O parasita pode se instalar tanto fora (ectoparasita) como dentro (endoparasita) do corpo do hospedeiro. Piolhos e carrapatos são exemplos do primeiro; as lombrigas, do segundo. Já o parasitoidismo é a situação na qual se observa a morte do hospedeiro: As vespas, por exemplo, colocam os ovos no interior de alguns artrópodes. Após eclodirem, as larvas alimentam-se do hospedeiro ainda vivo. Depois de algum tempo, elas matam o hospedeiro e emergem de seu interior.
Para os neodarwinistas, como o biólogo Richard Dawkins (O gene egoísta), o organismo humano é apenas uma “máquina de sobrevivência” do gene, cujo objetivo é a sua autorreplicação; a espécie na qual ele existe é a “máquina” mais adequada a essa perpetuação. Analisando o comportamento de algumas espécies animais, Dawkins explica que o altruísmo que se observa em muitas espécies não é contraditório com o egoísmo do gene, mas contribui para a sua sobrevivência. A tese leva as ideias liberais ao terreno da história natural, pois o egoísmo seria uma característica básica dos indivíduos, sendo o altruísmo uma necessidade de sobrevivência, apenas.
Dawkins desenvolve o conceito de “meme” como o equivalente cultural ao gene, que seria uma espécie de unidade básica da memória ou do conhecimento que o ser humano transfere para os descendentes. A comparação da relação entre a administração pública e os que dela se aproveitam com o parasitismo faz todo o sentido, mas daí a classificar o servidor público de parasita, como fez o ministro da Economia, Paulo Guedes, há uma enorme distância. Mudando de paradigma, é tão equivocado como chamar de parasitas os operadores do mercado financeiro, categoria da qual o ministro faz parte, com muito êxito.
Existe, sim, parasitismo na administração pública brasileira. A Operação Lava-Jato está aí mesmo para mostrar a plêiade de ectoparasitas e endoparasitas que tomou de assalto, por exemplo, as operações da Petrobras e a preparação da Copa do Mundo de 2014, mas comparar os servidores públicos às pulgas, aos carrapatos e às lombrigas é uma agressão alucinada e inaceitável. Não foi à toa que o ministro Guedes se viu obrigado a distribuir uma nota afirmando que a frase na qual chama os servidores públicos de parasitas foi retirada do contexto — a culpa das declarações infelizes é sempre dos jornalistas. Guedes levou um puxão de orelhas do chefe, o presidente Jair Bolsonaro, mantido pelo erário público desde a juventude, seja como militar, seja como político.
Às vésperas de uma reforma administrativa cujo objetivo é reduzir custos, aumentar a eficiência e eliminar privilégios na máquina pública, a frase de Guedes revela que, mesmo cercado de excelentes técnicos do setor público, não se deu conta de que não existe administração eficiente e moderna sem um corpo burocrático qualificado e motivado. Ou seja, não conseguirá dar seguimento às reformas que preconiza sem conquistar o apoio dos servidores públicos de carreira.
Aliás, o governo Bolsonaro começa a pagar o preço por subestimar e tratar com preconceito os servidores, como no caso dos desmontes das equipes técnicas do INSS e da Dataprev, hoje com uma fila de 2,6 milhões de pessoas esperando aposentadorias e benefícios. Não se trata de defender o corporativismo e ser contra a privatização de estatais, como a Eletrobras, os Correios, a BR Distribuidora e outras. Mas é um erro crasso desvalorizar os servidores e, inclusive, não reconhecer a existência de centros de excelência na gestão pública, como o BNDES, o Inep, o Inpe, a Funai, a Polícia Federal e o Itamaraty. Isso não tem nada a ver com eliminar privilégios e mordomias.
O outro lado da moeda é a tensão permanente entre a ética das convicções, como a do ultraliberal Paulo Guedes, que persegue o “estado mínimo”, e a ética da responsabilidade, que serve de eixo condutor e moral da atuação da burocracia de carreira, responsável por zelar pela legitimidade dos meios empregados pelo governo. Talvez o grande incômodo de Guedes não seja propriamente a existência de servidores parasitando a máquina pública — eles também existem —, mas as exigências legais e institucionais que o governo precisa observar para viabilizar as reformas. Ou seja, o fato de que gostaria de impor a sua reforma administrativa a qualquer preço, colocando-se acima das instituições e do ordenamento democrático vigente.
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