúde virou tema de piadas, há muito tempo, e a sustentação da retomada vai depender, em primeiro lugar, de um consumo mais vigoroso. Para isso – e para evitar uma catástrofe social – será preciso ressuscitar, embora em escala menor, a ajuda emergencial encerrada em dezembro. Isso custará uns R$ 30 bilhões, talvez mais, e o governo terá de pensar numa contrapartida, de preferência algum corte de gasto.
Na sexta-feira essa contrapartida era ainda incerta. Um dia antes o secretário do Tesouro, Bruno Funchal, havia advertido: sem a compensação, poderá diminuir a confiança no compromisso de recuperação fiscal, com piora da avaliação de risco, aumento dos juros e novos entraves à recuperação da economia e do emprego.
Credibilidade ganha importância extraordinária quando se tem de administrar um débito enorme. Em janeiro, a dívida bruta do governo geral – da União, dos Estados e dos municípios, somados ao INSS – chegou a R$ 6,67 trilhões, 89,7% do produto interno bruto (PIB) estimado pelo Banco Central (BC). Nos países emergentes e de renda média, a relação dívida/PIB deve andar em torno de 62%, de acordo com o Fundo Monetário Internacional. No Brasil, o governo central é responsável pela maior parte do endividamento e isso torna crucialmente importante a sua confiabilidade.
Mas falta saber qual pode ser a contrapartida. A PEC emergencial em exame no Senado autoriza a retomada do auxílio sem a limitação do teto de gastos. A compensação poderia vir de uma contenção das despesas com pessoal e/ou do fim da vinculação constitucional de verbas para educação e saúde. Houve resistência, entre senadores, às duas soluções e o relator desistiu da segunda.
A desvinculação é debatida há mais de 20 anos, como forma de conferir maior flexibilidade ao Orçamento. Mas é preciso muito cuidado ao tratar de educação e saúde. A cautela é ainda mais necessária quando o governo tem uma folha corrida tão desastrosa nas duas áreas. Não houve, desde janeiro de 2019, um ministro da Educação digno desse título e deve ser muito difícil encontrar, na História republicana, um ministro da Saúde tão inepto quanto Eduardo Pazuello. Mas o responsável principal pelos desastres nos dois setores é mesmo o presidente Jair Bolsonaro.
Até o caminho da retomada neste ano, portanto, continua enevoado. O ministro da Economia, submetido ao regime de humilhações e afagos por seu chefe, foi incapaz, até agora, de apontar soluções para a sustentação do crescimento e de manejar os instrumentos necessários para combinar a reanimação econômica e o ajuste das contas públicas.
Enquanto o governo derrapa, o mercado financeiro oscila, o dólar continua muito mais caro do que seria possível se houvesse menos incerteza e o câmbio segue pressionando a inflação. Os preços por atacado, com alta de 3,28% em fevereiro e 40,11% em 12 meses, segundo o IGPM-FGV, permanecem como um sinal de alerta para o perigo inflacionário. Se o risco se agravar, o BC poderá ser forçado a elevar a taxa básica de juros, o único estímulo ainda mantido por um órgão federal. Anarquistas podem ter alguma razão, mas de vez em quando um pouco de governo é indispensável.
O que pode esconder a caixa preta da compra de vacinas
O presidente Jair Bolsonaro está mais histérico do que de costume. E sua histeria não foi atenuada com a boa notícia para sua família de que o Superior Tribunal de Justiça, liderado pelo ministro João Otávio de Noronha, por quem ele se apaixonou à primeira vista, detonou o processo que investiga Flávio Bolsonaro, acusado dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
O mais recente surto de descontrole de Bolsonaro começou dias antes de ele anunciar que demitiria o economista Roberto Castelo Branco, indicado para a presidência da Petrobras por Paulo Guedes, ministro da Economia, o ex-Posto Ipiranga do governo que ainda se imagina um general, mas que há muito tempo não passa de um desprestigiado ajudante de ordens do ex-capitão.
Era mais uma crise que poderia ter sido evitada, mas não, representou um baque para as ações da empresa na Bolsa de Valores, o dólar subiu e o país ficou mais caro para os brasileiros, e mais barato para os investidores estrangeiros. O mandato de Castelo Branco termina agora em março. Se não fosse renovado, ele simplesmente iria para casa sem esse barulho todo.
Por que Bolsonaro preferiu fazer barulho? O que ele sabe, mas não conta, sem que isso impeça quem está fora do governo de pressentir? Pode ser uma combinação de várias coisas que se especula nas rodas dos poderes da República. Uma: a megaepidemia que se avizinha, e que fará mal à sua popularidade. Outra: novos fatos que deem alento ao processo contra Flávio.
Pazuello não pediu para ser ministro. Foi Bolsonaro, ouvidos seus conselheiros também militares, que o forçou a aceitar a tarefa. Queria um ministro da Saúde que lhe dissesse sempre “tá ok”. Missão dada a um militar, treinado para obedecer, é considerada missão cumprida – embora, no caso de Pazuello, ele não tivesse preparo para tal, e tenha se cercado por militares despreparados.
A histeria de Bolsonaro teria a ver também com o medo dele de que, em breve, sejam abertas as primeiras frestas da caixa preta da compra de vacinas. Para um governo que se diz imune à corrupção, a caixa pode conter material altamente inflamável. Por que o Ministério da Saúde não fechou contrato com a Pfizer se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária aprovou o registro da vacina?
Não vale responder, como faz Pazuello, que foi porque uma das cláusulas contratuais diz que o governo deve se responsabilizar por danos colaterais provocados pela vacina. A cláusula é comum a esse tipo de contrato. Está no contrato da compra da vacina AstraZeneca em aplicação no Brasil. Mais de 70 países já adotaram a vacina da Pfizer submetendo-se a tal condição.
Por que o Ministério da Saúde pagou mais de 1, 6 bilhão de reais por 20 milhões de doses da vacina Covaxin ainda na terceira fase de testes na Índia e sem autorização para uso no Brasil? Detalhe: não houve licitação para a compra. E a empresa brasileira que representa a Covaxin será denunciada por ter vendido testes de Covid superfaturados ao governo do Distrito Federal.
Para espanto de muitos dos seus ministros, Bolsonaro, em viagem ao Ceará, voltou a condenar o uso de máscaras, recomendou a volta ao trabalho para salvar a economia e ameaçou não repassar dinheiro do auxílio emergencial para os Estados cujos governadores endureçam as medidas de isolamento. Não deve ser só porque despreza vidas que ele age assim. Não pode ser. Algo há.
O mais recente surto de descontrole de Bolsonaro começou dias antes de ele anunciar que demitiria o economista Roberto Castelo Branco, indicado para a presidência da Petrobras por Paulo Guedes, ministro da Economia, o ex-Posto Ipiranga do governo que ainda se imagina um general, mas que há muito tempo não passa de um desprestigiado ajudante de ordens do ex-capitão.
Era mais uma crise que poderia ter sido evitada, mas não, representou um baque para as ações da empresa na Bolsa de Valores, o dólar subiu e o país ficou mais caro para os brasileiros, e mais barato para os investidores estrangeiros. O mandato de Castelo Branco termina agora em março. Se não fosse renovado, ele simplesmente iria para casa sem esse barulho todo.
Por que Bolsonaro preferiu fazer barulho? O que ele sabe, mas não conta, sem que isso impeça quem está fora do governo de pressentir? Pode ser uma combinação de várias coisas que se especula nas rodas dos poderes da República. Uma: a megaepidemia que se avizinha, e que fará mal à sua popularidade. Outra: novos fatos que deem alento ao processo contra Flávio.
Outra ainda: o que fazer com o general Eduardo Pazuello, um general especialista em logística militar travestido de ministro da Saúde. A cabeça do general está marcada para rolar se Bolsonaro for obrigado a entregar uma para salvar a sua. É o que ele tem feito desde que se tornou presidente. Mas como cortá-la sem que isso cause desconforto dentro do Exército?
Pazuello não pediu para ser ministro. Foi Bolsonaro, ouvidos seus conselheiros também militares, que o forçou a aceitar a tarefa. Queria um ministro da Saúde que lhe dissesse sempre “tá ok”. Missão dada a um militar, treinado para obedecer, é considerada missão cumprida – embora, no caso de Pazuello, ele não tivesse preparo para tal, e tenha se cercado por militares despreparados.
A histeria de Bolsonaro teria a ver também com o medo dele de que, em breve, sejam abertas as primeiras frestas da caixa preta da compra de vacinas. Para um governo que se diz imune à corrupção, a caixa pode conter material altamente inflamável. Por que o Ministério da Saúde não fechou contrato com a Pfizer se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária aprovou o registro da vacina?
Não vale responder, como faz Pazuello, que foi porque uma das cláusulas contratuais diz que o governo deve se responsabilizar por danos colaterais provocados pela vacina. A cláusula é comum a esse tipo de contrato. Está no contrato da compra da vacina AstraZeneca em aplicação no Brasil. Mais de 70 países já adotaram a vacina da Pfizer submetendo-se a tal condição.
Por que o Ministério da Saúde pagou mais de 1, 6 bilhão de reais por 20 milhões de doses da vacina Covaxin ainda na terceira fase de testes na Índia e sem autorização para uso no Brasil? Detalhe: não houve licitação para a compra. E a empresa brasileira que representa a Covaxin será denunciada por ter vendido testes de Covid superfaturados ao governo do Distrito Federal.
Para espanto de muitos dos seus ministros, Bolsonaro, em viagem ao Ceará, voltou a condenar o uso de máscaras, recomendou a volta ao trabalho para salvar a economia e ameaçou não repassar dinheiro do auxílio emergencial para os Estados cujos governadores endureçam as medidas de isolamento. Não deve ser só porque despreza vidas que ele age assim. Não pode ser. Algo há.
A urgência da CPI da pandemia
Sobre a mesa de trabalho do presidente do Congresso, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), está o pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as ações e omissões do governo federal na condução da crise sanitária provocada pelo novo coronavírus. O pedido é assinado por 31 senadores de 11 partidos. É do mais alto interesse público que esta CPI seja instalada imediatamente.
Pululam razões para que o Poder Legislativo exerça uma de suas principais prerrogativas constitucionais, a de fiscalizar o Poder Executivo. De longe, uma CPI é um dos instrumentos mais graves do sistema de freios e contrapesos, mas gravíssima é a tragédia que se abateu sobre o País.
Não é remota a possibilidade de que as atuações do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tenham sido determinantes para transformar o que seria uma profunda crise sanitária neste horror inominável. Um inquérito parlamentar para apurar responsabilidades, pois, é mandatório.
Já são mais de 250 mil vítimas fatais da peste. E não há nada que permita ao mais otimista dos brasileiros sonhar com dias melhores no futuro próximo. Ao contrário. É duro constatar que, a ser mantido o comportamento desidioso da dupla Bolsonaro e Pazuello, a Nação está mais próxima de prantear 300 mil vidas perdidas para o novo coronavírus em poucas semanas do que de ver o arrefecimento da crise no País.
No mesmo dia em que foi registrado o maior número de mortes por covid-19 em 24 horas no Brasil desde o início da pandemia – 1.582 óbitos, no dia 25 passado –, Bolsonaro foi às redes sociais não para lamentar os mortos, mas para desencorajar o uso de máscaras pela população.
