A palavra “patifaria” não foi escolhida ao acaso. Resulta de uma irresponsável incitação. No dia 19 de abril, dirigindo-se a apoiares reunidos em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro exortou a súcia que pedia o fechamento das instituições democráticas a “lutar” com ele. “Nós não queremos negociar nada. Nós queremos é ação pelo Brasil. Acabou a patifaria!”, bradou Bolsonaro, como se estivesse prestes a descer da Sierra Maestra, e não de uma caminhonete transformada em palanque.
Segundo o portal Congresso em Foco, outro que está por trás da gravíssima ameaça de assalto ao Congresso e à Corte Suprema é Marcelo Stachin, um dos líderes da campanha de formação da Aliança pelo Brasil, partido que o presidente Jair Bolsonaro pretende criar para chamar de seu. Ainda não se sabe quando, e se, a Aliança pelo Brasil cumprirá os requisitos legais e será autorizada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Fato é que a agremiação está muito mais próxima de um movimento golpista do que de um partido político.
Nos regimes democráticos, em especial em democracias representativas como é o caso do Brasil, os partidos políticos são as organizações por meio das quais os cidadãos participam da vida pública para contribuir na construção daquilo que em ciência política se convencionou chamar de “vontade do Estado”. Como se afigura, a Aliança pelo Brasil pretende o exato oposto, qual seja, eliminar qualquer possibilidade de diálogo para a formação daquela vontade. Assumindo a ação direta, como a criminosa intentona em Brasília, assemelha-se à tropa de segurança do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, criada em 1920 e precursora da temida Sturmabteilung (SA), a Seção de Assalto de triste memória. Quem duvida que veja as imagens das agressões dos camisas pardas a enfermeiras e jornalistas.
Na essência do movimento de formação da Aliança pelo Brasil, defendido e liderado por alguns dos que estão acampados em Brasília a ameaçar o Congresso e o STF, estão todos os elementos que identificam um movimento golpista, e não um partido político: a evocação a um passado mítico e glorioso; a propaganda (não raro disseminando informações falsas ou distorcendo fatos); o anti-intelectualismo; a vitimização de Jair Bolsonaro, tratado como um bom homem cercado de “patifes” por todos os lados, o “sistema”; o apelo a uma noção de “pátria” por meio da apropriação dos símbolos nacionais; e, por fim, a ação pela desarticulação da União e da sociedade. O que pode ser mais desagregador do que um movimento que ameaça partir para a ação violenta com o objetivo de fechar a Casa de representação do povo e a mais alta instância do Poder Judiciário? Não por acaso, o STF tem despertado especial revolta entre os camisas pardas do bolsonarismo. Classificada pelo tal Paulo Felipe como uma “casa maldita, composta por onze gângsteres”, a Corte Suprema tem se erguido em defesa da Constituição contra os avanços autoritários do presidente Jair Bolsonaro.
Um ato golpista desse jaez, cujos desdobramentos são imprevisíveis, é repugnante por si só e merece imediata condenação por todas as forças amantes da lei e da liberdade no País, em especial as Forças Armadas, citadas nominalmente tanto pelo presidente como por alguns dos líderes da ação golpista. É ainda mais acintoso porque toma justamente o local que representa a essência desta República para urdir um ataque aos Poderes Legislativo e Judiciário. Terá esse episódio mais uma vez o apoio explícito do chefe do Poder Executivo?
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