O Professor tinha algo de transcendental nas feições e na delicadeza dos gestos. Certa vez, a Professora Liana Mesquita narrou que na pesquisa sobre a desertificação no município de Parnamirim/PE, encolhido em seixos e areia grossa, um escorpião ensaiou o bote em direção a um membro da equipe que, instintivamente, reagiu em legítima defesa. O Professor ponderou: “Não mate. Se proteja. O escorpião é o único sinal de vida que encontramos. Será que aqui a vida não é possível”?
Na minha infância, os brinquedos eram simples e rústicos. Um deles, o perigoso bodoque ou estilingue, apropriado para caçar passarinhos e matar lagartixas. Eu e meu irmão éramos artesãos e usuários e, no quintal de casa, Romeu acertou um beija-flor. A voz do meu pai, em tom ameno, advertiu: “Meu filho, um pássaro lindo e indefeso”. Nos entreolhamos, dividindo a culpa. Arrependimento imediato. Traumatismo permanente. Depusemos as armas e passamos a refletir sobre o valor vida.
Sob os rigores da pandemia, lembrar simples gestos ganhou enorme valor: aperto de mão, abraço, selinho e beijo sem pressa. Em contrapartida, as pessoas passaram a ser classificadas pelo grau de periculosidade ou vulnerabilidade. Profissionais da saúde deixam, quando podem, a casa dos pais; os idosos recolhem-se à solitária das quarentenas e os curados são discriminados.
Infelizmente, as incertezas do horizonte sombrio põem fogo no Brasil fragmentado em ódios tribais e dilemas dramáticos. Neste sentido, a radicalização política colocou, de um lado, o articulista da Folha Hélio Schwartzman que “torce pela morte do presidente” com base no polêmico princípio consequencialista (espécie de ética transformada em aritmética: a morte de um legitima salvar vidas de duas ou mais pessoas); de outro, o Presidente negacionista, minimizando a gripe, trata a morte como fato inevitável.
Com efeito, os sobreviventes de uma tragédia em escala global têm uma indagação mais profunda do que os polemistas, quando o Bolsonaro, diante de mais de 50 mil óbitos, respondeu com uma pergunta de quatro letras “e daí?
Mais adequada seria a corajosa lição humanitária, carregada de dores, sofrimentos e dúvidas, revelada no livro “A Bailarina de Auschwitz”, e escrita pela personagem Edith Eger, diante da devastação: “Nossas vidas seguem em frente”.
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