Em sua irremediável impostura, o presidente aludiu a supostos “efeitos colaterais” das máscaras que teriam sido “evidenciados” por um “estudo” cujos autores não conseguiu sequer nominar. De quebra, voltou a criticar as medidas de distanciamento social adotadas nos Estados para evitar o iminente colapso do sistema de saúde. Assim, o presidente da República, em vez de usar seu poder de comunicação para convocar seus compatriotas a se acautelarem em relação ao coronavírus, faz pouco-caso dos doentes e mortos e incentiva de forma irresponsável a burla das medidas mais eficazes para frear o espalhamento do vírus.
É evidente que este tipo de comportamento irresponsável é apenas uma das tantas razões que ensejam a criação da CPI da Pandemia sem mais delongas. Quanto mais rápido os parlamentares investigarem condutas de autoridades federais que colaboram para o agravamento da crise, mais rápido elas serão cessadas. E muitas vidas certamente serão salvas.
O ministro da Saúde, por sua vez, parece ter acordado de um transe e só agora percebeu a gravidade da crise que, por dever de ofício, teria de administrar. “O avanço da doença pode surpreender. Não está centrado apenas no Norte e no Nordeste”, deu-se conta o ministro, até hoje incapaz de mensurar a extensão da pandemia e, por isso, de apresentar um plano coerente e factível para enfrentá-la.
Tão claudicante é a vacinação no País, e tão desleixada é a ação do governo federal para reverter este quadro, que foi preciso que o senador Rodrigo Pacheco assumisse a mediação de uma nova rodada de conversas entre as farmacêuticas Pfizer e Janssen e o Ministério da Saúde para que o Brasil pudesse sonhar em ter mais vacinas. Ora, só o fato de o presidente do Congresso ter de fazer o que caberia ao intendente Pazuello é razão mais do que evidente da premência de uma CPI da Pandemia.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não vê necessidade de uma CPI no momento porque, segundo disse, não é hora de “discutir quem é culpado disso ou daquilo”. De fato, a grande prioridade nacional é vacinar todos os brasileiros e impedir o colapso do sistema de saúde. Ambas as providências, contudo, dependem de um Ministério da Saúde que esteja interessado na saúde dos cidadãos, e não nos objetivos eleitorais do presidente da República. Assim, uma CPI que chame às falas os responsáveis pelo desastre sanitário pode funcionar como lenitivo para o patológico descaso do governo Bolsonaro com a vida de seus governados.
Pululam razões para que o Poder Legislativo exerça uma de suas principais prerrogativas constitucionais, a de fiscalizar o Poder Executivo. De longe, uma CPI é um dos instrumentos mais graves do sistema de freios e contrapesos, mas gravíssima é a tragédia que se abateu sobre o País.
Não é remota a possibilidade de que as atuações do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tenham sido determinantes para transformar o que seria uma profunda crise sanitária neste horror inominável. Um inquérito parlamentar para apurar responsabilidades, pois, é mandatório.
Já são mais de 250 mil vítimas fatais da peste. E não há nada que permita ao mais otimista dos brasileiros sonhar com dias melhores no futuro próximo. Ao contrário. É duro constatar que, a ser mantido o comportamento desidioso da dupla Bolsonaro e Pazuello, a Nação está mais próxima de prantear 300 mil vidas perdidas para o novo coronavírus em poucas semanas do que de ver o arrefecimento da crise no País.
No mesmo dia em que foi registrado o maior número de mortes por covid-19 em 24 horas no Brasil desde o início da pandemia – 1.582 óbitos, no dia 25 passado –, Bolsonaro foi às redes sociais não para lamentar os mortos, mas para desencorajar o uso de máscaras pela população.
Em sua irremediável impostura, o presidente aludiu a supostos “efeitos colaterais” das máscaras que teriam sido “evidenciados” por um “estudo” cujos autores não conseguiu sequer nominar. De quebra, voltou a criticar as medidas de distanciamento social adotadas nos Estados para evitar o iminente colapso do sistema de saúde. Assim, o presidente da República, em vez de usar seu poder de comunicação para convocar seus compatriotas a se acautelarem em relação ao coronavírus, faz pouco-caso dos doentes e mortos e incentiva de forma irresponsável a burla das medidas mais eficazes para frear o espalhamento do vírus.
É evidente que este tipo de comportamento irresponsável é apenas uma das tantas razões que ensejam a criação da CPI da Pandemia sem mais delongas. Quanto mais rápido os parlamentares investigarem condutas de autoridades federais que colaboram para o agravamento da crise, mais rápido elas serão cessadas. E muitas vidas certamente serão salvas.
O ministro da Saúde, por sua vez, parece ter acordado de um transe e só agora percebeu a gravidade da crise que, por dever de ofício, teria de administrar. “O avanço da doença pode surpreender. Não está centrado apenas no Norte e no Nordeste”, deu-se conta o ministro, até hoje incapaz de mensurar a extensão da pandemia e, por isso, de apresentar um plano coerente e factível para enfrentá-la.
Tão claudicante é a vacinação no País, e tão desleixada é a ação do governo federal para reverter este quadro, que foi preciso que o senador Rodrigo Pacheco assumisse a mediação de uma nova rodada de conversas entre as farmacêuticas Pfizer e Janssen e o Ministério da Saúde para que o Brasil pudesse sonhar em ter mais vacinas. Ora, só o fato de o presidente do Congresso ter de fazer o que caberia ao intendente Pazuello é razão mais do que evidente da premência de uma CPI da Pandemia.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não vê necessidade de uma CPI no momento porque, segundo disse, não é hora de “discutir quem é culpado disso ou daquilo”. De fato, a grande prioridade nacional é vacinar todos os brasileiros e impedir o colapso do sistema de saúde. Ambas as providências, contudo, dependem de um Ministério da Saúde que esteja interessado na saúde dos cidadãos, e não nos objetivos eleitorais do presidente da República. Assim, uma CPI que chame às falas os responsáveis pelo desastre sanitário pode funcionar como lenitivo para o patológico descaso do governo Bolsonaro com a vida de seus governados.
Vacinas, valores e velórios
Já estava me preparando para ser vacinado quando as vacinas acabaram. Foi aí que descobrimos que, na estupefaciente gestão do general Placebo no Ministério da Saúde, a vacinação é regida por dois calendários, como o tempo já foi em priscas eras. Pelo calendário juliano, quando há vacinas disponíveis, e pelo calendário gregoriano, quando elas acabam e ainda não têm data para chegar. Daí a máxima romana “sine vaccinus, sine die”, cunhada antes da invenção da primeira vacina.
E assim as vacinações no Rio foram jogadas para as calendas. Ainda bem que para as calendas romanas, não para as gregas. Será que nas calendas de março saberemos quando, pelo calendário gregoriano, levaremos nossa redentora picada?
Pior do que essa espera, possivelmente passageira, e as justificadas incertezas relativas à segunda dose foi tomar conhecimento das descaradas mentiras sobre a performance de Bolsonaro durante a pandemia que a ministra Damares e o chanceler Ernesto Araújo tentaram vender na ONU. Ficaram só na tentativa porque ninguém lá fora acredita mais em nada que diga, faça ou prometa fazer de bom o ogro que nos governa, exaspera, envergonha, e concentrou no extermínio seu mais eficaz programa de corte de gastos na Previdência.
Não menos desalentadora foi a constatação de que a Bolsa de Valores se sensibiliza muito mais com uma troca no comando da Petrobrás pelo presidente da República que seus investidores ajudaram a eleger do que com as ininterruptas e recordistas altas na contagem de mortos e infectados pela covid, no País. Não teríamos mais do que 8 mil óbitos até o fim da pandemia, basofiou o capitão negacionista em abril do ano passado. Atingimos a marca de 250 mil mortos esta semana; 50 mil só nos últimos 48 dias – e vacinamos apenas 3% da população.
Se alguma coisa o presidente sabe fazer, e bem, é mentir e tirar o dele da reta. “Não sou coveiro”; “Não sou profeta”; “Não compro seringas”. Pilatos ao menos lavava as mãos. O capitão nem sequer usa máscara.
A fulminante queima de ações da BR também veio corroborar a teoria de que a matança em curso, se não faz parte de um maquiavélico projeto político e econômico do bolsonarismo, como a aniquilação da cultura e da educação, desmoralizou em definitivo o chavão de que “as nossas instituições estão funcionando”. Se estivessem, ou pelo menos o STF estivesse, a pleno vapor, o nosso Napoleão de hospício já estaria na ilha de Elba da nossa imaginação.
Verdade que o ministro Alexandre de Moraes se tem comportado com o destemor que seu cargo exige, mas Dias Toffoli, Luiz Fux e Gilmar Mendes, conforme salientou na terça-feira o comentarista político Bernardo de Mello e Franco, facilitaram o serviço para a chicana que culminou com a anulação das quebras de sigilo bancário e fiscal de Flávio Bolsonaro, no inquérito das rachadinhas. Toffoli e Fux travaram a investigação por cinco meses, e Mendes abriu a gaiola para Fabrício Queiroz, o factótum da familícia.
Comprado o Legislativo, cooptadas e neutralizadas as Forças Armadas mediante cargos, subsídios, promessas, leite condensado e claque em formaturas de cadetes, pergunto: quais instituições ainda funcionam normalmente nestas bandas?
Por encarnar e afiançar a “ultima ratio” de qualquer país que as possua, as Forças Armadas (sim, mais de dez nações sobrevivem sem o seu concurso) deveriam preservar-se de aventuras como foram os golpes de que participaram desde a Proclamação da República. O que pretendia impedir a posse de Juscelino Kubitschek, em 1955, foi só uma (ou a) exceção à regra justamente porque um oficial do Exército, o marechal Henrique Teixeira Lott, e sua excalibur da legalidade melaram a tempo a conjura udenista.
Quando vejo, leio ou ouço alguém lamentar a escassez ou mesmo ausência, hoje, de políticos e outros figurões civis de alto nível, sempre me vem à lembrança a figura do marechal. Com ele, nenhum golpista tirava farofa. Que reação lhe provocaria um confesso autogolpista como Bolsonaro? Que atitude teria face à fascistoide ameaça do general Villas-Boas ao STF, em abril de 2018?
O ator, humorista e cronista Gregório Duvivier desenvolveu uma tese que, em outras cabeças, inclusive na minha, já andou caraminholando. Ao contrário do que se pensa, o presidente não protege e prestigia além da conta os seus ex-colegas de farda, notadamente os da arma em que fez carreira, o Exército, mas, na verdade, os rebaixa e desmoraliza. Ao lhes dar emprego e funções que exigem especial capacitação, expõe-lhes a incompetência e engorda as desconfianças de que suas nomeações são menos frutos de uma ineludível promiscuidade corporativista do que das limitações sociais impostas pela vida em caserna. Azar nosso se o capitão só se dá com milicos.
Para Duvivier, Bolsonaro está se vingando do coronel que o humilhou, reprovando-o por sua “falta de lógica, racionalidade e equilíbrio”, de outro oficial que condenou sua “excessiva ambição em realizar-se financeiramente” e, acrescento eu, do general Ernesto Geisel, que o considerava “um mau militar”.
Não sei se concordo com a hipótese de que nem décadas de propaganda antimilitar da esquerda causaram mais estrago na imagem do Exército do que a sanha empregatícia do presidente, mas é possível que sim. Já a suspeita de que só agora, com meio século de atraso, o capitão cumpre uma missão que lhe teria sido delegada pelo capitão Carlos Lamarca, não é, como toda blague, para ser levada a sério. É para rir.
