sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Sob Toffoli, absurdo adquire naturalidade no STF

Só há dois caminhos possíveis na vida. Ou você é parte da solução ou é parte do problema. Ao requisitar ao Banco Central, em 25 de outubro, dados bancários e fiscais sigilosos de 600 mil pessoas e empresas, Dias Toffoli revela uma disposição incontida de manter o Supremo Tribunal Federal no rol dos problemas. Sob a presidência de Toffoli, o absurdo vai adquirindo na Suprema Corte uma doce, uma persuasiva, uma admirável naturalidade.

Há quatro meses, quando impôs a trava que congelou as investigações relacionadas a Flávio Bolsonaro, Toffoli tentou passar a impressão de que não assinava uma liminar em pleno período de férias do Judiciário apenas para proteger o filho do presidente da República. Suspendeu, então, todos os processos municiados com dados detalhados do antigo Coaf. Alegou que agia "em defesa de toda a sociedade", não do primeiro-filho.


Toffoli sustenta que movimentações bancárias suspeitas só podem ser compartilhadas depois de uma decisão judicial. Com isso, transforma o velho Coaf numa espécie de arquivo morto, que só pode ser manuseado pelas togas muito vivas do Supremo. Toffoli colocou-se num posto de observação privilegiado. Pode olhar com lupa dados que proibiu procuradores e promotores de usar. Apalpa inclusive informações sobre políticos e autoridades. Vale atrasar o relógio para verificar como tudo começou.

Na origem da encrenca, está um processo que nasceu há 16 anos, em 2003. Nele, os sócios de um posto de gasolina contestaram a legalidade do compartilhamento de seus dados fiscais, repassados pela Receita ao Ministério Público. O processo chegou na mesa de Toffoli no ano passado. Em abril de 2018, o julgamento foi marcado para 21 de março de 2019. Sem pressa, Toffoli adiou a encrenca para 21 de novembro.

De repente, os advogados de Flávio Bolsonaro engancharam nesse processo o pedido de trancamento das investigações contra o Zero Um. Desde então, coisas estranhas acontecem no Supremo. Não é que a Justiça seja cega. Ela é caolha, só enxerga a metade que interessa. Nesse ritmo, Toffoli vai acabar transformando a Supremacia do Supremo num poder extremamente seletivo.

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