Foi uma conversa fascinante sobre perguntas. Cada resposta conduzia a uma reflexão e mais outra. “Como as bonequinhas russas”, disse Ailton, as matrioskas. “Se a gente tiver a coragem de enfrentar uma pergunta, de dentro dela sairão outras”. A mais minúscula das bonequinhas não se abre. Como se fosse um totem, um enigma.
Ailton domina a tradição indígena da oralidade. Suas palavras acabam em livros como “Ideias para adiar o fim do mundo”, de 2019. “Não dou conselhos nem lanço modas”. “A vida não é útil” não será manual de autoajuda e não vai consolar ninguém sobre seus erros. “É um não-livro, como os anteriores. Foram pensados e falados, não escritos”. Um dos capítulos se chama "Não se come dinheiro". A vida não pode ser uma caixa registradora.
A vida é um dom, não uma mercadoria
No novo não-livro do pensador indígena, a noção de "vida útil" é detonada. Quem tem idade útil é lâmpada, diz Ailton. Lâmpadas são feitas com base na obsolescência, para não durar. Viramos meras lâmpadas, descartáveis, com prazo de validade, determinado pelo mercado primeiro para coisas e depois estendido a nossa experiência de vida.
Observar o que a pandemia faz com os idosos é doloroso. “Você é o próximo na lista de extinção. Somos descartados antes de cair no chão”. Os muito velhos têm maior clarividência. Já viram todo o jogo sujo. O conceito de utilidade mata também o planeta. “Comemos oceanos e montanhas. Para ser útil, a Terra precisa ser consumida por nós”.
Observar o que a pandemia faz com os idosos é doloroso. “Você é o próximo na lista de extinção. Somos descartados antes de cair no chão”. Os muito velhos têm maior clarividência. Já viram todo o jogo sujo. O conceito de utilidade mata também o planeta. “Comemos oceanos e montanhas. Para ser útil, a Terra precisa ser consumida por nós”.
“A Greta (Thunberg, ambientalista sueca adolescente) falou que estavam roubando seu futuro. E é isso mesmo”. Não há nada mais subversivo do que a honestidade. Por isso o mundo adulto sabota o mundo infantil. A vida é um dom, não uma mercadoria. O recém-nascido não chegou para nos ser útil. “Chegou para fruir a vida. Tem esse direito. Não é lâmpada”.
Vivemos a experiência do tempo líquido, nas palavras do pensador. A realidade líquida é apavorante. Precisamos de uma âncora mas estamos em suspensão. Multidões correm aos shoppings com crianças pequenas e de colo quando se abre a porteira. Todos se arriscam e ameaçam os outros para comprar uma pulseira ou um colar. O consumo é compulsivo. Nem é uma escolha. É um impulso. Que consegue enganar o estado de consciência. Shoppings, com seus pisos imaculados, assustam Ailton. "Se me obrigarem a atravessar um shopping, acabarei vomitando. E acharão que é sacanagem minha".
Vivemos a experiência do tempo líquido, nas palavras do pensador. A realidade líquida é apavorante. Precisamos de uma âncora mas estamos em suspensão. Multidões correm aos shoppings com crianças pequenas e de colo quando se abre a porteira. Todos se arriscam e ameaçam os outros para comprar uma pulseira ou um colar. O consumo é compulsivo. Nem é uma escolha. É um impulso. Que consegue enganar o estado de consciência. Shoppings, com seus pisos imaculados, assustam Ailton. "Se me obrigarem a atravessar um shopping, acabarei vomitando. E acharão que é sacanagem minha".
A pandemia escracha valores antes subliminares. Os seres que não enxergam o outro se comportam de maneira danosa, egoísta, narcisista. “São incompletos”. Pior que uma negação, é uma predação. Quando enxergam, é “para devorar o outro”. Vivemos um canibalismo mútuo.
“Agora habitamos um fim de mundo. Um admirável mundo podre”. Feito para zumbis, aqueles que operam de maneira impessoal e indiferente. Nesse momento da conversa, eu me perguntei quantos zumbis conheço. E você?
Ailton não crê que a pandemia deixe como legado sentimentos como compaixão, esperança, prosperidade. Essa seria uma ideia muito reconfortante da humanidade. “A esperança placebo é uma baba, uma mentira. Não uma coisa luminosa. Sei que posso parecer pessimista”. O líder Krenak não curte o mercado de ilusões.
Há outros mundos possíveis? Ailton responde com outra pergunta. “Se pudéssemos mudar, mudaríamos em que direção? O filósofo americano Noam Chomsky, o ex-presidente soviético Gorbachev e outros criaram fóruns mundiais pensando nisso. Mas a conclusão é que as pessoas querem mais do mesmo. Mais fake news, mais sacanagem e mais terror”.
A música do Ultraje a Rigor virou hino da Diretas Já. “A gente não sabemos escolher presidente/A gente não sabemos tomar conta da gente/A gente não sabemos nem escovar os dente/ Tem gringo pensando que nóis é indigente/Inútil!/A gente somos inútil”. A ironia e a provocação do Ultraje continuam atuais.
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