Ria, enquanto o golpe não vem.
E assim as vacinações no Rio foram jogadas para as calendas. Ainda bem que para as calendas romanas, não para as gregas. Será que nas calendas de março saberemos quando, pelo calendário gregoriano, levaremos nossa redentora picada?
Pior do que essa espera, possivelmente passageira, e as justificadas incertezas relativas à segunda dose foi tomar conhecimento das descaradas mentiras sobre a performance de Bolsonaro durante a pandemia que a ministra Damares e o chanceler Ernesto Araújo tentaram vender na ONU. Ficaram só na tentativa porque ninguém lá fora acredita mais em nada que diga, faça ou prometa fazer de bom o ogro que nos governa, exaspera, envergonha, e concentrou no extermínio seu mais eficaz programa de corte de gastos na Previdência.
Não menos desalentadora foi a constatação de que a Bolsa de Valores se sensibiliza muito mais com uma troca no comando da Petrobrás pelo presidente da República que seus investidores ajudaram a eleger do que com as ininterruptas e recordistas altas na contagem de mortos e infectados pela covid, no País. Não teríamos mais do que 8 mil óbitos até o fim da pandemia, basofiou o capitão negacionista em abril do ano passado. Atingimos a marca de 250 mil mortos esta semana; 50 mil só nos últimos 48 dias – e vacinamos apenas 3% da população.
Se alguma coisa o presidente sabe fazer, e bem, é mentir e tirar o dele da reta. “Não sou coveiro”; “Não sou profeta”; “Não compro seringas”. Pilatos ao menos lavava as mãos. O capitão nem sequer usa máscara.
A fulminante queima de ações da BR também veio corroborar a teoria de que a matança em curso, se não faz parte de um maquiavélico projeto político e econômico do bolsonarismo, como a aniquilação da cultura e da educação, desmoralizou em definitivo o chavão de que “as nossas instituições estão funcionando”. Se estivessem, ou pelo menos o STF estivesse, a pleno vapor, o nosso Napoleão de hospício já estaria na ilha de Elba da nossa imaginação.
Verdade que o ministro Alexandre de Moraes se tem comportado com o destemor que seu cargo exige, mas Dias Toffoli, Luiz Fux e Gilmar Mendes, conforme salientou na terça-feira o comentarista político Bernardo de Mello e Franco, facilitaram o serviço para a chicana que culminou com a anulação das quebras de sigilo bancário e fiscal de Flávio Bolsonaro, no inquérito das rachadinhas. Toffoli e Fux travaram a investigação por cinco meses, e Mendes abriu a gaiola para Fabrício Queiroz, o factótum da familícia.
Comprado o Legislativo, cooptadas e neutralizadas as Forças Armadas mediante cargos, subsídios, promessas, leite condensado e claque em formaturas de cadetes, pergunto: quais instituições ainda funcionam normalmente nestas bandas?
Por encarnar e afiançar a “ultima ratio” de qualquer país que as possua, as Forças Armadas (sim, mais de dez nações sobrevivem sem o seu concurso) deveriam preservar-se de aventuras como foram os golpes de que participaram desde a Proclamação da República. O que pretendia impedir a posse de Juscelino Kubitschek, em 1955, foi só uma (ou a) exceção à regra justamente porque um oficial do Exército, o marechal Henrique Teixeira Lott, e sua excalibur da legalidade melaram a tempo a conjura udenista.
Quando vejo, leio ou ouço alguém lamentar a escassez ou mesmo ausência, hoje, de políticos e outros figurões civis de alto nível, sempre me vem à lembrança a figura do marechal. Com ele, nenhum golpista tirava farofa. Que reação lhe provocaria um confesso autogolpista como Bolsonaro? Que atitude teria face à fascistoide ameaça do general Villas-Boas ao STF, em abril de 2018?
O ator, humorista e cronista Gregório Duvivier desenvolveu uma tese que, em outras cabeças, inclusive na minha, já andou caraminholando. Ao contrário do que se pensa, o presidente não protege e prestigia além da conta os seus ex-colegas de farda, notadamente os da arma em que fez carreira, o Exército, mas, na verdade, os rebaixa e desmoraliza. Ao lhes dar emprego e funções que exigem especial capacitação, expõe-lhes a incompetência e engorda as desconfianças de que suas nomeações são menos frutos de uma ineludível promiscuidade corporativista do que das limitações sociais impostas pela vida em caserna. Azar nosso se o capitão só se dá com milicos.
Para Duvivier, Bolsonaro está se vingando do coronel que o humilhou, reprovando-o por sua “falta de lógica, racionalidade e equilíbrio”, de outro oficial que condenou sua “excessiva ambição em realizar-se financeiramente” e, acrescento eu, do general Ernesto Geisel, que o considerava “um mau militar”.
Não sei se concordo com a hipótese de que nem décadas de propaganda antimilitar da esquerda causaram mais estrago na imagem do Exército do que a sanha empregatícia do presidente, mas é possível que sim. Já a suspeita de que só agora, com meio século de atraso, o capitão cumpre uma missão que lhe teria sido delegada pelo capitão Carlos Lamarca, não é, como toda blague, para ser levada a sério. É para rir.
Ria, enquanto o golpe não vem.
Vacina para todo o mundo, custe o que custar
A Organização Mundial da Saúde (OMS) apelou a todas nações para que primeiro vacinem seu pessoal sanitário e grupos populacionais mais vulneráveis, e em seguida disponibilizem doses a outros países para que estes possam fazer o mesmo.
Porém a parte rica do mundo ainda não aceitou inteiramente quão séria é a pandemia de covid-19, e que enorme impacto global ela terá sobre os aspectos de saúde, econômicos, sociais e geopolíticos.
Os imunizantes contra o novo coronavírus se tornaram símbolo de "ter a nossa vida de volta", e líderes políticos das democracias ocidentais se sentem pressionados a adotar um "nacionalismo da vacina" e prometer vacinação quase total a suas populações. Enquanto isso, 130 países ainda não aplicaram sequer uma única dose.
Os cidadãos dos países abastados se atropelam para receber suas doses, e exigem "passaportes de vacina", permitindo-lhes participar de uma rica vida social e cultural. Alguns querem até poder escolher qual imunizante receberão. Enquanto isso, só neste mês algumas nações da África Subsaariana podem começar a vacinar, e seus funcionários de saúde estão morrendo enquanto tratam dos doentes sob as condições mais penosas.
Insuficiente e atrasado?
Talvez tenha tido algum impacto a advertência do diretor geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, de que "o mundo está à beira de um catastrófico fracasso moral". Finalmente, um ano depois de a organização declarar uma Emergência de Saúde Pública de Âmbito Internacional, os países-membros do G7 concederam apoio financeiro ao Acelerador de Acesso às Ferramentas contra Covid-19 (ACT-A, na sigla em inglês). Esse mecanismo de solidariedade global inclui a Covax, a aliança criada para garantir equidade no acesso aos imunizantes.
No entanto, é possível que a iniciativa, além de não ser suficiente, esteja chegando tarde demais. Em meados de fevereiro, os Estados Unidos, Alemanha, Comissão Europeia, Japão e Canadá se comprometeram a fornecer mais de US$ 4,3 bilhões em novos investimentos. Isso eleva para US$ 10,3 bilhões o total dedicado a ACT-A, mas ainda ficam faltando US$ 22,9 bilhões para o financiamento em 2021.
A Câmara Internacional de Comércio calculou que a economia global poderá perder até US$ 9,2 trilhões, caso os governos não assegurem o acesso às vacinas de covid-19 para os países pobres. Por que, diante de uma crise global, o mundo rico não é capaz de oferecer uma quantia relativamente módica?
Não há mais em quem botar a culpa
Mesmo quem não esteja interessado em solidariedade, talvez queira considerar as sequelas geopolíticas. Apesar de suas próprias necessidades internas, a China, Rússia e Índia já estão fornecendo vacinas rapidamente e a preços baixos, ou mesmo grátis, para países com que desejam estreitar relações. Essa "diplomacia da vacina" chega até o centro da Europa e mais além: manchetes da imprensa sérvia proclamam que "[presidente Aleksandar] Vučić, Putin e Xi Jinping estão salvando a Sérvia".
A Índia tem enviado doses de graça para o Nepal, Bangladesh, Mianmar, Sri Lanka, Afeganistão e as repúblicas insulares das Maldivas e Seychelles. O ministro indiano do Exterior, Subrahmanyam Jaishankar, denomina a estratégia "Acting East. Acting fast" (Agir no Oriente, agir rápido). A China está ativa ao longo de sua vasta "Rota da Seda de Saúde".
Em reação, o presidente da França, Emmanuel Macron, instou a Europa e os EUA a urgentemente alocarem 5% de seus atuais estoques de vacina a países onde Pequim e Moscou estão preenchendo a lacuna.
Em 2020, a resposta global à covid-19 foi imensamente travada pela presidência americana anterior. Mas agora não há ninguém para culpar, se as democracias ocidentais não reagirem energicamente à iniquidade nas vacinações. Haveria uma mudança na trajetória da pandemia, na democracia e na geopolítica, se o G7 adotasse um princípio da crise financeira: "Custe o que custar!"
Porém a parte rica do mundo ainda não aceitou inteiramente quão séria é a pandemia de covid-19, e que enorme impacto global ela terá sobre os aspectos de saúde, econômicos, sociais e geopolíticos.
Os imunizantes contra o novo coronavírus se tornaram símbolo de "ter a nossa vida de volta", e líderes políticos das democracias ocidentais se sentem pressionados a adotar um "nacionalismo da vacina" e prometer vacinação quase total a suas populações. Enquanto isso, 130 países ainda não aplicaram sequer uma única dose.
Os cidadãos dos países abastados se atropelam para receber suas doses, e exigem "passaportes de vacina", permitindo-lhes participar de uma rica vida social e cultural. Alguns querem até poder escolher qual imunizante receberão. Enquanto isso, só neste mês algumas nações da África Subsaariana podem começar a vacinar, e seus funcionários de saúde estão morrendo enquanto tratam dos doentes sob as condições mais penosas.
Insuficiente e atrasado?
Emad Hajjaj (Jordânia) |
Talvez tenha tido algum impacto a advertência do diretor geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, de que "o mundo está à beira de um catastrófico fracasso moral". Finalmente, um ano depois de a organização declarar uma Emergência de Saúde Pública de Âmbito Internacional, os países-membros do G7 concederam apoio financeiro ao Acelerador de Acesso às Ferramentas contra Covid-19 (ACT-A, na sigla em inglês). Esse mecanismo de solidariedade global inclui a Covax, a aliança criada para garantir equidade no acesso aos imunizantes.
No entanto, é possível que a iniciativa, além de não ser suficiente, esteja chegando tarde demais. Em meados de fevereiro, os Estados Unidos, Alemanha, Comissão Europeia, Japão e Canadá se comprometeram a fornecer mais de US$ 4,3 bilhões em novos investimentos. Isso eleva para US$ 10,3 bilhões o total dedicado a ACT-A, mas ainda ficam faltando US$ 22,9 bilhões para o financiamento em 2021.
A Câmara Internacional de Comércio calculou que a economia global poderá perder até US$ 9,2 trilhões, caso os governos não assegurem o acesso às vacinas de covid-19 para os países pobres. Por que, diante de uma crise global, o mundo rico não é capaz de oferecer uma quantia relativamente módica?
Não há mais em quem botar a culpa
Mesmo quem não esteja interessado em solidariedade, talvez queira considerar as sequelas geopolíticas. Apesar de suas próprias necessidades internas, a China, Rússia e Índia já estão fornecendo vacinas rapidamente e a preços baixos, ou mesmo grátis, para países com que desejam estreitar relações. Essa "diplomacia da vacina" chega até o centro da Europa e mais além: manchetes da imprensa sérvia proclamam que "[presidente Aleksandar] Vučić, Putin e Xi Jinping estão salvando a Sérvia".
A Índia tem enviado doses de graça para o Nepal, Bangladesh, Mianmar, Sri Lanka, Afeganistão e as repúblicas insulares das Maldivas e Seychelles. O ministro indiano do Exterior, Subrahmanyam Jaishankar, denomina a estratégia "Acting East. Acting fast" (Agir no Oriente, agir rápido). A China está ativa ao longo de sua vasta "Rota da Seda de Saúde".
Em reação, o presidente da França, Emmanuel Macron, instou a Europa e os EUA a urgentemente alocarem 5% de seus atuais estoques de vacina a países onde Pequim e Moscou estão preenchendo a lacuna.
Em 2020, a resposta global à covid-19 foi imensamente travada pela presidência americana anterior. Mas agora não há ninguém para culpar, se as democracias ocidentais não reagirem energicamente à iniquidade nas vacinações. Haveria uma mudança na trajetória da pandemia, na democracia e na geopolítica, se o G7 adotasse um princípio da crise financeira: "Custe o que custar!"
Demagogia provoca chacina
Qual o interesse dos demagogos? Eles pensam: está todo mundo cansado de ficar em casa, vou dizer que pode sair, que pare com essa besteira de epidemia, não é assim, não pega assim desse jeito, o vírus não é uma doença graveDrauzio Varella
A infâmia
A tragédia foi anunciada há um ano. Desde fevereiro de 2020 sabia-se que a pandemia de coronavírus deveria ser tratada com todo rigor pelas autoridades, nas três instâncias de poder, e pelos brasileiros, em cada um dos cantos da Nação. Foi já neste começo que percebemos que não dava para contar com a contribuição do presidente do Brasil. Jair Bolsonaro fez graça e piada sobre a “gripezinha” e desafiou a ciência ao propor tratamento alternativo inteiramente ineficiente. Jamais respeitou o distanciamento social recomendado e quase nunca usou máscara para se proteger e proteger os demais.
O exemplo do principal líder do país repercutiu de maneira devastadora. Bolsonaristas passaram a usar a mesma retórica, os mesmos argumentos do mito, deixaram as máscaras em casa e se aglomeraram. O Ministério da Saúde, seguindo as instruções absurdas do presidente, instrumentalizou a Anvisa, deixou de comprar vacinas, torpedeou o quanto pôde o Instituto Butantan e receitou cloroquina para quem sentia falta de ar e não dispunha de oxigênio para se socorrer.
O fanatismo de Bolsonaro foi de tal ordem que ele chegou agora ao ponto de atacar o uso de máscaras. Citando estudo de uma universidade alemã que não identificou, disse que máscaras são prejudiciais porque podem irritar e desconcentrar as pessoas, além de causarem dor de cabeça. Pode? Não pode. Sob qualquer ângulo que se observe, a afirmação do fanático é estúpida. No mesmo dia em que ele pronunciava a barbaridade, 1.582 brasileiros morriam em consequência da doença.
Fora um ou outro, governadores e prefeitos Brasil afora não caíram imediatamente na falácia presidencial. Em alguns casos, corretamente, decretou-se lockdown nos momentos mais agudos da crise no ano passado. Os resultados foram positivos, nenhuma dúvida. Mas, do lado de fora, Bolsonaro torpedeava os que endureciam acusando o desarranjo que o fechamento produziria na economia. Aos poucos, a contaminação tomou também a consciência de alguns mandatários em estados e municípios.
No Rio, por exemplo, hospitais de campanha foram fechados prematuramente e ambientes propícios à aglomeração, como shoppings, bares e restaurantes, foram reabertos muito rapidamente. Morrem quase 200 pessoas a cada dia no estado. Nas últimas duas semanas foram registrados 30 mil novos casos por aqui. As praias estão abertas e os calçadões fechados no domingo para que o carioca possa se divertir e se aglomerar tranquilamente. Aliás, por que as praias do Rio continuam abertas?
A fantástica aglomeração observada no Palácio do Planalto no dia da posse do novo ministro João Roma foi mais um exemplo de como os homens que ocupam o poder se lixam para a doença. O que viu foi de causar inveja até mesmo nas noites mais quentes da Dias Ferreira. Nem a garotada desgarrada da Zona Sul do Rio consegue superar o capitão. Só os fins de semana de sol em Ipanema, Copacabana e Leblon aglomeram tanta gente.
A infâmia produzida em escala nacional por Jair Bolsonaro gera crias estaduais e municipais que ampliam seu poder deletério. O presidente é solitariamente o indivíduo que mais contribuiu para a encrenca em que o Brasil está metido, à beira de um colapso sanitário. Mas seus filhotes, espalhados por todos os lados da organização do Estado nacional, ajudam muito no esforço do capitão para solapar os brasileiros.
O exemplo do principal líder do país repercutiu de maneira devastadora. Bolsonaristas passaram a usar a mesma retórica, os mesmos argumentos do mito, deixaram as máscaras em casa e se aglomeraram. O Ministério da Saúde, seguindo as instruções absurdas do presidente, instrumentalizou a Anvisa, deixou de comprar vacinas, torpedeou o quanto pôde o Instituto Butantan e receitou cloroquina para quem sentia falta de ar e não dispunha de oxigênio para se socorrer.
O fanatismo de Bolsonaro foi de tal ordem que ele chegou agora ao ponto de atacar o uso de máscaras. Citando estudo de uma universidade alemã que não identificou, disse que máscaras são prejudiciais porque podem irritar e desconcentrar as pessoas, além de causarem dor de cabeça. Pode? Não pode. Sob qualquer ângulo que se observe, a afirmação do fanático é estúpida. No mesmo dia em que ele pronunciava a barbaridade, 1.582 brasileiros morriam em consequência da doença.
Fora um ou outro, governadores e prefeitos Brasil afora não caíram imediatamente na falácia presidencial. Em alguns casos, corretamente, decretou-se lockdown nos momentos mais agudos da crise no ano passado. Os resultados foram positivos, nenhuma dúvida. Mas, do lado de fora, Bolsonaro torpedeava os que endureciam acusando o desarranjo que o fechamento produziria na economia. Aos poucos, a contaminação tomou também a consciência de alguns mandatários em estados e municípios.
No Rio, por exemplo, hospitais de campanha foram fechados prematuramente e ambientes propícios à aglomeração, como shoppings, bares e restaurantes, foram reabertos muito rapidamente. Morrem quase 200 pessoas a cada dia no estado. Nas últimas duas semanas foram registrados 30 mil novos casos por aqui. As praias estão abertas e os calçadões fechados no domingo para que o carioca possa se divertir e se aglomerar tranquilamente. Aliás, por que as praias do Rio continuam abertas?
A fantástica aglomeração observada no Palácio do Planalto no dia da posse do novo ministro João Roma foi mais um exemplo de como os homens que ocupam o poder se lixam para a doença. O que viu foi de causar inveja até mesmo nas noites mais quentes da Dias Ferreira. Nem a garotada desgarrada da Zona Sul do Rio consegue superar o capitão. Só os fins de semana de sol em Ipanema, Copacabana e Leblon aglomeram tanta gente.
A infâmia produzida em escala nacional por Jair Bolsonaro gera crias estaduais e municipais que ampliam seu poder deletério. O presidente é solitariamente o indivíduo que mais contribuiu para a encrenca em que o Brasil está metido, à beira de um colapso sanitário. Mas seus filhotes, espalhados por todos os lados da organização do Estado nacional, ajudam muito no esforço do capitão para solapar os brasileiros.
sábado, 27 de fevereiro de 2021
A milícia do presidente
O presidente Jair Bolsonaro parece inspirar-se no seu grande desafeto ideológico, o populista autoritário presidente Nicolás Maduro (que sucedeu o falecido coronel Hugo Chavez) na missão muito bem sucedida de destruição da Venezuela. Os dois decretos assinados por Bolsonaro, facilitando a posse de armas de fogo pela população, é um instrumento a mais de formação de grupos armados, que pode levar à escalada de violência e intimidação na política brasileira. A simplificação do acesso a volumes mais amplos de armas, fora do controle das Forças Armadas, facilita o armamentismo dos grupos criminosos que atuam e controlam amplas áreas das cidades brasileiras, principalmente no Rio de Janeiro (narcotraficantes e milicianos), e permite a formação das milícias bolsonaristas com os fanáticos seguidores do presidente. Esta é a intenção de Bolsonaro. “Eu quero todo mundo armado!”, disse ele mais de uma vez. Quando diz isso, Bolsonaro sabe quem vai comprar armas e organizar pequenos arsenais: os caçadores e atiradores (autorizados a comprar até 60 armas sem necessidade de autorização do Exército), numa fachada para todo tipo de criminoso e fanatismo político.
O governo autoritário da Venezuela, segundo declaração recente de Maduro, já conta com “3,3 milhões de milicianos organizados, treinados, armados e dispostos a defender a união da Venezuela”. O dado é exagerado, segundo especialistas, mas esta Milicia Nacional Bolivariana supera em muito os 123 mil homens do contingente das Forças Armadas. Este é o povo armado dos sonhos de Bolsonaro, milicianos bolsonaristas, para copiar, no Brasil, o modelo bolivariano de intimidação e violência política contra os adversários, que mantém o governo no poder, apesar da devastadora crise econômica, social e política. Mas o presidente brasileiro diz que pretende armar o povo brasileiro porque não quer uma ditadura. Logo ele, que não cansa de defender e louvar a ditadura militar brasileira, e que afirmou, lá atrás (1999), que o Brasil só iria mudar “quando nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo um trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil!”
Raul Jungmann tem razão quando adverte, em carta aberta aos ministros do STF-Supremo Tribunal Federal, que os decretos de Bolsonaro que facilitam o acesso a armas estimulam uma guerra civil no país. “Ao longo da história, diz ele, o armamento da população serviu a interesses de ditaduras, golpes de Estado, massacre e eliminação de raças e etnias, separatismos, genocídios e de ovo da serpente do fascismo italiano e do nazismo alemão”. O povo armado nunca serviu à democracia. Muito pelo contrário, empurra a política para o terreno pantanoso da violência, substitui os argumentos e a negociação política pela disputa armada, quebra o monopólio da força pelo Estado, e permite a formação de milícias e exércitos partidarizados. Tem sido assim na Venezuela de Chavez e Maduro. Pode vir a ser assim também no Brasil, se Bolsonaro continuar com seu projeto de armar o “seu” povo para o enfrentamento político que se avizinha com as eleições de 2022, lembrando que, seguindo o exemplo de Donald Trump, ele já antecipou que podem vir a ser fraudadas, se ele não for reeleito.
O mais absurdo e chocante desta iniciativa armamentista de Bolsonaro é o seu lançamento num momento em que morrem cerca de mil brasileiros por dia por Covid-19, em grande parte por conta de sua irresponsabilidade na condução (ou ausência de condução) da política sanitária do Brasil. Já são mais de 250 mil mortos, que se somam às 60 mil vítimas anuais de homicídios, quase sempre por arma de fogo. O presidente Jair Bolsonaro é o senhor das armas, e parece ter um desprezo especial pela vida dos brasileiros.
O governo autoritário da Venezuela, segundo declaração recente de Maduro, já conta com “3,3 milhões de milicianos organizados, treinados, armados e dispostos a defender a união da Venezuela”. O dado é exagerado, segundo especialistas, mas esta Milicia Nacional Bolivariana supera em muito os 123 mil homens do contingente das Forças Armadas. Este é o povo armado dos sonhos de Bolsonaro, milicianos bolsonaristas, para copiar, no Brasil, o modelo bolivariano de intimidação e violência política contra os adversários, que mantém o governo no poder, apesar da devastadora crise econômica, social e política. Mas o presidente brasileiro diz que pretende armar o povo brasileiro porque não quer uma ditadura. Logo ele, que não cansa de defender e louvar a ditadura militar brasileira, e que afirmou, lá atrás (1999), que o Brasil só iria mudar “quando nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo um trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil!”
Raul Jungmann tem razão quando adverte, em carta aberta aos ministros do STF-Supremo Tribunal Federal, que os decretos de Bolsonaro que facilitam o acesso a armas estimulam uma guerra civil no país. “Ao longo da história, diz ele, o armamento da população serviu a interesses de ditaduras, golpes de Estado, massacre e eliminação de raças e etnias, separatismos, genocídios e de ovo da serpente do fascismo italiano e do nazismo alemão”. O povo armado nunca serviu à democracia. Muito pelo contrário, empurra a política para o terreno pantanoso da violência, substitui os argumentos e a negociação política pela disputa armada, quebra o monopólio da força pelo Estado, e permite a formação de milícias e exércitos partidarizados. Tem sido assim na Venezuela de Chavez e Maduro. Pode vir a ser assim também no Brasil, se Bolsonaro continuar com seu projeto de armar o “seu” povo para o enfrentamento político que se avizinha com as eleições de 2022, lembrando que, seguindo o exemplo de Donald Trump, ele já antecipou que podem vir a ser fraudadas, se ele não for reeleito.
O mais absurdo e chocante desta iniciativa armamentista de Bolsonaro é o seu lançamento num momento em que morrem cerca de mil brasileiros por dia por Covid-19, em grande parte por conta de sua irresponsabilidade na condução (ou ausência de condução) da política sanitária do Brasil. Já são mais de 250 mil mortos, que se somam às 60 mil vítimas anuais de homicídios, quase sempre por arma de fogo. O presidente Jair Bolsonaro é o senhor das armas, e parece ter um desprezo especial pela vida dos brasileiros.
Cortem-lhe a cabeça!
A conduta do presidente é permanente, ele tem um projeto, não se trata de omissão.O que realmente funcionaria seria o afastamento do presidente e a instituição de um governo de salvação nacionalJosé Gomes Temporão., ex-ministro da Saúde
Numa fábula de Kafka, a letargia que a pandemia provocou no Brasil
É parca a literatura acerca da peste iniciada há um ano. Era de se esperar. A catástrofe só piora, seu pico parece se afastar, não chegar nunca. Será preciso tempo, reflexão e fantasia para se obter relatos que revolvam a tragédia, que avaliem o peso de milhares e milhares de mortes, de milhões de vidas viradas de cabeça para baixo —como a sua.
A literatura dá forma a sentimentos difusos, a pensamentos sem nome, e faz assim com que se perceba o que os indivíduos e a espécie são. Por isso a pandemia reavivou o interesse por “Decameron”, de Boccaccio, “Um Diário do Ano da Peste”, de Defoe, “A Peste”, de Camus.
Mas há um autor que, sem abordar expressamente calamidades bombásticas, diz muito dos dias que correm —dias de enclausuramento individual e anomia social. Talvez porque tenha escrito entre duas carnificinas, a Primeira e a Segunda Guerra. Ou porque, no interregno da grande guerra civil de 1914 a 1945, viu o que viríamos a ser: Kafka.
Numa prosa de tabelião, ele anteviu o sem sentido, o mal-estar permanente e sem escape no qual nos precipitamos. A ladeira impele a pessoa rumo ao muro no qual baterá a cara e cairá —e a bota do ogro lhe pisará para sempre o rosto. Não obstante, vamos em frente.
“Pequena Fábula” é um microconto de três frases que Kafka escreveu ao redor de 1920. Às vésperas da morte, pediu ao amigo Max Brod que o destruísse, assim como todos os seus inéditos. Publicado postumamente, foi traduzido por Modesto Carone e está no livro “Narrativas do Espólio”.
É uma fábula porque nela os bichos falam. Mas não tem nada de Esopo ou La Fontaine, não se encerra com uma lição de moral. Os contos e romances de Kafka nunca chegam a conclusões. E estão cheios de animais, vários inexistentes —e que aos poucos se descobre não serem humanos.
O mais ilustre deles é o “inseto monstruoso” de “A Metamorfose”, no qual Gregor Samsa se vê transformado ao acordar. Sem porquê nem quando, virou um bicho marrom e cheio de pernas, desprezado pela própria família. Desumanizado, morrerá desentendido de si mesmo.
Os personagens da “Pequena Fábula” são híbridos que falam como humanos e agem como animais. O “ah” inicial combina surpresa e constatação. Ele inaugura e sintetiza as oposições binárias que percorrem o curto diálogo de uma ponta à outra: estreito/vasto, paredes/canto, direita/esquerda, princípio/último, rato/gato.
Amálgama de felicidade e medo, a correria do rato serve de figura para os dias de hoje, nos quais a peste nos empareda progressivamente. O que era vasto se estreita até desembocar no canto onde duas alternativas aguardam o rato, a ratoeira ou o gato. Elas são na verdade uma —mutilação e morte.
Há ironia na terceira alternativa, oferecida pelo gato ao rato: é só mudar de direção, e em seguida o devora. O final surpreende, mas não chega a ser engraçado porque Kafka, realista, faz com que o mais forte triunfe inapelavelmente. Seu gato e seu rato são o oposto de Tom e Jerry.
O desenho animado é uma repetição obsessiva de agressões. Tom e Jerry normalizam a violência subjacente à vida real. Educam as crianças para o exercício e a submissão à violência. Ensinam a mesclar força e esperteza. Festejam o frenesi de um mundo movido a tiros e socos sem fim.
Kafka, não. Sem ilusões, incorpora tal mundo à arte. É por isso que sua literatura retrata tão bem a crise provocada pela peste. Sobretudo no Brasil. É como ratos que corremos entre paredes que convergem e nos conduzem ao canto onde o golpe nos aguarda. Um golpe político, coletivo e existencial —que nos animalizará de vez.
Nossa única chance é mudar de rumo. Mas como, se a letargia é geral? Em “Uma Mensagem Imperial”, a resposta imaginada por Kafka não chega nunca a seu destinatário, que “sonha com ela quando a noite chega”.
Em “Na Galeria”, o espectador, inerte diante das desgraças à sua volta, afunda “num sonho pesado, chora sem o saber”. A um amigo, Gustav Janouch, Kafka disse: “Existe muita esperança, mas não para nós”.
A literatura dá forma a sentimentos difusos, a pensamentos sem nome, e faz assim com que se perceba o que os indivíduos e a espécie são. Por isso a pandemia reavivou o interesse por “Decameron”, de Boccaccio, “Um Diário do Ano da Peste”, de Defoe, “A Peste”, de Camus.
Mas há um autor que, sem abordar expressamente calamidades bombásticas, diz muito dos dias que correm —dias de enclausuramento individual e anomia social. Talvez porque tenha escrito entre duas carnificinas, a Primeira e a Segunda Guerra. Ou porque, no interregno da grande guerra civil de 1914 a 1945, viu o que viríamos a ser: Kafka.
Numa prosa de tabelião, ele anteviu o sem sentido, o mal-estar permanente e sem escape no qual nos precipitamos. A ladeira impele a pessoa rumo ao muro no qual baterá a cara e cairá —e a bota do ogro lhe pisará para sempre o rosto. Não obstante, vamos em frente.
“Pequena Fábula” é um microconto de três frases que Kafka escreveu ao redor de 1920. Às vésperas da morte, pediu ao amigo Max Brod que o destruísse, assim como todos os seus inéditos. Publicado postumamente, foi traduzido por Modesto Carone e está no livro “Narrativas do Espólio”.
“Ah”, disse o rato, “o mundo torna-se a cada dia mais estreito. A princípio era tão vasto que me dava medo, eu continuava correndo e me sentia feliz com o fato de que finalmente via a distância, à direita e à esquerda, as paredes, mas essas longas paredes convergem tão depressa uma para a outra que já estou no último quarto e lá no canto fica a ratoeira para a qual eu corro.”
“Você só precisa mudar de direção”, disse o gato, e o devorou.
É uma fábula porque nela os bichos falam. Mas não tem nada de Esopo ou La Fontaine, não se encerra com uma lição de moral. Os contos e romances de Kafka nunca chegam a conclusões. E estão cheios de animais, vários inexistentes —e que aos poucos se descobre não serem humanos.
O mais ilustre deles é o “inseto monstruoso” de “A Metamorfose”, no qual Gregor Samsa se vê transformado ao acordar. Sem porquê nem quando, virou um bicho marrom e cheio de pernas, desprezado pela própria família. Desumanizado, morrerá desentendido de si mesmo.
Os personagens da “Pequena Fábula” são híbridos que falam como humanos e agem como animais. O “ah” inicial combina surpresa e constatação. Ele inaugura e sintetiza as oposições binárias que percorrem o curto diálogo de uma ponta à outra: estreito/vasto, paredes/canto, direita/esquerda, princípio/último, rato/gato.
Amálgama de felicidade e medo, a correria do rato serve de figura para os dias de hoje, nos quais a peste nos empareda progressivamente. O que era vasto se estreita até desembocar no canto onde duas alternativas aguardam o rato, a ratoeira ou o gato. Elas são na verdade uma —mutilação e morte.
Há ironia na terceira alternativa, oferecida pelo gato ao rato: é só mudar de direção, e em seguida o devora. O final surpreende, mas não chega a ser engraçado porque Kafka, realista, faz com que o mais forte triunfe inapelavelmente. Seu gato e seu rato são o oposto de Tom e Jerry.
O desenho animado é uma repetição obsessiva de agressões. Tom e Jerry normalizam a violência subjacente à vida real. Educam as crianças para o exercício e a submissão à violência. Ensinam a mesclar força e esperteza. Festejam o frenesi de um mundo movido a tiros e socos sem fim.
Kafka, não. Sem ilusões, incorpora tal mundo à arte. É por isso que sua literatura retrata tão bem a crise provocada pela peste. Sobretudo no Brasil. É como ratos que corremos entre paredes que convergem e nos conduzem ao canto onde o golpe nos aguarda. Um golpe político, coletivo e existencial —que nos animalizará de vez.
Nossa única chance é mudar de rumo. Mas como, se a letargia é geral? Em “Uma Mensagem Imperial”, a resposta imaginada por Kafka não chega nunca a seu destinatário, que “sonha com ela quando a noite chega”.
Em “Na Galeria”, o espectador, inerte diante das desgraças à sua volta, afunda “num sonho pesado, chora sem o saber”. A um amigo, Gustav Janouch, Kafka disse: “Existe muita esperança, mas não para nós”.
Pazuello descobre a pólvora
Há um ano, bem no começo da pandemia da covid-19, se discutia se era uma “gripezinha”, como disse o presidente Jair Bolsonaro, ou uma grave crise sanitária. O então ministro da Saúde, Henrique Mandetta, insistia que era preciso adotar a política de distanciamento social, para achatar a curva de contaminação e evitar o colapso do Sistema Único de Saúde (SUS), enquanto se esperava uma vacina eficaz contra o novo coronavírus. Acabou demitido por contrariar Bolsonaro. O oncologista Nelson Teich, que o substituiu, pediu demissão rapidinho. Bem-mandado, o general de divisão Henrique Pazuello foi nomeado para o cargo.
Naquela ocasião, já se sabia que a pandemia cresceria exponencialmente. Entretanto, incentivados por Bolsonaro, os negacionistas embarcaram na canoa furada da gripezinha, nem mesmo máscaras usavam, e colocavam em dúvida a eficácia das vacinas, que, finalmente, estão chegando, mas em quantidade menor do que a necessária para conter a expansão da doença. Desprezaram o conhecimento e a experiência de sanitaristas, infectologistas e cientistas. O primeiro escalão do Ministério da Saúde foi substituído por um grupo de militares neófitos em saúde pública.
Bolsonaro agiu como aquele rei persa que apostou e perdeu a partida de xadrez. Como recompensa, o seu vizir pediu um grão de trigo no primeiro quadrado do tabuleiro, dois no segundo, quatro no terceiro e assim por diante, dobrando sempre as quantidades. O rei achou a recompensa insignificante, oferecendo joias, odaliscas, palácios, mas o vizir recusou. Só desejava os montes de trigo. Na hora de pagar a aposta, porém, o rei teve uma surpresa muito desagradável. O número de grãos começou pequeno: 1, 2, 4, 8, 16, 32 (…) e foi crescendo, 128, 256, 512, 1.024… Quando chegou à última das 64 casas do tabuleiro, era de quase 18,5 quintilhões.
A história foi contada pelo físico norte-americano Carl Sagan ("Bilhões e bilhões: reflexões sobre vida e morte", Companhia das Letras, 1998) para chamar a atenção para a importância de se levar em conta os números exponenciais na análise da escala dos mais variados assuntos. É o caso da pandemia de coronavírus, que pode virar uma endemia, se a política de vacinação do governo continuar errática, para não dizer toda errada, como está sendo realizada.
Na quarta-feira, chegamos a 250 mil óbitos, com média móvel recorde de 1.129 mortes por dia. Estudo da Fiocruz referente à Semana Epidemiológica 7 de 2021 (período de 14 a 20 de fevereiro) mostra que oito dos 27 estados apresentam sinal de crescimento de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e da covid-19 (95,4% do total de testes positivos), enquanto seis apresentaram tendência de queda. Entretanto, todas as regiões do país estão em risco. Ceará, Santa Catarina e Tocantins apresentam sinal forte (probabilidade maior que 95%) de crescimento na tendência de longo prazo (seis meses). Bahia, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Sul mostram sinal moderado (probabilidade maior que 75%). Ceará e Paraíba acumulam cerca de seis semanas consecutivas de crescimento, enquanto Tocantins apresenta cinco semanas. Alagoas, Goiás, Maranhão e Rondônia, embora estejam com sinal de estabilidade na tendência de longo prazo, vêm de longo período de crescimento.
Na quinta-feira, o ministro Pazuello anunciou que o governo tem três estratégias para enfrentar a pandemia: atendimento imediato em unidades básicas de saúde, estruturação de leitos de UTI e de enfermaria e impulsionamento da vacinação. Ou seja, descobriu a pólvora. Admitiu que a nova cepa do coronavírus, que surgiu em Manaus, já está em várias regiões do país. Citou aumento da contaminação no Pará, no Rio Grande do Norte, na Paraíba, em Goiás, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Na verdade, os sinais de que o SUS pode entrar em colapso, como aconteceu em Manaus, vêm da escassez de leitos em Santa Catarina, Tocantins, Rondônia, Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará, Paraíba, Maranhão e Sergipe.
Quando Pazuello fala em pronto atendimento nas unidades básicas de saúde, não fica claro qual é o tipo de tratamento. Segundo a revista científica New England Journal of Medicine, a pesquisa Solidarity (Solidariedade) mostrou que medicamentos como hidroxicloroquina, remdesivir, lopinavir e interferon tiveram pouco ou nenhum efeito em pacientes hospitalizados com o novo coronavírus. A pesquisa é organizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e, no Brasil, conduzida pela Fiocruz. Esse coquetel faz parte do chamado “tratamento precoce”, que era recomendado pelo Ministério da Saúde e foi desaconselhado pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Naquela ocasião, já se sabia que a pandemia cresceria exponencialmente. Entretanto, incentivados por Bolsonaro, os negacionistas embarcaram na canoa furada da gripezinha, nem mesmo máscaras usavam, e colocavam em dúvida a eficácia das vacinas, que, finalmente, estão chegando, mas em quantidade menor do que a necessária para conter a expansão da doença. Desprezaram o conhecimento e a experiência de sanitaristas, infectologistas e cientistas. O primeiro escalão do Ministério da Saúde foi substituído por um grupo de militares neófitos em saúde pública.
Bolsonaro agiu como aquele rei persa que apostou e perdeu a partida de xadrez. Como recompensa, o seu vizir pediu um grão de trigo no primeiro quadrado do tabuleiro, dois no segundo, quatro no terceiro e assim por diante, dobrando sempre as quantidades. O rei achou a recompensa insignificante, oferecendo joias, odaliscas, palácios, mas o vizir recusou. Só desejava os montes de trigo. Na hora de pagar a aposta, porém, o rei teve uma surpresa muito desagradável. O número de grãos começou pequeno: 1, 2, 4, 8, 16, 32 (…) e foi crescendo, 128, 256, 512, 1.024… Quando chegou à última das 64 casas do tabuleiro, era de quase 18,5 quintilhões.
A história foi contada pelo físico norte-americano Carl Sagan ("Bilhões e bilhões: reflexões sobre vida e morte", Companhia das Letras, 1998) para chamar a atenção para a importância de se levar em conta os números exponenciais na análise da escala dos mais variados assuntos. É o caso da pandemia de coronavírus, que pode virar uma endemia, se a política de vacinação do governo continuar errática, para não dizer toda errada, como está sendo realizada.
Na quarta-feira, chegamos a 250 mil óbitos, com média móvel recorde de 1.129 mortes por dia. Estudo da Fiocruz referente à Semana Epidemiológica 7 de 2021 (período de 14 a 20 de fevereiro) mostra que oito dos 27 estados apresentam sinal de crescimento de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e da covid-19 (95,4% do total de testes positivos), enquanto seis apresentaram tendência de queda. Entretanto, todas as regiões do país estão em risco. Ceará, Santa Catarina e Tocantins apresentam sinal forte (probabilidade maior que 95%) de crescimento na tendência de longo prazo (seis meses). Bahia, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Sul mostram sinal moderado (probabilidade maior que 75%). Ceará e Paraíba acumulam cerca de seis semanas consecutivas de crescimento, enquanto Tocantins apresenta cinco semanas. Alagoas, Goiás, Maranhão e Rondônia, embora estejam com sinal de estabilidade na tendência de longo prazo, vêm de longo período de crescimento.
Na quinta-feira, o ministro Pazuello anunciou que o governo tem três estratégias para enfrentar a pandemia: atendimento imediato em unidades básicas de saúde, estruturação de leitos de UTI e de enfermaria e impulsionamento da vacinação. Ou seja, descobriu a pólvora. Admitiu que a nova cepa do coronavírus, que surgiu em Manaus, já está em várias regiões do país. Citou aumento da contaminação no Pará, no Rio Grande do Norte, na Paraíba, em Goiás, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Na verdade, os sinais de que o SUS pode entrar em colapso, como aconteceu em Manaus, vêm da escassez de leitos em Santa Catarina, Tocantins, Rondônia, Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará, Paraíba, Maranhão e Sergipe.
Quando Pazuello fala em pronto atendimento nas unidades básicas de saúde, não fica claro qual é o tipo de tratamento. Segundo a revista científica New England Journal of Medicine, a pesquisa Solidarity (Solidariedade) mostrou que medicamentos como hidroxicloroquina, remdesivir, lopinavir e interferon tiveram pouco ou nenhum efeito em pacientes hospitalizados com o novo coronavírus. A pesquisa é organizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e, no Brasil, conduzida pela Fiocruz. Esse coquetel faz parte do chamado “tratamento precoce”, que era recomendado pelo Ministério da Saúde e foi desaconselhado pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Bolsonaro, o rei do asfalto
Viajei pelo Brasil nas últimas semanas. Estive no Rio Grande do Sul e em Mato Grosso, mas também em lugares exóticos do Rio, como Gávea e Leblon, redutos dos muito ricos. Durante as viagens acabou sendo inevitável encontrar apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Fiz um grande esforço para não iniciar discussões extenuantes com eles ou até brigas. Queria escutá-los, aprender algo com eles. Porque ainda é um mistério para mim como os brasileiros puderam votar em um homem que disse que 30 mil deles deveriam ser mortos.
Nesses encontros, uma coisa continuou chamando minha atenção. Um fenômeno que eu também já havia observado nos grupos ultraconservadores de Whatsapp que eu acompanho por interesse profissional (e sociológico).
O bolsonarismo está se tornando um culto de estradas. Sempre que perguntei aos bolsonaristas o que o governo fez nos últimos dois anos, recebi uma resposta: construiu estradas! Disseram que ele consertou, completou ou construiu essa ou aquela BR. E, todos pareciam ter certeza, sem corrupção nenhuma.
Nos grupos bolsonaristas de Whatsapp, fotos de projetos de construção de estradas são frequentemente compartilhadas (claro, quando não há assuntos mais urgentes que são suprimidos pela grande mídia e que todos os membros do grupo devem compartilhar em massa – por exemplo, que os cristãos na Venezuela estão sendo forçados a comer Bíblias).
A inspiração para o fã-clube das estradas vem do mais alto nível. O presidente frequentemente compartilha nas mídias sociais fotos do início ou da conclusão de qualquer projeto de infraestrutura regional.
De fato, não há nada de errado com estradas boas e seguras (embora novas linhas de trem fossem preferíveis). Mas também é verdade que elas são a arma polivalente e tradicional de governos populistas em todo o mundo. Porque construir uma estrada é mais rápido e fácil do que construir um bom sistema de educação ou saúde. E traz um efeito imediato. Ao fim e ao cabo, todo mundo prefere dirigir em bom asfalto do que constantemente batendo em buracos.
Também não deve ser esquecido que estradas, como todos os grandes projetos de infraestrutura, são uma ótima maneira de desviar dinheiro público para bolsos privados da forma mais discreta possível.
Seja como for, a coisa mais surpreendente sobre o tema vai além. Porque eu não me lembro de Bolsonaro ter concorrido a presidente como candidato das estradas. Lembro que ele falou em erradicar a corrupção no país e fortalecer a Operação Lava Jato. Dizia que queria cuidar da segurança pública. Também prometeu privatizar as rígidas empresas estatais, bem como soltar algumas das amarras de uma burocracia kafkiana que trava a economia. (Houve um quarto ponto – Deus, família e pátria – mas foi apenas uma brincadeira de um homem que aprova a tortura, é casado pela terceira vez e entende por pátria que, como presidente, você não precisa dizer uma palavra de empatia sobre a morte de 250 mil compatriotas pelo coronavírus).
É clara a razão pela qual a construção de estradas gera tanta euforia entre os bolsonaristas. Não há mais nada. O herói deles quebrou as suas promessas. A luta pela corrupção efetivamente terminou – possivelmente porque é bem provável que pelo menos um de seus filhos seja corrupto. A péssima situação da segurança pública no Brasil não mudou e vai piorar com os decretos de Bolsonaro para simplificar a posse de armas. E a promessa de liberalização da economia foi reduzida ao absurdo o mais tardar com a intervenção de Bolsonaro na Petrobras.
Então o que resta para este movimento, além da hidroxicloroquina, das fake news e das armas? O glorioso asfalto.
Embora eu deteste estragar a festa, é necessário mencionar um estudo feito pela plataforma de verificação de informações "Aos Fatos". Ela descobriu em 2019 que 54% das ações celebradas por Bolsonaro no Twitter são herança de governos anteriores. No ano passado, Bolsonaro inaugurou orgulhosamente a conclusão da BR-163. Mas a verdade é que entre 2007 e 2014 foram investidos R$ 1,5 bilhão pelos governos do PT. Em 2018 ao redor de 75% das obras já haviam sido concluídas e restavam apenas 51 quilômetros. Foi isso que Bolsonaro inaugurou. Parabéns!
Philipp Lichterbeck
Nesses encontros, uma coisa continuou chamando minha atenção. Um fenômeno que eu também já havia observado nos grupos ultraconservadores de Whatsapp que eu acompanho por interesse profissional (e sociológico).
O bolsonarismo está se tornando um culto de estradas. Sempre que perguntei aos bolsonaristas o que o governo fez nos últimos dois anos, recebi uma resposta: construiu estradas! Disseram que ele consertou, completou ou construiu essa ou aquela BR. E, todos pareciam ter certeza, sem corrupção nenhuma.
Nos grupos bolsonaristas de Whatsapp, fotos de projetos de construção de estradas são frequentemente compartilhadas (claro, quando não há assuntos mais urgentes que são suprimidos pela grande mídia e que todos os membros do grupo devem compartilhar em massa – por exemplo, que os cristãos na Venezuela estão sendo forçados a comer Bíblias).
A inspiração para o fã-clube das estradas vem do mais alto nível. O presidente frequentemente compartilha nas mídias sociais fotos do início ou da conclusão de qualquer projeto de infraestrutura regional.
De fato, não há nada de errado com estradas boas e seguras (embora novas linhas de trem fossem preferíveis). Mas também é verdade que elas são a arma polivalente e tradicional de governos populistas em todo o mundo. Porque construir uma estrada é mais rápido e fácil do que construir um bom sistema de educação ou saúde. E traz um efeito imediato. Ao fim e ao cabo, todo mundo prefere dirigir em bom asfalto do que constantemente batendo em buracos.
Também não deve ser esquecido que estradas, como todos os grandes projetos de infraestrutura, são uma ótima maneira de desviar dinheiro público para bolsos privados da forma mais discreta possível.
Seja como for, a coisa mais surpreendente sobre o tema vai além. Porque eu não me lembro de Bolsonaro ter concorrido a presidente como candidato das estradas. Lembro que ele falou em erradicar a corrupção no país e fortalecer a Operação Lava Jato. Dizia que queria cuidar da segurança pública. Também prometeu privatizar as rígidas empresas estatais, bem como soltar algumas das amarras de uma burocracia kafkiana que trava a economia. (Houve um quarto ponto – Deus, família e pátria – mas foi apenas uma brincadeira de um homem que aprova a tortura, é casado pela terceira vez e entende por pátria que, como presidente, você não precisa dizer uma palavra de empatia sobre a morte de 250 mil compatriotas pelo coronavírus).
É clara a razão pela qual a construção de estradas gera tanta euforia entre os bolsonaristas. Não há mais nada. O herói deles quebrou as suas promessas. A luta pela corrupção efetivamente terminou – possivelmente porque é bem provável que pelo menos um de seus filhos seja corrupto. A péssima situação da segurança pública no Brasil não mudou e vai piorar com os decretos de Bolsonaro para simplificar a posse de armas. E a promessa de liberalização da economia foi reduzida ao absurdo o mais tardar com a intervenção de Bolsonaro na Petrobras.
Então o que resta para este movimento, além da hidroxicloroquina, das fake news e das armas? O glorioso asfalto.
Embora eu deteste estragar a festa, é necessário mencionar um estudo feito pela plataforma de verificação de informações "Aos Fatos". Ela descobriu em 2019 que 54% das ações celebradas por Bolsonaro no Twitter são herança de governos anteriores. No ano passado, Bolsonaro inaugurou orgulhosamente a conclusão da BR-163. Mas a verdade é que entre 2007 e 2014 foram investidos R$ 1,5 bilhão pelos governos do PT. Em 2018 ao redor de 75% das obras já haviam sido concluídas e restavam apenas 51 quilômetros. Foi isso que Bolsonaro inaugurou. Parabéns!
Philipp Lichterbeck
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021
Um presidente que age como insano é a primeira vez
Desculpem voltar ao tema, mas não dá para segurar. O cara queria revogar a lei da oferta e da procura! Achava que os laboratórios de vacina disputariam a tapa o mercado brasileiro. Pagou mais caro e ficou no fim da fila de entregas. Exige da Petrobras a previsibilidade do dólar e do preço do barril de petróleo, que nem Mãe Diná garante. Mesmo sabendo que seria uma bomba no mercado, fez a estatal perder 100 bilhões de reais de seu valor, ao colocar na presidência mais um general, que entende tanto de petróleo quanto Pazuello de saúde. Feliz de quem soube antes e vendeu na alta e recomprou na baixa.
O homem disse, sem rir, que sempre tratou a imprensa “com cortesia e lealdade”, só queria dar um soco na cara do repórter que perguntou sobre os 89 mil do Queiroz na conta de Michele. Por ele, fecharia os jornais. E o tal do “mercado” também. Ele ameaça mais o capitalismo do que um governo de esquerda. Deu mais prejuízo à Petrobras que todas as ladroeiras da era Lula/Dilma.
O capetão (será erro de digitação, ato falho, piada ou justiça poética?) confia no respeito dos militares pela hierarquia: o chefe manda e eles obedecem. Talvez por isso tenha tantos militares submissos no governo executando suas ordens absurdas. Deve imaginar que, se sofrer um impeachment, os militares o apoiarão em um golpe “em defesa da liberdade”. A deles, é claro.
Suplicamos a nossos irmãos evangélicos que submetam o capetão a um urgente descarrego, expulsem seus demônios, lavem sua alma de entidades malignas, iluminem seu espírito e avisem a ele que Jesus está vendo. O homem está carregado. Só isso pode explicar as barbaridades que ele diz, desdiz, mente, trapaceia, sempre com efeitos desastrosos na diplomacia, na economia e na democracia.
Quanto mais gente morre, quanto mais atrasam as vacinas, quanto mais a economia piora, mais cresce a rejeição a Bolsonaro. Cresceria em qualquer governo, contra os números não há argumentos nem fake news que convençam. Todo mundo sente na pele os efeitos de suas mentiras e suas bravatas irresponsáveis, como os americanos sentiram com Trump e o levaram à derrota.
Com o fim ou a diminuição do auxílio emergencial, ou o estouro do teto fiscal, Bolsonaro tende a ser o que seus fanáticos o chamam: um mito, apenas um mito, como o saci ou a mula sem cabeça, cultuado por seus devotos e rejeitado pela maioria da população.
Governantes bons ou maus entram e saem com as eleições, mas um presidente que age como insano é a primeira vez. Ou segunda, depois de Jânio Quadros, que além de amalucado era golpista e bebum e deu incalculáveis prejuízos ao Brasil.
O monarca inglês George III (1738-1820) enlouqueceu, perdeu o juízo, e nos seus surtos saía nu pelos jardins do palácio, falava barbaridades e jogava fezes em seus ministros. O rei foi afastado, mas antes provocou muitos estragos à Inglaterra. Doença mental é assunto sério, não é vergonha para ninguém.
Jair Bolsonaro não precisa ser odiado ou adorado, combatido ou apoiado, precisa ser estudado.
O homem disse, sem rir, que sempre tratou a imprensa “com cortesia e lealdade”, só queria dar um soco na cara do repórter que perguntou sobre os 89 mil do Queiroz na conta de Michele. Por ele, fecharia os jornais. E o tal do “mercado” também. Ele ameaça mais o capitalismo do que um governo de esquerda. Deu mais prejuízo à Petrobras que todas as ladroeiras da era Lula/Dilma.
O capetão (será erro de digitação, ato falho, piada ou justiça poética?) confia no respeito dos militares pela hierarquia: o chefe manda e eles obedecem. Talvez por isso tenha tantos militares submissos no governo executando suas ordens absurdas. Deve imaginar que, se sofrer um impeachment, os militares o apoiarão em um golpe “em defesa da liberdade”. A deles, é claro.
Suplicamos a nossos irmãos evangélicos que submetam o capetão a um urgente descarrego, expulsem seus demônios, lavem sua alma de entidades malignas, iluminem seu espírito e avisem a ele que Jesus está vendo. O homem está carregado. Só isso pode explicar as barbaridades que ele diz, desdiz, mente, trapaceia, sempre com efeitos desastrosos na diplomacia, na economia e na democracia.
Quanto mais gente morre, quanto mais atrasam as vacinas, quanto mais a economia piora, mais cresce a rejeição a Bolsonaro. Cresceria em qualquer governo, contra os números não há argumentos nem fake news que convençam. Todo mundo sente na pele os efeitos de suas mentiras e suas bravatas irresponsáveis, como os americanos sentiram com Trump e o levaram à derrota.
Com o fim ou a diminuição do auxílio emergencial, ou o estouro do teto fiscal, Bolsonaro tende a ser o que seus fanáticos o chamam: um mito, apenas um mito, como o saci ou a mula sem cabeça, cultuado por seus devotos e rejeitado pela maioria da população.
Governantes bons ou maus entram e saem com as eleições, mas um presidente que age como insano é a primeira vez. Ou segunda, depois de Jânio Quadros, que além de amalucado era golpista e bebum e deu incalculáveis prejuízos ao Brasil.
O monarca inglês George III (1738-1820) enlouqueceu, perdeu o juízo, e nos seus surtos saía nu pelos jardins do palácio, falava barbaridades e jogava fezes em seus ministros. O rei foi afastado, mas antes provocou muitos estragos à Inglaterra. Doença mental é assunto sério, não é vergonha para ninguém.
Jair Bolsonaro não precisa ser odiado ou adorado, combatido ou apoiado, precisa ser estudado.
União de todos contra o vírus
O Brasil superou a terrível marca de 250 mil mortes em decorrência da covid-19. É a maior tragédia nacional a se abater sobre as atuais gerações. Para aumentar ainda mais a angústia de milhões de brasileiros, nada indica que a pior fase da peste já tenha passado. Ao contrário, há evidentes sinais de recrudescimento da pandemia. No Amazonas, por exemplo, só nos dois primeiros meses de 2021 foram registradas mais mortes por covid-19 do que ao longo de todo o ano passado.
A campanha de vacinação, única saída para pôr fim ao morticínio, segue lenta, incerta. A distribuição das poucas vacinas que há é atabalhoada, vide a recente trapalhada ocorrida no envio dos imunizantes para o Amapá e o Amazonas.
Novas cepas do coronavírus, mais contagiosas, já circulam livremente Brasil afora, sem qualquer tipo de rastreamento pelas autoridades sanitárias.
A medida está longe do ideal. Mas o que é “ideal” no atual estágio da pandemia e dos humores da sociedade? Ideal é o que é possível fazer. É verdade que a maior parte das pessoas já estaria recolhida naquele período, mas também é fato que há muitos eventos e festas clandestinas que reúnem pequenas multidões nas madrugadas. Os objetivos do governo paulista são coibir, na medida do possível, esses eventos e alertar a população, mais uma vez, de que as coisas não vão bem. Qualquer medida de restrição tem também essa função de alertar os cidadãos para o risco.
O novo coronavírus se espalha como nunca antes pelo País desde o início deste flagelo, há um ano. Há mais de um mês, os brasileiros convivem com a morte de mais de mil de seus concidadãos todos os dias. O número é subestimado. A baixa testagem e a imprecisão diagnóstica escondem a real dimensão da tragédia.
A campanha de vacinação, única saída para pôr fim ao morticínio, segue lenta, incerta. A distribuição das poucas vacinas que há é atabalhoada, vide a recente trapalhada ocorrida no envio dos imunizantes para o Amapá e o Amazonas.
Novas cepas do coronavírus, mais contagiosas, já circulam livremente Brasil afora, sem qualquer tipo de rastreamento pelas autoridades sanitárias.
Os sistemas de saúde de pequenas e médias cidades do interior do Brasil entraram em colapso. Médicos têm de decidir na porta dos hospitais quem será socorrido e quem terá de se haver com a própria sorte. Muitos cidadãos, em especial os mais jovens, comportam-se como se a pandemia tivesse passado. Ou pior, como se não lhes dissesse respeito. É muito difícil nutrir a esperança por dias melhores diante da ausência de um espírito mais fraterno que una a sociedade nos esforços para superar um mal que, independentemente da medida, afeta todos, sem distinções de qualquer ordem.
No mais rico Estado do País, São Paulo, estima-se que em apenas três semanas não haverá leitos de UTI para dar conta do atendimento de todos os doentes. É de imaginar o que pode ocorrer – na verdade, já está ocorrendo – em Estados sem as mesmas condições dos paulistas. O governador João Doria (PSDB) anunciou uma “restrição de circulação” entre 23 e 5 horas, que valerá de hoje até o dia 14 de março, para tentar conter o avanço da doença.
A medida está longe do ideal. Mas o que é “ideal” no atual estágio da pandemia e dos humores da sociedade? Ideal é o que é possível fazer. É verdade que a maior parte das pessoas já estaria recolhida naquele período, mas também é fato que há muitos eventos e festas clandestinas que reúnem pequenas multidões nas madrugadas. Os objetivos do governo paulista são coibir, na medida do possível, esses eventos e alertar a população, mais uma vez, de que as coisas não vão bem. Qualquer medida de restrição tem também essa função de alertar os cidadãos para o risco.
Sempre é possível questionar as chances de eficácia das medidas impostas pelo Palácio dos Bandeirantes, seguindo a recomendação do Comitê de Contingência da Covid-19, na contenção do espalhamento do vírus. No entanto, o fato é que, sejam quais forem as medidas adotadas por governos, no Brasil e no mundo, por melhores que sejam entre as paredes dos gabinetes de crise, de nada valerão se os cidadãos não as respeitarem na vida cotidiana. Em outras palavras, a solução para uma crise da magnitude da pandemia de covid-19 não depende apenas da atuação do Estado, mas também do engajamento da sociedade.
Evidentemente, não se está aqui a relativizar a enorme responsabilidade que os atos e as omissões das autoridades, em especial do presidente Jair Bolsonaro e de seu ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, têm na construção dessa tragédia sem paralelos recentes. Chegará o dia em que a negligência de um e de outro será escrutinada pela Justiça. Entretanto, não cabe uma postura igualmente omissa e passiva de cada um dos cidadãos.
Hoje, o País chora a morte de 250 mil dos seus, e nada indica que a pandemia arrefecerá sem uma robusta campanha de imunização e sem a adoção de rigorosas medidas preventivas. O iminente colapso do sistema de saúde em boa parte do País não permite relaxamento – nem das autoridades nem dos cidadãos.
O preço da liberdade
Outro dia, num debate sobre política na TV, escutei alguém dizer: “Aqueles que não se lembram do passado estão condenados a repeti-lo”. Fiquei encantado —havia anos não ouvia essa frase do filósofo George Santayana. Não que ela tivesse deixado de valer. É que, pela quantidade de vezes em que foi citada no século 20, era como se entrasse e saísse por conta própria dos textos. Quando isso acontece, não há frase que aguente —o conteúdo se esgota e fica a frase pela frase. E ela já fora abandonada.
Várias outras frases clássicas da política correm o risco de ter de pedir aposentadoria: “A história se repete primeiro como tragédia, depois como farsa” (Karl Marx). “O patriotismo é o último refúgio dos canalhas” (Samuel Johnson). “Não existe almoço grátis” (popularizada por Milton Friedman). “Tudo deve mudar para que tudo fique na mesma” (Giuseppe Tomasi di Lampedusa).
E o que dizer dos achados dos nossos frasistas? “Política é como nuvem. Você olha e está de um jeito. Olha de novo e já mudou” (Magalhães Pinto). “O que vale não é o fato, mas a versão” (José Maria Alckmin). “Política é a arte de engolir sapos” (Nereu Ramos). “Política é a arte de namorar homem” (Rubem Braga).
Seja como for, essas citações ficaram sofisticadas demais para o que está acontecendo hoje no Brasil. Nossa realidade se brutalizou de forma a não comportar mais análises, só constatações —e alertas. Nunca se viu, por exemplo, uma interferência política tão nociva e ofensiva em todos os setores da administração. Os canais da Justiça estão sendo meticulosamente obstruídos para dar um verniz de legalidade à fratura institucional em preparo. E há fanáticos e sicários se armando e juntando munição para o caso de resistência. Está na cara.
Diante disso ressurge, quem diria, uma frase muito popular no passado entre os avós dos que hoje tramam um auto-assalto ao poder: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”.
Várias outras frases clássicas da política correm o risco de ter de pedir aposentadoria: “A história se repete primeiro como tragédia, depois como farsa” (Karl Marx). “O patriotismo é o último refúgio dos canalhas” (Samuel Johnson). “Não existe almoço grátis” (popularizada por Milton Friedman). “Tudo deve mudar para que tudo fique na mesma” (Giuseppe Tomasi di Lampedusa).
E o que dizer dos achados dos nossos frasistas? “Política é como nuvem. Você olha e está de um jeito. Olha de novo e já mudou” (Magalhães Pinto). “O que vale não é o fato, mas a versão” (José Maria Alckmin). “Política é a arte de engolir sapos” (Nereu Ramos). “Política é a arte de namorar homem” (Rubem Braga).
Seja como for, essas citações ficaram sofisticadas demais para o que está acontecendo hoje no Brasil. Nossa realidade se brutalizou de forma a não comportar mais análises, só constatações —e alertas. Nunca se viu, por exemplo, uma interferência política tão nociva e ofensiva em todos os setores da administração. Os canais da Justiça estão sendo meticulosamente obstruídos para dar um verniz de legalidade à fratura institucional em preparo. E há fanáticos e sicários se armando e juntando munição para o caso de resistência. Está na cara.
Diante disso ressurge, quem diria, uma frase muito popular no passado entre os avós dos que hoje tramam um auto-assalto ao poder: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”.
Tragédia na tragédia: O desgoverno de Bolsonaro na pandemia
Em um ano, já morreram mais de 250 mil brasileiros. Agora a nova explosão de casos se soma à escassez de vacinas. O país amarga uma tragédia dentro da tragédia: o desgoverno do Capitão Corona aumenta o poder de destruição da doença.
Bolsonaro conspirou abertamente contra a saúde pública. Estimulou aglomerações, fez campanha contra o uso de máscaras, travou a negociação de vacinas e ejetou dois médicos do ministério. Entregou a pasta a um paraquedista trapalhão, escolhido por não contestar as ordens do chefe.
Em janeiro, o general Eduardo Pazuello deixou faltar oxigênio em Manaus. Ele havia sido avisado com dias de antecedência, mas não se mexeu para evitar o colapso nos hospitais. Nesta quarta, o ministério militarizado admitiu outro erro grotesco: enviou para o Amapá vacinas destinadas ao Amazonas.
A pane na imunização é mais um reflexo do desgoverno. O Brasil registra 10% das mortes pela Covid em todo o mundo, mas aplicou apenas 3% das vacinas. Ontem o Rio retomou a vacinação de idosos, que havia sido suspensa por falta de doses. No sábado, terá que interromper a campanha pela segunda vez.
“Não sei onde vamos parar. Se o Brasil mantiver a vacinação a conta-gotas, o número de mortos pode ultrapassar os dois mil por dia. O país corre o risco de virar uma grande Manaus”, alerta o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta.
Demitido por Bolsonaro no início da pandemia, ele projeta um cenário de “desastre anunciado” nas próximas semanas. “O sistema de saúde está se despedaçando. Quem está no comando sabe o que é coturno, mas não sabe o que é seringa ou agulha. E os técnicos que restaram no ministério estão morrendo de medo”, conta.
Bolsonaro conspirou abertamente contra a saúde pública. Estimulou aglomerações, fez campanha contra o uso de máscaras, travou a negociação de vacinas e ejetou dois médicos do ministério. Entregou a pasta a um paraquedista trapalhão, escolhido por não contestar as ordens do chefe.
Em janeiro, o general Eduardo Pazuello deixou faltar oxigênio em Manaus. Ele havia sido avisado com dias de antecedência, mas não se mexeu para evitar o colapso nos hospitais. Nesta quarta, o ministério militarizado admitiu outro erro grotesco: enviou para o Amapá vacinas destinadas ao Amazonas.
A pane na imunização é mais um reflexo do desgoverno. O Brasil registra 10% das mortes pela Covid em todo o mundo, mas aplicou apenas 3% das vacinas. Ontem o Rio retomou a vacinação de idosos, que havia sido suspensa por falta de doses. No sábado, terá que interromper a campanha pela segunda vez.
“Não sei onde vamos parar. Se o Brasil mantiver a vacinação a conta-gotas, o número de mortos pode ultrapassar os dois mil por dia. O país corre o risco de virar uma grande Manaus”, alerta o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta.
Demitido por Bolsonaro no início da pandemia, ele projeta um cenário de “desastre anunciado” nas próximas semanas. “O sistema de saúde está se despedaçando. Quem está no comando sabe o que é coturno, mas não sabe o que é seringa ou agulha. E os técnicos que restaram no ministério estão morrendo de medo”, conta.
“No meio da crise, o Paulo Guedes ainda quer aprovar o fim da vinculação de recursos para a saúde. Se isso passar, será o tiro de misericórdia no SUS”, afirma Mandetta.
Assinar:
Postagens (Atom)